O DIREITO À FELICIDADE
Eu acredito que o propósito da nossa vida é buscar a felicidade. Isso está claro. Quer se acredite ou não na religião, quer se acredite nessa religião ou na religião, todos estamos buscando algo melhor na vida. Então, eu acho que o próprio movimento da nossa vida é para a felicidade ...
Com estas palavras, pronunciadas perante uma grande audiência no Arizona, o Dalai Lama cortou o coração da sua mensagem. Mas sua afirmação de que o propósito da vida era a felicidade levantou uma questão em minha mente. Mais tarde, quando estávamos sozinhos, perguntei: "Você está feliz?"
"Sim", disse ele. Ele fez uma pausa, depois acrescentou: - Sim ... definitivamente. Havia uma sinceridade quieta em sua voz que não deixava dúvidas - uma sinceridade que se refletia em sua expressão e em seus olhos.
“Mas a felicidade é um objetivo razoável para a maioria de nós?”, Perguntei. "É realmente possível?"
"Sim. Eu acredito que a felicidade pode ser alcançada através do treinamento da mente ”.
Em um nível humano básico, não pude deixar de responder à ideia de felicidade como uma meta alcançável. Como psiquiatra, no entanto, eu tinha sido sobrecarregado por noções como a crença de Freud de que "se sente inclinado a dizer que a intenção de que o homem deva ser 'feliz' não está incluída no plano da 'Criação'". levou muitos em minha profissão à triste conclusão de que o máximo que se poderia esperar era “a transformação da miséria hí- rica em infelicidade comum”. Desse ponto de vista, a afirmação de que havia um caminho claramente definido para a felicidade parecia uma ideia radical. . Ao rever os meus anos de treinamento psiquiátrico, raramente me lembrava de ter ouvido a palavra “felicidade” mencionada como um objetivo terapêutico. Naturalmente, havia muita conversa sobre aliviar os sintomas de depressão ou ansiedade do paciente, de resolver conflitos internos ou problemas de relacionamento, mas nunca com o objetivo expresso de se tornar feliz.
O conceito de alcançar a verdadeira felicidade, no Ocidente, sempre pareceu mal definido, indescritível, inapreensível. Até mesmo a palavra "feliz" é derivada da palavra islandesa happ, que significa sorte ou acaso. A maioria de nós parece compartilhar dessa visão da natureza misteriosa da felicidade. Nesses momentos de alegria que a vida traz, a felicidade parece algo que vem do nada. Para minha mente ocidental, não parecia o tipo de coisa que se poderia desenvolver e sustentar, simplesmente “treinando a mente”.
Quando levantei essa objeção, o Dalai Lama foi rápido em explicar. “Quando digo 'treinar a mente', neste contexto, não estou me referindo à 'mente' meramente como uma capacidade cognitiva ou intelecto. Pelo contrário, estou usando o termo no sentido da palavra tibetana Sem, que tem um significado muito mais amplo, mais próximo de 'psique' ou 'espírito', inclui intelecto e sentimento, coração e mente. Ao trazer uma certa disciplina interior, podemos passar por uma transformação de nossa atitude, toda a nossa perspectiva e abordagem para viver.
“Quando falamos dessa disciplina interior, é claro que ela pode envolver muitas coisas, muitos métodos. Mas, em geral, começa-se por identificar os fatores que levam à felicidade e os fatores que levam ao sofrimento. Tendo feito isso, então, gradualmente eliminamos os fatores que levam ao sofrimento e cultivamos aqueles que levam à felicidade. Esse é o caminho."
O Dalai Lama afirma ter encontrado alguma medida de felicidade pessoal. E durante a semana que passou no Arizona, muitas vezes testemunhei como essa felicidade pessoal pode se manifestar como uma simples vontade de chegar aos outros, para criar um sentimento de afinidade e boa vontade, mesmo no mais breve dos encontros.
Certa manhã, depois de sua palestra pública, o Dalai Lama estava caminhando por um pátio externo no caminho de volta para o seu quarto de hotel, cercado por sua comitiva habitual. Percebendo um dos funcionários da limpeza do hotel de pé junto aos elevadores, ele fez uma pausa para perguntar-lhe: - De onde você é? Por um momento, ela pareceu surpreendida por aquele homem de aparência estrangeira, com as vestes marrons e pareceu intrigada com a deferência da comitiva. Então ela sorriu e respondeu timidamente: "México". Ele fez uma breve pausa para conversar com ela por alguns momentos e depois caminhou, deixando-a com um olhar de excitação e prazer em seu rosto. Na manhã seguinte, ao mesmo tempo, ela apareceu no mesmo local com outro funcionário da limpeza, e os dois o saudaram calorosamente ao entrar no elevador. A interação foi breve, mas os dois pareciam corados de felicidade quando voltaram ao trabalho. Todos os dias, juntaram-se a eles mais alguns funcionários da limpeza no horário e local designados, até o final da semana havia dezenas de empregadas em seus uniformes cinza e branco, formando uma fila de recepção que se estendia. ao longo do caminho que levava aos elevadores.
Nossos dias estão contados. Neste exato momento, muitos milhares nascem no mundo, alguns destinados a viver apenas alguns dias ou semanas, e depois sucumbem tragicamente à doença ou a outro infortúnio. Outros estão destinados a empurrar para Uma marca do século, talvez um pouco além, e saborear todos os gostos que a vida tem a oferecer: triunfo, desespero, alegria, ódio e amor. Nós nunca sabemos. Mas se vivemos um dia ou um século, uma questão central sempre permanece: qual é o propósito de nossa vida? O que torna nossa vida significativa?
O propósito de nossa existência é buscar felicidade. Parece senso comum, e pensadores ocidentais de Aristóteles a William James concordaram com essa ideia. Mas a vida não é baseada na busca da felicidade pessoal por natureza egocêntrica, auto-indulgente? Não necessariamente. De fato, pesquisa após pesquisa mostrou que são as pessoas infelizes que tendem a ser mais focadas em si mesmas e frequentemente são socialmente retraídas, preocupadas e até antagônicas. As pessoas felizes, em contraste, são geralmente mais sociáveis, flexíveis e criativas e são capazes de tolerar as frustrações diárias da vida com mais facilidade do que as pessoas infelizes. E, mais importante, eles são mais amorosos e tolerantes do que as pessoas infelizes.
Pesquisadores criaram alguns experimentos interessantes demonstrando que pessoas felizes exibem uma certa qualidade de abertura, uma disposição para alcançar e ajudar os outros. Eles conseguiram, por exemplo, induzir um clima feliz em um assunto de teste, fazendo com que a pessoa inesperadamente encontrasse dinheiro em uma cabine telefônica. Posando como um estranho, um dos experimentadores então passou e “acidentalmente” derrubou uma carga de papéis. Os investigadores queriam ver se o assunto iria parar para ajudar o estranho. Em outro cenário, os espíritos dos participantes foram levantados ouvindo um álbum de comédia, e então eles foram abordados por alguém em necessidade (também em conluio com o experimentador) que queriam pedir dinheiro emprestado. Os pesquisadores descobriram que os sujeitos que estavam se sentindo felizes eram mais propensos a ajudar alguém ou emprestar dinheiro do que outro "grupo de controle" de indivíduos que foram presenteados com a mesma oportunidade de ajudar, mas cujo humor não havia sido impulsionado antes do tempo.
Embora esse tipo de experimento contradiga a noção de que a busca e a realização da felicidade pessoal de alguma forma levam ao egoísmo e à auto-absorção, todos nós podemos conduzir nossa própria experiência no laboratório de nossas próprias vidas cotidianas. Suponhamos, por exemplo, que estamos presos no tráfego. Depois de vinte minutos, finalmente começa a se mover novamente, em torno da velocidade da parada. Vemos alguém em outro carro sinalizando que ela quer entrar na nossa pista à nossa frente. Se estivermos de bom humor, é mais provável que diminuamos o ritmo e os acenemos para frente. Se nos sentimos infelizes, nossa resposta pode ser simplesmente acelerar e diminuir a distância. "Bem, eu tenho estado preso aqui esperando todo esse tempo; por que não deveriam?
Começamos, então, com a premissa básica de que o propósito da nossa vida é buscar a felicidade. É uma visão da felicidade como um objetivo real, que podemos dar passos positivos para alcançar. E quando começarmos a identificar os fatores que levam a uma vida mais feliz, aprenderemos como a busca pela felicidade oferece benefícios não apenas para o indivíduo, mas também para a família do indivíduo e para a sociedade em geral.
AS FONTES DA FELICIDADE
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Dois anos atrás, um amigo meu teve um inesperado fato. Dezoito meses antes disso, deixara o emprego de enfermeira para ir trabalhar para dois amigos que começavam uma pequena empresa de saúde. A empresa desfrutou de um sucesso meteórico e, nos dezoito meses, foi comprada por um grande conglomerado por uma quantia enorme. Tendo entrado no andar térreo da empresa, meu amigo saiu da compra com opções de ações - o suficiente para poder se aposentar aos trinta e dois anos de idade. Eu a vi há pouco tempo e perguntei como ela estava gostando de sua aposentadoria. â € œBem, â € ?? ela disse, “é ótimo poder viajar e fazer as coisas que eu sempre quis fazer. Mas ... ela acrescentou: “é estranho; depois que superei toda a excitação de ganhar todo esse dinheiro, as coisas voltaram ao normal. Quero dizer, as coisas são diferentes, eu comprei uma casa nova e outras coisas, mas no geral eu não acho que estou muito mais feliz do que antes.
Apenas na época em que minha amiga estava lucrando com seus lucros inesperados, eu tinha outro amigo da mesma idade que descobriu que ele era HIV positivo. Nós falamos sobre como ele estava lidando com seu status de HIV. claro que fiquei arrasada no principio ele disse. demorei quase um ano apenas para aceitar o fato de que eu tinha o virus. Mas no ano passado as coisas mudaram. Eu pareço aproveitar mais a cada dia do que antes, e em um momento a momento, eu me sinto mais feliz do que nunca. Parece que aprecio mais as coisas do dia-a-dia, e agradeço que até agora não tenha desenvolvido nenhum sintoma grave de Aids e possa realmente aproveitar as coisas que tenho. E mesmo que eu prefira não ser HIV positivo, eu tenho que admitir que de alguma forma isso transformou minha vida ... de maneiras positivas ... ”
â € ”De que maneiras? Eu perguntei.
â € œBem, por exemplo, você sabe que eu sempre tendi a ser um materialista confirmado. Mas ao longo do ano passado, chegar a um acordo com a minha mortalidade abriu um mundo totalmente novo. Comecei a explorar a espiritualidade pela primeira vez na vida, lendo muitos livros sobre o assunto e conversando com pessoas ... descobrindo tantas coisas sobre as quais nunca pensei antes. Isso me deixa excitada em apenas levantar de manhã, em ver o que o dia vai trazer ”.
Ambas as pessoas ilustram o ponto essencial de que a felicidade é determinada mais pelo estado de espírito do que pelos eventos externos. O sucesso pode resultar em um sentimento temporário de exaltação, ou a tragédia pode nos levar a um período de depressão, mas, mais cedo ou mais tarde, nosso nível geral de felicidade tende a migrar de volta para uma determinada linha de base. Os psicólogos chamam esse processo de adaptação, e podemos ver como esse princípio funciona em nossa vida cotidiana;
um aumento de salário, um carro novo ou o reconhecimento de nossos pares podem melhorar nosso ânimo por um tempo, mas logo voltamos ao nosso nível habitual de felicidade. Da mesma forma, uma discussão com um amigo, um carro na oficina ou uma pequena lesão pode nos deixar de mau humor, mas em questão de dias nossos ânimos se recuperam.
Essa tendência não se limita a eventos triviais e cotidianos, mas persiste mesmo sob condições mais extremas de triunfo ou desastre. Pesquisadores que examinaram os ganhadores da loteria do estado de Illinois e os ganhadores do British Pool, por exemplo, descobriram que a alta inicial acabou se esgotando e os vencedores voltaram à sua habitual variedade de felicidade momento a momento. E outros estudos demonstraram que mesmo aqueles que são atingidos por eventos catastróficos, como câncer, cegueira ou paralisia, normalmente recuperam seu nível normal ou quase normal de felicidade no dia-a-dia após um período adequado de adaptação.
Então, se nós tendemos a retornar ao nosso nível básico de felicidade, não importando quais sejam as nossas condições externas, o que determina essa linha de base? E, mais importante, pode ser modificado, definido em um nível superior? Alguns pesquisadores argumentaram recentemente que o nível característico de felicidade ou bem-estar de um indivíduo é geneticamente determinado, pelo menos até certo ponto. Estudos como o que descobriu que gêmeos idênticos (compartilhando a mesma constituição genética) tendem a ter níveis muito similares de bem-estar - independentemente de terem sido criados juntos ou separados - levaram esses pesquisadores a postular um ponto de felicidade, ligada ao cérebro no nascimento.
Mas mesmo que a composição genética desempenhe um papel na felicidade - e o veredicto ainda está longe de quão grande é esse papel -, há um consenso geral entre os psicólogos de que não importa o nível de felicidade que recebemos pela natureza, há passos que pode levar para trabalhar com o "fator de mente", para aumentar nossos sentimentos de felicidade. Isso ocorre porque nossa felicidade momento a momento é em grande parte determinada por nossa perspectiva. De fato, se estamos nos sentindo felizes ou infelizes em um dado momento, muitas vezes tem muito pouco a ver com nossas condições absolutas, mas, ao contrário, é uma função de como percebemos nossa situação, quão satisfeitos estamos com o que temos.
A MENTE COMPARADA
O que molda nossa percepção e nível de satisfação? Nossos sentimentos de contentamento são fortemente influenciados por nossa tendência a comparar. Quando comparamos a nossa situação atual com o nosso passado e descobrimos que estamos melhor, sentimo-nos felizes. Isso acontece, por exemplo, quando nossa renda repentinamente salta de US $ 20.000 para US $ 30.000 por ano, mas não é a quantidade absoluta de renda que nos deixa felizes, pois logo descobrimos quando nos acostumamos com nossa nova renda e descobrimos isso. não seremos felizes novamente, a menos que ganhemos 40 mil dólares por ano. Nós também olhamos em volta e nos comparamos com os outros. Não importa o quanto façamos, tendemos a ficar insatisfeitos com nossa renda se nosso vizinho estiver ganhando mais. Os atletas profissionais reclamam amargamente dos salários anuais de US $ 1 milhão, US $ 2 milhões, ou US $ 3 milhões, citando o salário mais alto de um colega de equipe como justificativa para sua infelicidade. Essa tendência parece apoiar a definiçà £ o de Hugh Mencken de um homem rico: um cuja renda à © US $ 100 por ano maior do que o marido da irmà £ de sua esposa.
Assim, podemos ver como nosso sentimento de satisfação com a vida depende de quem nos comparamos. Claro, nós comparamos outras coisas além da renda. A comparação constante com aqueles que são mais inteligentes, mais belos ou mais bem sucedidos do que nós mesmos também tende a gerar inveja, frustração e infelicidade. Mas podemos usar esse mesmo princípio de maneira positiva; podemos aumentar nosso sentimento de satisfação com a vida comparando-nos com aqueles que são menos afortunados do que nós e refletindo sobre todas as coisas que temos.
Pesquisadores realizaram uma série de experimentos demonstrando que o nível de satisfação com a vida pode ser aumentado simplesmente mudando a perspectiva e contemplando como as coisas poderiam ser piores. Em um estudo, mulheres da Universidade de Wisconsin, em Milwaukee, mostraram imagens das condições de vida extremamente severas em Milwaukee na virada do século, ou pediram que visualizassem e escrevessem sobre passar por tragédias pessoais como ser queimado ou desfigurado. Depois de concluir este exercício, as mulheres foram solicitadas a avaliar a qualidade de suas próprias vidas. O exercício resultou em um maior sentimento de satisfação com suas vidas. Em outro experimento na Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, os participantes foram solicitados a completar a sentença: "Estou feliz por não ser um ..." Após cinco repetições deste exercício, os sujeitos experimentaram uma elevação distinta em seus sentimentos de satisfação com a vida. Outro grupo de sujeitos foi questionado pelos experimentadores para completar a frase “Eu gostaria de ser um ...” Desta vez, o experimento deixou os sujeitos se sentindo mais insatisfeitos com suas vidas.
Esses experimentos, que mostram que podemos aumentar ou diminuir nossa sensação de satisfação com a vida mudando nossa perspectiva, apontam claramente para a supremacia da perspectiva mental de uma pessoa em viver uma vida feliz.
O Dalai Lama explica: “Embora seja possível alcançar a felicidade, a felicidade não é uma coisa simples. Existem muitos níveis. No budismo, por exemplo, há uma referência aos quatro fatores de realização, ou felicidade: riqueza, satisfação mundana, espiritualidade e iluminação. Juntos, eles abraçam a totalidade da busca de felicidade de um indivíduo.
“Deixemos de lado por um momento as aspirações religiosas ou espirituais finais, como perfeição e iluminação, e lidamos com a alegria e a felicidade como as entendemos em um sentido cotidiano ou mundano. Dentro deste contexto, existem certos elementos-chave que reconhecemos convencionalmente como contribuindo para a alegria e a felicidade. Por exemplo, a boa saúde é considerada um dos fatores necessários para uma vida feliz. Outro fator que consideramos uma fonte de felicidade são nossas instalações materiais ou a riqueza que acumulamos. Um fator adicional é ter amizade ou companheiros. Todos nós reconhecemos que, para desfrutarmos de uma vida plena, precisamos de um círculo de amigos com os quais possamos nos relacionar emocionalmente e confiar.
â € ”Agora, todos esses fatores sà £ o, de fato, fontes de felicidade. Mas, para que um indivíduo seja capaz de utilizá-lo totalmente com o objetivo de desfrutar de uma vida feliz e plena, seu estado de espírito é fundamental. É crucial.
â € œSe utilizarmos nossas circunstà ¢ ncias favoráveis, como nossa boa saúde ou riqueza, de formas positivas, para ajudar os outros, elas podem ser fatores contributivos para alcançar uma vida mais feliz. E é claro que gostamos dessas coisas - nossas instalações materiais, sucesso e assim por diante. Mas sem a atitude mental correta, sem atenção ao fator mental, essas coisas têm muito pouco impacto sobre nossos sentimentos de felicidade a longo prazo. Por exemplo, se você nutre pensamentos de ódio ou raiva intensa em algum lugar dentro de você, isso arruina sua saúde; assim destrói um dos fatores. Além disso, se você está mentalmente infeliz ou frustrado, então o conforto físico não é de muita ajuda. Por outro lado, se você puder manter um estado de espírito calmo e pacífico, poderá ser uma pessoa muito feliz, mesmo que tenha problemas de saúde. Ou, mesmo que você tenha posses maravilhosas, quando você está em um momento intenso de raiva ou ódio, você sente vontade de jogá-las, quebrá-las. Naquele momento, suas posses não significam nada. Hoje existem sociedades que são muito desenvolvidas materialmente, mas entre elas há muitas pessoas que não são muito felizes. Logo abaixo da bela superfície da afluência, há um tipo de inquietação mental que leva à frustração, brigas desnecessárias, dependência de drogas ou álcool e, no pior dos casos, suicídio. Portanto, não há garantia de que somente a riqueza possa lhe dar a alegria ou satisfação que você está buscando. O mesmo pode ser dito de seus amigos também. Quando você está em um estado intenso de raiva ou ódio, até mesmo um amigo muito próximo lhe parece, de alguma forma, gelado, frio, distante e bastante irritante.
“Tudo isso indica a tremenda influência que o estado mental, o fator mental, tem na nossa experiência da vida cotidiana. Naturalmente, então, temos que levar esse fator muito a sério.
“Assim, deixando de lado a perspectiva da prática espiritual, mesmo em termos mundanos, em termos de desfrutarmos de uma existência diária e feliz, quanto maior o nível de calma de nossa mente, maior será a nossa paz de espírito, maior será nossa capacidade de desfrutar de uma vida feliz e alegre ”
O Dalai Lama fez uma pausa por um momento, como se quisesse deixar essa ideia se acalmar, e então acrescentou: - Devo mencionar que quando falamos de um estado mental tranqüilo ou de paz de espírito, não devemos confundir isso com um estado totalmente insensível. estado de espírito apático. Ter um estado de espírito calmo ou pacífico não significa estar totalmente afastado ou completamente vazio. A paz de espírito ou um estado de espírito calmo está enraizado no afeto e na compaixão. Há um nível muito alto de sensibilidade e sentimento lá.
Resumindo, ele disse: “Enquanto houver uma falta de disciplina interior que traga a calma da mente, não importa quais sejam as suas instalações ou condições externas, elas nunca lhe darão a sensação de alegria e felicidade que você está buscando. Por outro lado, se você possui essa qualidade interior, uma tranqüilidade mental, um grau de estabilidade interior, então, mesmo que lhe falte várias facilidades externas que normalmente consideraria necessárias para a felicidade, ainda é possível viver uma felicidade feliz e alegre. vida.
CONTEÚDO INTERNO
Atravessando o estacionamento do hotel a caminho do encontro com o Dalai Lama uma tarde, parei para admirar um Toyota Land Cruiser novinho em folha, o tipo de carro que eu vinha querendo há muito tempo. Ainda pensando naquele carro quando comecei a minha sessão, perguntei: “Às vezes parece que toda a nossa cultura, a cultura ocidental, é baseada na aquisição material; estamos cercados, bombardeados, com anúncios das últimas coisas para comprar, o último carro e assim por diante. É difícil não ser influenciado por isso. Há tantas coisas que queremos, coisas que desejamos. Isso nunca parece parar. Você pode falar um pouco sobre o desejo?
â € œEu acho que existem dois tipos de desejoâ €? o Dalai Lama respondeu. â € ”Certos desejos sà £ o positivos. Um desejo de felicidade. Está absolutamente certo. O desejo de paz. O desejo de um mundo mais harmonioso, um mundo mais amistoso. Certos desejos são muito úteis.
â € œMas em algum momento, os desejos podem se tornar irracionais. Isso geralmente leva a problemas. Agora, por exemplo, às vezes eu visito supermercados. Eu realmente amo ver supermercados, porque eu posso ver tantas coisas bonitas. Então, quando olho para todos esses artigos diferentes, desenvolvo um sentimento de desejo, e meu impulso inicial pode ser: “Ah, eu quero isso; Eu quero isso. ”Então, o segundo pensamento que surge, eu me pergunto:“ Oh, eu realmente preciso disso? ”A resposta é geralmente não. Se você seguir depois desse primeiro desejo, esse impulso inicial, então muito em breve seus bolsos estarão vazios. No entanto, o outro nível de desejo, baseado em suas necessidades essenciais de comida, roupa e abrigo, é algo mais razoável.
â € ”à € s vezes, se um desejo à © excessivo ou negativo depende das circunstà ¢ ncias ou da sociedade em que você vive. Por exemplo, se você mora em uma sociedade próspera onde um carro é necessário para ajudá-lo a administrar em sua vida diária, então é claro que não há nada errado em desejar um carro. Mas se você mora em uma vila pobre na Índia, onde você pode administrar muito bem sem um carro, mas você ainda deseja um, mesmo se você tiver dinheiro para comprá-lo, isso pode trazer problemas. Pode criar um sentimento desconfortável entre seus vizinhos e assim por diante. Ou, se você está vivendo em uma sociedade mais próspera e tem um carro, mas continua querendo carros mais caros, isso leva ao mesmo tipo de problemas.
â € ”Mas â €” Argumentei: â € œNÃ £ o consigo ver como querer ou comprar um carro mais caro leva a problemas para um indivÃduo, contanto que ele ou ela possam pagar. Ter um carro mais caro do que seus vizinhos pode ser um problema para eles - eles podem ser ciumentos e assim por diante -, mas ter um carro novo lhe daria uma sensação de satisfação e prazer.
O Dalai Lama balançou a cabeça e respondeu com firmeza: - Não ... A auto-satisfação sozinha não pode determinar se um desejo ou ação é positivo ou negativo. Um assassino pode ter um sentimento de satisfação no momento em que ele está cometendo o assassinato, mas isso não justifica o ato. Todas as ações não-virtuosas - mentir, roubar, má conduta sexual e assim por diante - são cometidas por pessoas que podem estar sentindo uma sensação de satisfação na época. A demarcação entre um desejo ou uma ação positiva e uma negativa não é se ela lhe dá um sentimento imediato de satisfação, mas se resulta em conseqüências positivas ou negativas. Por exemplo, no caso de querer bens mais caros, se isso é baseado em uma atitude mental que só quer mais e mais, então, eventualmente, você alcançará um limite do que você pode obter; você vai se deparar com a realidade. E quando você alcança esse limite, você perde toda a esperança, afunda na depressão e assim por diante. Esse é um perigo inerente a esse tipo de desejo.
acredito que esse tipo de desejo excessivo leva à cobiça§Ã £ o â €” uma forma exagerada de desejo, baseada na superexpressà £ o. E quando você refletir sobre os excessos da ganância, descobrirá que isso leva o indivíduo a um sentimento de frustração, desapontamento, muita confusão e muitos problemas. Quando se trata de lidar com a ganância, uma coisa que é bastante característica é que, embora chegue pelo desejo de obter algo, ela não fica satisfeita em obter. Portanto, torna-se uma espécie de ilimitado, sem fundo, e isso leva a problemas. Uma coisa interessante sobre a ganância é que, embora o motivo subjacente seja buscar a satisfação, a ironia é que, mesmo depois de obter o objeto do seu desejo, você ainda não está satisfeito. O verdadeiro antídoto da ganância é o contentamento. Se você tem um forte senso de contentamento, não importa se você obtém o objeto ou não; De qualquer forma, você ainda está contente.
Então, como podemos alcançar o contentamento interior? Existem dois métodos. Um método é obter tudo o que queremos e desejamos - todo o dinheiro, casas e carros; o companheiro perfeito; e o corpo perfeito. O Dalai Lama já apontou a desvantagem dessa abordagem; Se nossos anseios e desejos permanecerem descontrolados, mais cedo ou mais tarde nos depararemos com algo que queremos, mas não podemos ter. O segundo método, e mais confiável, é não ter o que queremos, mas sim querer e apreciar o que temos.
Na outra noite, eu estava assistindo a uma entrevista na televisão com Christopher Reeve, o ator que foi jogado de um cavalo em 1994 e sofreu uma lesão na medula espinhal que o deixou completamente paralisado do pescoço para baixo, exigindo um ventilador mecânico até para respirar. Quando questionado pelo entrevistador sobre como ele lidou com a depressão resultante de sua deficiência, Reeve revelou que ele havia experimentado um breve período de desespero completo enquanto estava na unidade de terapia intensiva do hospital. Ele continuou dizendo, no entanto, que esses sentimentos de desespero passaram relativamente depressa, e agora ele sinceramente se considerava um “sortudo”. Ele citou as bênçãos de uma esposa e filhos amorosos, mas também falou com gratidão sobre os rápidos avanços da medicina moderna (que ele estima encontrar uma cura para a lesão medular na próxima década), afirmando que se ele tivesse sido ferido apenas alguns anos mais cedo, ele provavelmente teria morrido de seus ferimentos. Enquanto descrevia o processo de adaptação à sua paralisia, Reeve disse que, embora seus sentimentos de desespero se resolvessem rapidamente, no começo ele ainda estava perturbado por dores intermitentes de ciúme que poderiam ser desencadeadas pela observação inocente de outra pessoa, como " "Eu só vou correr para cima e pegar alguma coisa." Ao aprender a lidar com esses sentimentos, ele disse: “Percebi que a única maneira de passar pela vida é olhar para os seus ativos, para ver o que você ainda pode fazer; no meu caso, felizmente eu não tive nenhum dano cerebral, então eu ainda tenho uma mente que eu possa usar. Concentrando-se em seus recursos desta maneira, Reeve optou por usar sua mente para aumentar a conscientização e educar o público sobre lesão medular, para ajudar os outros, e tem planos de continuar a falar, assim como escrever e dirigir filmes.
VALOR INTERNO
Vimos como trabalhar em nossa perspectiva mental é um meio mais eficaz de alcançar a felicidade do que procurá-la por meio de fontes externas, como riqueza, posição ou até mesmo saúde física. Outra fonte interna de felicidade, intimamente ligada a um sentimento interior de contentamento, é uma sensação de valor próprio. Ao descrever a base mais confiável para desenvolver esse senso de auto-estima, o Dalai Lama explicou:
â € ”Agora, no meu caso, por exemplo, suponha que eu nà £ o tivesse profundidade de sentimentos humanos, nenhuma capacidade de criar facilmente bons amigos. Sem isso, quando perdesse meu próprio país, quando minha autoridade política no Tibete chegasse ao fim, tornar-se refugiado teria sido muito difícil. Enquanto eu estava no Tibete, por causa da maneira como o sistema político foi estabelecido, havia um certo grau de respeito dado ao escritório do Dalai Lama e pessoas relacionadas a mim de acordo, independentemente de terem ou não verdadeiro afeto por mim ou não. . Mas se essa fosse a única base da relaçà £ o das pessoas para mim, entà £ o quando eu perdesse meu paÃs, teria sido extremamente difÃcil. Mas há outra fonte de valor e dignidade da qual você pode se relacionar com outros seres humanos. Você pode se relacionar com eles porque ainda é um ser humano, dentro da comunidade humana. Você compartilha esse vínculo. E esse laço humano é suficiente para dar origem a um senso de valor e dignidade. Esse vínculo pode se tornar uma fonte de consolo no caso de você perder todo o resto.
O Dalai Lama parou por um momento para tomar um gole de chá, depois balançou a cabeça e acrescentou: - Infelizmente, quando você lê a história, você encontrará casos de imperadores ou reis no passado que perderam seu status devido a algum problema político. revolta e foram forçados a deixar o país, mas a história depois não foi tão positiva para eles. Eu acho que sem esse sentimento de afeição e conexão com outros seres humanos, a vida se torna muito difícil.
â € œGeralmente falando, você pode ter dois tipos diferentes de indivÃduos. Por um lado, você pode ter uma pessoa rica e bem-sucedida, cercada por parentes e assim por diante. Se a fonte de dignidade e senso de valor dessa pessoa é apenas material, então, enquanto sua fortuna permanecer, talvez essa pessoa possa manter uma sensação de segurança. Mas no momento em que a fortuna diminuir, a pessoa sofrerá porque não há outro refúgio. Por outro lado, você pode ter outra pessoa desfrutando de status econômico e sucesso financeiro semelhantes, mas, ao mesmo tempo, essa pessoa é calorosa e afetuosa e tem um sentimento de compaixão. Porque essa pessoa tem outra fonte de valor, outra fonte que lhe dá um senso de dignidade, outra âncora, há menos chance de essa pessoa ficar deprimida se a fortuna dele ou dela desaparecer. Através desse tipo de raciocínio, você pode ver o valor muito prático do calor humano e do afeto em desenvolver um senso interior de valor ”.
FELICIDADE VERSUS PRAZER
Vários meses depois das conversas do Dalai Lama no Arizona, visitei-o em sua casa em Dharamsala. Era uma tarde de julho particularmente quente e úmida, e cheguei em sua casa encharcada de suor depois de uma curta caminhada da aldeia. Vindo de um clima seco, achei a umidade quase insuportável naquele dia, e nà £ o estava no melhor dos humores quando nos sentamos para iniciar nossa conversa. Ele, por outro lado, parecia estar muito animado. Logo em nossa conversa, nos voltamos para o tema do prazer. Em um ponto da discussão, ele fez uma observação crucial:
â € ”Agora, as pessoas confundem felicidade com prazer. Por exemplo, há pouco tempo eu estava falando para uma platéia indiana em Rajpur. Eu mencionei que o propósito da vida era a felicidade, então um membro da platéia disse que Rajneesh ensina que o nosso momento mais feliz vem durante a atividade sexual, então através do sexo pode-se tornar o mais feliz, ” o Dalai Lama riu com vontade. â € ”Ele queria saber o que eu pensava dessa ideia. Respondi que, do meu ponto de vista, a maior felicidade é quando se chega ao estágio da Libertação, no qual não há mais sofrimento. Isso é felicidade genuína e duradoura. A verdadeira felicidade se relaciona mais com a mente e o coração. A felicidade que depende principalmente do prazer físico é instável; um dia está lá, no dia seguinte pode não ser ”
Na superfície, parecia uma observação bastante óbvia; claro que felicidade e prazer eram duas coisas diferentes. E, no entanto, nós, seres humanos, somos muitas vezes bastante hábeis em confundir os dois. Não muito tempo depois de eu voltar para casa, durante uma sessão de terapia com um paciente, eu deveria ter uma demonstração concreta de quão poderosa essa simples realização pode ser.
Heather era uma jovem profissional solteira trabalhando como conselheira na área de Phoenix. Embora ela gostasse de seu trabalho trabalhando com jovens problemáticos, por algum tempo ela se tornou cada vez mais insatisfeita com a vida naquela área. Ela frequentemente se queixava da crescente população, do trânsito e do calor opressivo do verão. Ela tinha sido oferecido um emprego em uma pequena cidade bonita nas montanhas. Na verdade, ela havia visitado aquela cidade muitas vezes e sempre sonhara em se mudar para lá. Foi perfeito. O único problema era o fato de que o trabalho oferecido a ela envolvia uma clientela adulta. Durante semanas, ela estava lutando com a decisão de aceitar o novo emprego. Ela simplesmente não conseguia se decidir. Ela tentou criar uma lista de prós e contras, mas a lista era irritantemente uniforme.
Ela explicou: â € “Sei que nà £ o iria gostar do trabalho tanto quanto do meu trabalho aqui, mas isso seria mais do que compensado pelo puro prazer de viver naquela cidade! Eu realmente amo isso lá. Apenas estar lá me faz sentir bem. E estou tão cansada do calor aqui. Eu simplesmente não sei o que fazer.
Sua menção ao termo “prazer” lembrou-me das palavras do Dalai Lama e, sondando um pouco, perguntei: - Você acha que se mudar para lá lhe traria maior felicidade ou maior prazer?
Ela parou por um momento, sem saber o que fazer com a pergunta. Finalmente ela respondeu: â € œEu nà £ o sei ... você sabe, eu acho que me traria mais prazer do que felicidade ... Ultimamente, eu nà £ o acho que serei realmente feliz trabalhando com essa clientela. Eu realmente tenho muita satisfação em trabalhar com as crianças no meu trabalho ... ”
Simplesmente reformulando seu dilema em termos de “isso me trará felicidade?” parecia dar uma certa clareza. De repente, ficou muito mais fácil tomar sua decisão. Ela decidiu permanecer em Phoenix. Claro, ela ainda reclamava do calor do verão. Mas, tendo tomado a decisão consciente de permanecer ali com base no que ela achava que acabaria por fazê-la mais feliz, de alguma forma tornava o calor mais suportável.
UMA
UMA
UMA
Todos os dias somos confrontados com inúmeras decisões e escolhas. E, por mais que tentemos, muitas vezes não escolhemos o que sabemos ser “bom para nós”. Parte disso está relacionado ao fato de que a “escolha certa” muitas vezes é difícil - o que envolve algum sacrifício do nosso prazer.
Em todos os séculos, homens e mulheres têm lutado para tentar definir o papel que o prazer deve ter em suas vidas - uma legião de filósofos, teólogos e psicólogos, todos explorando nossa relação com o prazer. No terceiro século aC, Epicuro baseou seu sistema de ética na afirmação ousada de que “o prazer é o começo e o fim da vida abençoada”. Mas mesmo Epicuro reconheceu a importância do bom senso e da moderação, reconhecendo que a devoção desenfreada aos prazeres sensuais às vezes poderia levar à dor. Nos últimos anos do século XIX, Sigmund Freud estava ocupado formulando suas próprias teorias sobre o prazer. Segundo Freud, a força motivadora fundamental de todo o aparato psíquico era o desejo de aliviar a tensão causada por impulsos instintivos não realizados; em outras palavras, nosso motivo subjacente é buscar prazer. No século XX, muitos pesquisadores optaram por se desviar de mais especulações filosóficas e, em vez disso, uma série de neuroanatomistas passou a vasculhar o hipotálamo e as regiões límbicas do cérebro com eletrodos, procurando o local que produz prazer quando estimulado eletricamente.
Nenhum de nós realmente precisa de filósofos gregos mortos, psicanalistas do século XIX ou cientistas do século XX para nos ajudar a entender o prazer. Nós sabemos quando sentimos isso. Sabemos disso no toque ou no sorriso de um ente querido, no luxo de um banho quente em uma tarde fria e chuvosa, na beleza de um pôr do sol. Mas muitos de nós também conhecem o prazer na rapsódia frenética de uma corrida de cocaína, o êxtase de uma heroína alta, a folia de um burburinho alcoólico, a felicidade do excesso sexual desenfreado, a alegria de uma série de vitórias em Las Vegas. Estes também são prazeres muito reais - prazeres que muitos em nossa sociedade ficam satisfeitos em aceitar.
Embora não haja soluções fáceis para evitar esses prazeres destrutivos, felizmente temos um lugar para começar: o simples lembrete de que o que estamos buscando na vida é a felicidade. Como o Dalai Lama aponta, isso é um fato inconfundível. Se nos aproximamos de nossas escolhas de vida, tendo isso em mente, é mais fácil abandonar as coisas que são prejudiciais para nós, mesmo que essas coisas nos tragam prazer momentâneo. A razão pela qual é geralmente tão difícil "Apenas diga não!" é encontrado na palavra "não"; essa abordagem está associada a um sentimento de rejeitar algo, de desistir de algo, de negar a nós mesmos.
Mas há uma abordagem melhor: enquadrar qualquer decisão que enfrentamos perguntando a nós mesmos: “Isso me trará felicidade?” Essa pergunta simples pode ser uma ferramenta poderosa para nos ajudar a conduzir habilmente todas as áreas de nossas vidas, não apenas na decisão de se entregar a drogas ou no terceiro pedaço de torta de creme de banana. Isso coloca uma nova inclinação nas coisas. Aproximando-nos de nossas decisões e escolhas cotidianas com essa questão em mente, muda o foco do que estamos negando a nós mesmos para o que estamos buscando - a felicidade final. Um tipo de felicidade, como definido pelo Dalai Lama, que é estável e persistente. Um estado de felicidade que permanece, apesar dos altos e baixos da vida e das flutuações normais do humor, como parte da própria matriz do nosso ser. Com essa perspectiva, é mais fácil tomar a "decisão certa" porque estamos agindo para nos dar algo, não negando ou retendo algo de nós mesmos - uma atitude de mudar em vez de se afastar, uma atitude de abraçar a vida em vez de rejeitá-la. Esse sentimento subjacente de se mover em direção à felicidade pode ter um efeito muito profundo; nos torna mais receptivos, mais abertos, à alegria de viver.
TREINANDO A MENTE PARA A FELICIDADE
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O CAMINHO DA FELICIDADE
Ao identificar o estado mental de alguém como fator primordial para alcançar a felicidade, é claro que isso não nega que nossas necessidades físicas básicas de comida, roupas e abrigo devem ser atendidas. Mas uma vez que essas necessidades básicas sejam satisfeitas, a mensagem é clara: não precisamos de mais dinheiro, não precisamos de maior sucesso ou fama, não precisamos do corpo perfeito ou mesmo do parceiro perfeito - neste momento, No momento, temos uma mente, que é todo o equipamento básico de que precisamos para alcançar a felicidade completa.
Ao apresentar sua abordagem para trabalhar com a mente, o Dalai Lama começou: “Quando nos referimos à mente ou à consciência, existem muitas variedades diferentes. Assim como condições externas ou objetos, algumas coisas são muito úteis, algumas são muito prejudiciais e outras são neutras. Assim, quando lidamos com matéria externa, geralmente tentamos primeiro identificar quais dessas diferentes substâncias ou substâncias químicas são úteis, para que possamos cuidar de cultivá-las, aumentá-las e usá-las. E aquelas substâncias que são prejudiciais, nos livramos. Assim, da mesma forma, quando falamos de mente, existem milhares de pensamentos diferentes ou mentes diferentes. Entre eles, alguns são muito úteis; aqueles, devemos tomar e nutrir. Alguns são negativos, muito prejudiciais; aqueles, devemos tentar reduzir.
“Então, o primeiro passo na busca da felicidade é aprender. Primeiro, precisamos aprender como as emoções e os comportamentos negativos são prejudiciais para nós e como as emoções positivas são úteis. E devemos perceber como essas emoções negativas não são apenas muito ruins e prejudiciais para alguém, mas também prejudiciais à sociedade e ao futuro do mundo inteiro. Esse tipo de realização aumenta nossa determinação de enfrentá-los e superá-los. E depois, há a realização dos aspectos benéficos das emoções e comportamentos positivos. Uma vez que percebemos isso, nos tornamos determinados a acalentar, desenvolver e aumentar essas emoções positivas, não importa quão difícil seja. Existe uma espécie de disposição espontânea de dentro. Assim, através deste processo de aprendizagem, de analisar quais pensamentos e emoções são benéficos e quais são prejudiciais, nós gradualmente desenvolvemos uma firme determinação de mudar, sentindo, 'Agora o segredo para minha própria felicidade, meu próprio bom futuro, está dentro de minhas próprias mãos. . Não posso perder essa oportunidade!
“No budismo, o princípio da causalidade é aceito como uma lei natural. Ao lidar com a realidade, você tem que levar em conta essa lei. Assim, por exemplo, no caso de experiências cotidianas, se houver certos tipos de eventos que você não deseja, então o melhor método para assegurar que esse evento não ocorra é certificar-se de que as condições causais que normalmente dão origem para esse evento não mais surgir. Da mesma forma, se você quer que um determinado evento ou experiência ocorra, então a coisa lógica a fazer é buscar e acumular as causas e condições que o originam.
“Este também é o caso dos estados mentais e experiências. Se você deseja a felicidade, deve procurar as causas que a originam e, se não deseja o sofrimento, o que deve fazer é garantir que as causas e condições que a originam não surjam mais. Uma apreciação deste princípio causal é muito importante.
“Agora, falamos da suprema importância do fator mental para alcançar a felicidade. Nossa próxima tarefa, portanto, é examinar a variedade de estados mentais que experimentamos. Precisamos identificar claramente diferentes estados mentais e fazer uma distinção, classificando-os de acordo com o fato de levarem à felicidade ou não ”.
"Você pode dar alguns exemplos específicos de diferentes estados mentais e descrever como você os classificaria?", Perguntei.
O Dalai Lama explicou: “Agora, por exemplo, o ódio, o ciúme, a raiva e assim por diante são prejudiciais. Nós os consideramos estados mentais negativos porque eles destroem nossa felicidade mental; uma vez que você nutre sentimentos de ódio ou mal-estar em relação a alguém, uma vez que você mesmo é preenchido por ódio ou emoções negativas, então outras pessoas lhe parecerão hostis. Então, como resultado, há mais medo, maior inibição e hesitação e uma sensação de insegurança. Essas coisas se desenvolvem e também a solidão no meio de um mundo percebido como hostil. Todos esses sentimentos negativos se desenvolvem por causa do ódio. Por outro lado, estados mentais como bondade e compaixão são definitivamente muito positivos. Eles são muito úteis ... ”"Estou apenas curioso", eu interrompi. “Você menciona que existem milhares de estados mentais diferentes. Qual seria a sua definição de pessoa psicologicamente saudável ou bem ajustada? Podemos usar essa definição como uma diretriz para determinar quais estados mentais cultivar e quais eliminar. ”
Ele riu, então, com sua humildade característica, ele respondeu: "Como psiquiatra, você pode ter uma definição melhor de uma pessoa psicologicamente saudável".
"Mas eu quero dizer do seu ponto de vista."
“Bem, eu consideraria uma pessoa compassiva, calorosa e bondosa como saudável. Se você mantém um sentimento de compaixão, amor, Por gentileza, então algo automaticamente abre sua porta interior. Através disso, você pode se comunicar muito mais facilmente com outras pessoas. E essa sensação de calor cria uma espécie de abertura. Você descobrirá que todos os seres humanos são exatamente como você, para que você possa se relacionar com eles com mais facilidade. Isso lhe dá um espírito de amizade. Então, há menos necessidade de esconder as coisas e, como resultado, sentimentos de medo, insegurança e insegurança são automaticamente dissipados. Além disso, cria um sentimento de confiança de outras pessoas. Caso contrário, por exemplo, você pode encontrar alguém que seja muito competente e saiba que pode confiar na competência dessa pessoa. Mas se você sente que a pessoa não é gentil, então você tem que segurar algo de volta. Você sente que "Oh, eu sei que essa pessoa pode fazer coisas, mas posso realmente confiar nele?", Então você sempre terá uma certa apreensão que cria uma certa distância dele.
“Então, de qualquer maneira, acho que cultivar estados mentais positivos como bondade e compaixão definitivamente leva a uma melhor saúde psicológica e felicidade.”
DISCIPLINA MENTAL
Enquanto ele falava, encontrei algo muito atraente sobre a abordagem do Dalai Lama para alcançar a felicidade. Era absolutamente prático e racional: identificar e cultivar estados mentais positivos; identificar e eliminar estados mentais negativos. Embora sua sugestão de começar por analisar sistematicamente a variedade de estados mentais que experimentamos inicialmente tenha me parecido um pouco seca, eu gradualmente me deixei levar pela força de sua lógica e raciocínio. E gostei do fato de que, em vez de classificar estados mentais, emoções ou desejos com base em algum julgamento moral imposto externamente, como “A ganância é um pecado” ou “O ódio é mau”, ele categoriza as emoções como positivas ou negativas simplesmente com base em se eles levam a nossa felicidade final.
Retomando nossa conversa na tarde seguinte, perguntei: "Se a felicidade é simplesmente uma questão de cultivar estados mentais mais positivos como bondade e assim por diante, por que tantas pessoas são infelizes?"
"Alcançar a felicidade genuína pode exigir uma transformação em sua visão, sua maneira de pensar, e isso não é uma questão simples", disse ele. “Requer a aplicação de tantos fatores diferentes de diferentes direções. Você não deveria ter a noção, por exemplo, de que há apenas uma chave, um segredo, e se você conseguir acertar, tudo ficará bem. É semelhante a cuidar adequadamente do corpo físico; você precisa de uma variedade de vitaminas e nutrientes, não apenas um ou dois. Da mesma forma, para alcançar a felicidade, você precisa de uma variedade de abordagens e métodos para lidar e superar os estados mentais negativos variados e complexos. E se você está procurando superar certas maneiras negativas de pensar, não é possível conseguir isso simplesmente adotando um pensamento particular ou praticando uma técnica uma ou duas vezes. Mudança leva tempo. Até mesmo a mudança física leva tempo. Por exemplo, se você está mudando de um clima para outro, o corpo precisa de tempo para se adaptar ao novo ambiente. E da mesma forma, transformar sua mente leva tempo. Há muitos traços mentais negativos, então você precisa abordar e neutralizar cada um deles. Isso não é fácil. Requer a aplicação repetida de várias técnicas e o tempo para se familiarizar com as práticas. É um processo de aprendizado.
“Mas acho que, com o passar do tempo, você pode fazer mudanças positivas. Todos os dias, logo que você se levanta, você pode desenvolver uma motivação positiva sincera, pensando: "Vou utilizar este dia de uma forma mais positiva. Eu não devo perder este dia. 'E então, à noite antes de dormir, verifique o que você fez, perguntando a si mesmo:' Eu usei esse dia como planejei? 'Se isso aconteceu, então você deve se alegrar. Se deu errado, então lamente o que você fez e critique o dia. Então, através de métodos como esse, você pode gradualmente fortalecer os aspectos positivos da mente.
“Agora, por exemplo, no meu caso, como monge budista, acredito no budismo e, através de minha própria experiência, sei que essas práticas budistas são muito úteis para mim. Contudo, devido à habituação, através de muitas vidas anteriores, certas coisas podem surgir, como raiva ou apego. Então, o que eu faço agora é: primeiro aprender sobre o valor positivo das práticas, depois construir determinação e, em seguida, tentar implementá-las. No começo, a implementação das práticas positivas é muito pequena, então as influências negativas ainda são muito poderosas. No entanto, eventualmente, à medida que você gradualmente constrói as práticas positivas, os comportamentos negativos são automaticamente diminuídos. Então, na verdade, a prática do Dharma é uma batalha constante, substituindo o condicionamento negativo anterior ou a habituação com um novo condicionamento positivo ”.
Continuando, ele disse: “Não importa qual atividade ou prática estamos buscando, não há nada que não seja facilitado por meio de constante familiaridade e treinamento. Através do treinamento, podemos mudar; podemos nos transformar. Dentro da prática budista existem vários métodos de tentar manter uma mente calma quando algum evento perturbador acontece. Através da prática repetida desses métodos, podemos chegar ao ponto em que alguma perturbação pode ocorrer, mas os efeitos negativos em nossa mente permanecem na superfície, como as ondas que podem ondular na superfície de um oceano, mas não têm muito efeito no fundo. . E, embora minha própria experiência possa ser muito pequena, descobri que isso é verdade em minha pequena prática. Então, se eu receber algumas notícias trágicas, nesse momento eu posso sentir algum distúrbio em minha mente, mas isso acontece muito rapidamente. Ou posso ficar irritado e desenvolver raiva, mas, novamente, se dissipa rapidamente. Não há efeito na mente mais profunda. Sem ódio. Isto foi conseguido através da prática gradual; isso não aconteceu da noite para o dia.
Certamente não. O Dalai Lama está empenhado em treinar sua mente desde os quatro anos de idade.
O treinamento sistemático da mente - o cultivo da felicidade, a genuína transformação interior, selecionando e focando deliberadamente estados mentais positivos e desafiando estados mentais negativos - é possível por causa da própria estrutura e função do cérebro. Nascemos com cérebros geneticamente conectados com certos padrões de comportamento instintivo; Estamos predispostos mentalmente, emocionalmente e fisicamente para responder ao nosso ambiente de maneiras que nos permitem sobreviver. Esses conjuntos básicos de instruções são codificados em inúmeros padrões de ativação de células nervosas inatas, combinações específicas de células cerebrais que disparam em resposta a qualquer evento, experiência ou pensamento. Mas a fiação em nossos cérebros não é estática, nem irrevogavelmente fixa. Nossos cérebros também são adaptáveis. Os neurocientistas documentaram o fato de que o cérebro pode projetar novos padrões, novas combinações de células nervosas e neurotransmissores (substâncias químicas que transmitem mensagens entre as células nervosas) em resposta a novos dados. De fato, nossos cérebros são maleáveis, sempre mudando, reconfigurando sua fiação de acordo com novos pensamentos e experiências. E como resultado do aprendizado, a função dos próprios neurônios individuais muda, permitindo que os sinais elétricos percorram com mais facilidade os sinais. Os cientistas chamam a capacidade inerente do cérebro de mudar a "plasticidade".
Essa capacidade de mudar a fiação do cérebro, para desenvolver novas conexões neurais, foi demonstrada em experimentos como o conduzido pelos Doutores Avi Karni e Leslie Underleider, do National Institutes of Mental Health. Nesse experimento, os pesquisadores fizeram com que os indivíduos executassem uma tarefa motora simples, um exercício de digitação, e identificassem as partes do cérebro envolvidas na tarefa, fazendo uma ressonância magnética do cérebro. Os sujeitos praticavam o exercício dos dedos diariamente durante quatro semanas, tornando-se gradualmente mais eficientes e mais rápidos. No final do período de quatro semanas, o exame cerebral foi repetido e mostrou que a área do cérebro envolvida na tarefa havia se expandido; isso indicava que a prática regular e a repetição da tarefa haviam recrutado novas células nervosas e modificado as conexões neurais que haviam sido originalmente envolvidas na tarefa.
Essa característica notável do cérebro parece ser a base fisiológica da possibilidade de transformar nossas mentes. Ao mobilizar nossos pensamentos e praticar novas formas de pensar, podemos remodelar nossas células nervosas e mudar a maneira como nosso cérebro funciona. É também a base para a ideia de que a transformação interior começa com a aprendizagem (nova entrada) e envolve a disciplina de substituir gradualmente o nosso “condicionamento negativo” (correspondente aos padrões de ativação das nossas células nervosas) a um “condicionamento positivo” circuitos). Assim, a ideia de treinar a mente para a felicidade torna-se uma possibilidade muito real.
DISCIPLINA ÉTICA
Em uma discussão posterior relacionada ao treinamento da mente para a felicidade, o Dalai Lama destacou: “Eu acho que o comportamento ético é outra característica do tipo de disciplina interna que leva a uma existência mais feliz. Alguém poderia chamar isso de disciplina ética. Grandes mestres espirituais, como o Buda, nos aconselham a realizar ações saudáveis e a evitar ações prejudiciais. Se nossa ação é saudável ou prejudicial depende se essa ação ou ação surge de um estado mental disciplinado ou indisciplinado. Considera-se que uma mente disciplinada leva à felicidade e uma mente indisciplinada leva ao sofrimento e, de fato, diz-se que trazer a disciplina dentro da mente é a essência do ensinamento do Buda.
“Quando falo de disciplina, estou me referindo à autodisciplina, não à disciplina que é externamente imposta a você por outra pessoa. Além disso, estou me referindo à disciplina aplicada para superar suas qualidades negativas. Uma gangue criminosa pode precisar de disciplina para realizar um roubo bem-sucedido, mas essa disciplina é inútil ”.
O Dalai Lama parou de falar por um momento e pareceu refletir, reunindo seus pensamentos. Ou talvez ele estivesse simplesmente procurando uma palavra em inglês. Eu não sei. Mas pensando na nossa conversa enquanto ele fazia uma pausa naquela tarde, algo sobre toda essa conversa sobre a importância do aprendizado e da disciplina começou a parecer um tanto entediante quando contrastado com os altivos objetivos da verdadeira felicidade, crescimento espiritual e completa transformação interna. Parecia que a busca pela felicidade deveria de algum modo ser um processo mais espontâneo.
Levantando essa questão, eu interrompo: “Você descreve as emoções e comportamentos negativos como 'prejudiciais' e os comportamentos positivos como 'saudáveis'. Além disso, você disse que uma mente destreinada ou indisciplinada geralmente resulta em comportamentos negativos ou prejudiciais, então temos que aprender e nos treinar para aumentar nossos comportamentos positivos. Por enquanto, tudo bem.
“Mas o que me incomoda é que sua própria definição de comportamentos negativos ou prejudiciais são aqueles comportamentos que levam ao sofrimento. E você define um comportamento saudável como aquele que leva à felicidade. Você também começa com a premissa básica de que todos os seres querem naturalmente evitar o sofrimento e obter a felicidade - esse desejo é inato; não precisa ser aprendido. A questão então é: se é natural querermos evitar o sofrimento, por que não somos mais e mais repelidos espontaneamente e naturalmente pelos comportamentos negativos ou prejudiciais à medida que envelhecemos? E se é natural querer ganhar a felicidade, por que nós não somos mais e mais espontaneamente e naturalmente atraídos por comportamentos saudáveis e assim nos tornamos mais felizes à medida que nossa vida progride? Quero dizer, se esses comportamentos saudáveis naturalmente levam à felicidade e queremos felicidade, isso não deveria ocorrer como um processo natural? Por que precisamos de tanta educação, treinamento e disciplina para que esse processo ocorra? ”
Sacudindo a cabeça, o Dalai Lama respondeu: “Mesmo em termos convencionais, em nossa vida cotidiana, consideramos a educação como um fator muito importante para garantir uma vida bem-sucedida e feliz. E o conhecimento não vem naturalmente. Nós temos que treinar; temos que passar por um tipo de programa de treinamento sistemático e assim por diante. E consideramos que essa educação e treinamento convencional é bastante difícil; caso contrário, por que os estudantes esperariam tanto pelas férias? Ainda assim, sabemos que esse tipo de educação é vital para garantir uma vida feliz e bem-sucedida.
“Da mesma forma, fazer ações saudáveis pode não ser natural, mas temos que conscientemente treinar para isso. Isto é assim, particularmente na sociedade moderna, porque há uma tendência a aceitar que a questão dos atos benéficos e atos prejudiciais - o que fazer e o que não deve ser feito - é algo considerado como estando dentro da esfera da religião. Tradicionalmente, tem sido considerado responsabilidade da religião prescrever quais comportamentos são saudáveis e quais não são. No entanto, na sociedade de hoje, a religião perdeu seu prestígio e influência em algum grau. E, ao mesmo tempo, nenhuma alternativa, como uma ética secular, surgiu para substituí-la. Portanto, parece haver menos atenção à necessidade de levar um modo de vida saudável. É por isso que acho que precisamos fazer algum esforço especial e conscientemente trabalhar para obter esse tipo de conhecimento. Por exemplo, embora eu pessoalmente acredite que nossa natureza humana é fundamentalmente gentil e compassiva, sinto que não é suficiente que esta seja nossa natureza subjacente; devemos também desenvolver uma apreciação e consciência desse fato. E mudar a maneira como nos percebemos, por meio do aprendizado e da compreensão, pode ter um impacto muito real na interação com os outros e em como conduzimos nossas vidas diárias ”.
Jogando o advogado do diabo, eu rebatei: “Ainda assim, você usa a analogia da educação acadêmica convencional e do treinamento. Isso é uma coisa. Mas se você está falando sobre certos comportamentos que você chama de 'saudável' ou positivo, levando à felicidade e outros comportamentos que levam ao sofrimento, por que é preciso tanto aprendizado para identificar quais comportamentos são quais e tantos treinamentos para implementar os comportamentos positivos? e eliminar o negativo? Quer dizer, se você colocar a mão no fogo, você se queimará. Você puxa a mão para trás e aprendeu que esse comportamento leva ao sofrimento. Você não precisa de aprendizado ou treinamento extensivo para aprender a não tocar no fogo novamente.
“Então, por que nem todos os comportamentos ou emoções levam ao sofrimento assim? Por exemplo, você afirma que a raiva e o ódio são claramente emoções negativas e, por fim, levam ao sofrimento. Mas por que alguém precisa ser educado sobre os efeitos nocivos da raiva e do ódio para eliminá-los? Uma vez que a raiva provoca imediatamente um estado emocional desconfortável em si mesmo, e é certamente fácil sentir esse desconforto diretamente, por que alguém não evita isso natural e espontaneamente no futuro? ”
Enquanto o Dalai Lama ouvia atentamente meus argumentos, seus olhos inteligentes se arregalaram um pouco, como se ele estivesse ligeiramente surpreso, ou até divertido, com a ingenuidade de minhas perguntas. Então, com uma risada dura, cheia de boa vontade, ele disse:
“Quando você fala de conhecimento que leva à liberdade ou resolução de um problema, você tem que entender que existem muitos níveis diferentes. Por exemplo, digamos que os seres humanos na Idade da Pedra não sabiam cozinhar carne, mas eles ainda tinham a necessidade biológica de comer, então eles apenas comiam como um animal selvagem. À medida que os seres humanos progrediam, eles aprendiam a cozinhar e, em seguida, a colocar temperos diferentes para tornar a comida mais saborosa e, depois, criavam pratos mais diversificados. E até a nossa idade atual, se estamos sofrendo de uma doença em particular e através de nosso conhecimento, aprendemos que um certo tipo de alimento não é bom para nós, mesmo que tenhamos o desejo de comê-lo, nos refreamos de comer isto. Portanto, é claro que quanto mais sofisticado é o nível de nosso conhecimento, mais eficazes seremos ao lidar com o mundo natural.
“Você também precisa ter a capacidade de julgar as consequências de longo prazo e de curto prazo de seus comportamentos e pesar os dois. Por exemplo, ao superar a raiva, embora os animais possam sentir raiva, eles não podem entender que a raiva é destrutiva. No caso dos seres humanos, no entanto, há um nível diferente, em que você tem um tipo de autoconsciência que lhe permite refletir e observar que quando a raiva surge, isso o machuca. Portanto, você pode julgar que a raiva é destrutiva. Você precisa ser capaz de fazer essa inferência. Por isso, não é tão simples como colocar a mão no fogo e depois ser queimado e aprender no futuro a nunca mais fazê-lo. Quanto mais sofisticado for seu nível de educação e conhecimento sobre o que leva à felicidade e o que causa sofrimento, mais eficaz você será em alcançar a felicidade. Então, é por isso que acho que educação e conhecimento são cruciais ”.
Sentindo, suponho, minha contínua resistência à ideia de educação simples como um meio de transformação interna, ele observou: “Um problema com nossa sociedade atual é que temos uma atitude em relação à educação como se ela estivesse lá simplesmente para torná-lo mais inteligente. , faça você mais engenhoso. Às vezes parece até que aqueles que não são altamente educados, aqueles que são menos sofisticados em termos de treinamento educacional, são mais inocentes e mais honestos. Mesmo que nossa sociedade não enfatize isso, o uso mais importante do conhecimento e da educação é nos ajudar a entender a importância de se engajar em ações mais saudáveis e trazer a disciplina em nossas mentes. A utilização adequada de nossa inteligência e conhecimento é efetuar mudanças de dentro para desenvolver um bom coração. ”
RECORRENDO AO NOSSO ESTADO INATIVO DE FELICIDADE
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NOSSA NATUREZA FUNDAMENTAL
Agora somos feitos para buscar a felicidade. E é claro que sentir-se Néis de amor, carinho, proximidade e compaixão trazem felicidade. Acredito que cada um de nós tem a base para ser feliz, para acessar os estados de espírito calorosos e compassivos que trazem felicidade ”, afirmou o Dalai Lama. "De fato, é uma das minhas crenças fundamentais que não apenas possuímos inerentemente o potencial de compaixão, mas eu acredito que a natureza básica ou subjacente dos seres humanos é a gentileza."
"Em que você baseia essa crença?"
“A doutrina budista da 'natureza búdica' fornece alguns fundamentos para a crença de que a natureza fundamental de todos os seres sencientes é essencialmente gentil e não agressiva.2 Mas pode-se adotar essa visão sem recorrer à doutrina budista da 'Budha Natureza. Há também outros motivos em que baseio essa crença. Eu acho que o assunto da afeição humana ou compaixão não é apenas uma questão religiosa; é um fator indispensável no dia a dia da pessoa.
“Então, primeiro, se olharmos para o próprio padrão de nossa existência desde a mais tenra idade até a nossa morte, podemos ver a maneira pela qual somos fundamentalmente nutridos pelo afeto de outros. Começa no nascimento. Nosso primeiro ato após o nascimento é sugar o leite de nossa mãe ou de outra pessoa. Isso é um ato de afeto, de compaixão. Sem esse ato, não podemos sobreviver. Isso está claro. E essa ação não pode ser cumprida a menos que haja um sentimento mútuo de afeição. Do lado da criança, se não houver sentimento de afeto, nenhum vínculo com a pessoa que está dando o leite, a criança pode não sugar o leite. E sem afeição por parte da mãe ou de outra pessoa, o leite pode não vir livremente. Então esse é o caminho da vida. Isso é realidade.
“Então, nossa estrutura física parece ser mais adequada para sentimentos de amor e compaixão. Podemos ver como um estado mental calmo, afetivo e saudável tem efeitos benéficos em nossa saúde e bem-estar físico. Por outro lado, sentimentos de frustração, medo, agitação e raiva podem ser destrutivos para nossa saúde.
“Também podemos ver que nossa saúde emocional é reforçada por sentimentos de afeto. Para entender isso, precisamos apenas refletir sobre como nos sentimos quando os outros nos mostram calor e afeição. Ou observe como nossos sentimentos ou atitudes afetuosas nos afetam automática e naturalmente a partir de dentro, como nos fazem sentir. Essas emoções mais suaves e os comportamentos positivos que os acompanham levam a uma vida familiar e comunitária mais feliz.
“Então, acho que podemos inferir que nossa natureza humana fundamental é de gentileza. E se este é o caso, então faz mais sentido tentar viver um modo de vida mais de acordo com essa natureza gentil e básica do nosso ser ”.
"Se a nossa natureza essencial é gentil e compassiva", perguntei, "estou apenas imaginando como você explica todos os conflitos e comportamentos agressivos que estão ao nosso redor".
O Dalai Lama assentiu pensativo por um momento antes de responder: “É claro que não podemos ignorar o fato de que conflitos e tensões existem, não apenas dentro de uma mente individual, mas também dentro da família, quando interagimos com outras pessoas e nível social, nível nacional e nível global. Então, olhando para isso, algumas pessoas concluem que a natureza humana é basicamente agressiva. Eles podem apontar para a história humana, sugerindo que, em comparação com outros mamíferos, o comportamento humano é muito mais agressivo. Ou, eles podem afirmar: 'Sim, compaixão é uma parte da nossa mente. Mas a raiva também faz parte da nossa mente. Eles são igualmente uma parte da nossa natureza; os dois estão mais ou menos no mesmo nível. ”Mesmo assim,” ele disse com firmeza, inclinando-se para a frente em sua cadeira, esforçando-se com vigilância, “ainda é minha firme convicção de que a natureza humana é essencialmente compassiva e gentil. Essa é a característica predominante da natureza humana. A raiva, a violência e a agressão podem certamente surgir, mas acho que está em um nível secundário ou mais superficial; de certo modo, surgem quando estamos frustrados em nossos esforços para alcançar amor e afeição. Eles não fazem parte da nossa natureza básica mais básica.
“Então, embora a agressão possa ocorrer, eu acredito que esses conflitos não são necessariamente por causa da natureza humana, mas sim um resultado do intelecto humano - inteligência humana desequilibrada, mau uso de nossa inteligência, nossa faculdade imaginativa. Agora, olhando para a evolução humana, penso que, comparado a alguns outros animais, "nosso corpo físico pode ter sido muito fraco".
Mas por causa do desenvolvimento da inteligência humana, pudemos usar muitos instrumentos e descobrir muitos métodos para vencer condições ambientais adversas. À medida que a sociedade humana e as condições ambientais se tornaram gradualmente mais complexas, isso exigiu um papel cada vez maior de nossa inteligência e capacidade cognitiva para atender às demandas cada vez maiores desse ambiente complexo. Então, acredito que a nossa natureza subjacente ou fundamental é a gentileza, e a inteligência é um desenvolvimento posterior. E eu acho que se essa habilidade humana, essa inteligência humana, se desenvolver de maneira desequilibrada, sem ser devidamente contrabalançada pela compaixão, ela poderá se tornar destrutiva. Isso pode levar ao desastre.
“Mas, acho importante reconhecer que, se os conflitos humanos são criados pelo uso indevido da inteligência humana, também podemos utilizar nossa inteligência para encontrar formas e meios de superar esses conflitos. Quando a inteligência humana e a bondade ou afeto humano são usadas juntas, todas as ações humanas tornam-se construtivas. Quando combinamos um coração caloroso com conhecimento e educação, podemos aprender a respeitar as opiniões de outros e os direitos de outras pessoas. Isso se torna a base de um espírito de reconciliação que pode ser usado para superar a agressão e resolver nossos conflitos ”.
O Dalai Lama fez uma pausa e olhou para o relógio. “Então,” ele concluiu, “não importa quanta violência ou quantas coisas ruins nós tenhamos que passar, eu acredito que a solução final para nossos conflitos, tanto internos quanto externos, está em retornar à nossa natureza humana básica ou subjacente, que é gentil e compassivo ”.
Olhando novamente para o relógio, ele começou a rir de maneira amigável. "Então ... vamos parar por aqui ... Foi um longo dia!" Ele recolheu seus sapatos, que ele havia escapado durante a nossa conversa e se retirou para o seu quarto.
A PERGUNTA DA NATUREZA HUMANA
Nas últimas décadas, a visão do Dalai Lama sobre a natureza misericordiosa subjacente dos seres humanos parece estar lentamente ganhando terreno no Ocidente, embora tenha sido uma luta. A noção de que o comportamento humano é essencialmente egoísta, que fundamentalmente estamos todos fora de nós mesmos, está profundamente enraizada no pensamento ocidental. A idéia de que não apenas somos inerentemente egoístas, mas também que a agressão e a hostilidade fazem parte da natureza humana básica dominou nossa cultura durante séculos. Naturalmente, historicamente havia muitas pessoas com o ponto de vista oposto. Por exemplo, em meados da década de 1700, David Hume escreveu muito sobre a “benevolência natural” dos seres humanos. E um século depois, até o próprio Charles Darwin atribuiu um “instinto de simpatia” à nossa espécie. Mas, por alguma razão, a visão mais pessimista da humanidade criou raízes em nossa cultura, pelo menos desde o século XVII, sob a influência de filósofos como Thomas Hobbes, que tinha uma visão bastante sombria da espécie humana. Ele via a raça humana como violenta, competitiva, em contínuo conflito e preocupada apenas com o interesse próprio. Hobbes, famoso por desconsiderar qualquer noção de bondade humana básica, já foi pego dando dinheiro a um mendigo na rua. Quando questionado sobre esse impulso generoso, ele afirmou: "Eu não estou fazendo isso para ajudá-lo. Eu estou apenas fazendo isso para aliviar minha própria angústia em ver a pobreza do homem. ”
Da mesma forma, na primeira parte deste século, o filósofo nascido na Espanha George Santayana escreveu que impulsos generosos e cuidadosos, embora existam, são geralmente fracos, fugazes e instáveis na natureza humana, mas “cavam um pouco abaixo da superfície e você encontrará um homem feroz, persistente e profundamente egoísta ”. Infelizmente, a ciência e a psicologia ocidentais adotaram ideias como essa, então sancionaram e até mesmo encorajaram essa visão egoísta. Começando nos primórdios da moderna psicologia científica, havia uma suposição geral subjacente de que toda motivação humana é, em última instância, egoísta, baseada puramente no interesse próprio.
Depois de aceitar implicitamente a premissa do nosso egoísmo essencial, um número de cientistas muito proeminentes nos últimos cem anos acrescentaram a isso uma crença na natureza agressiva essencial dos seres humanos. Freud afirmou que "a inclinação para a agressão é uma disposição original, auto-subsistente e instintiva". Na segunda metade deste século, dois escritores em particular, Robert Ardrey e Konrad Lorenz, observaram padrões de comportamento animal em certas espécies de predadores. e concluiu que os humanos também eram basicamente predadores, com um impulso inato ou instintivo de lutar pelo território.
Nos últimos anos, no entanto, a maré parece estar se voltando para essa visão profundamente pessimista da humanidade, aproximando-se da visão do Dalai Lama de nossa natureza subjacente como gentil e compassiva. Nas últimas duas ou três décadas, houve literalmente centenas de estudos científicos indicando que a agressão não é essencialmente inata e que o comportamento violento é influenciado por uma variedade de fatores biológicos, sociais, situacionais e ambientais. Talvez a declaração mais abrangente sobre as pesquisas mais recentes tenha sido resumida na Declaração de Sevilha de 1986 sobre a Violência, redigida e assinada por vinte dos principais cientistas de todo o mundo. Nessa declaração, é claro que eles reconheceram que o comportamento violento ocorre, mas afirmaram categoricamente que é cientificamente incorreto dizer que temos uma tendência hereditária de fazer guerra ou agir com violência. Esse comportamento não é geneticamente programado para a natureza humana. Eles disseram que, embora tenhamos o aparato neural para agir de forma violenta, ou não é ativado automaticamente. Não há nada em nossa neurofisiologia que nos obrigue a agir com violência. Ao examinar o assunto da natureza humana básica, a maioria dos pesquisadores no campo atualmente sente que fundamentalmente temos o potencial de nos tornar pessoas gentis e carinhosas ou pessoas violentas e agressivas; o impulso que é enfatizado é, em grande parte, uma questão de treinamento.
Pesquisadores contemporâneos refutaram não apenas a idéia da agressão inata da humanidade, mas a ideia de que os seres humanos são naturalmente egoístas e egoístas também foi atacada. Investigadores como C. Daniel Batson ou Nancy Eisenberg, da Universidade Estadual do Arizona, conduziram numerosos estudos nos últimos anos que demonstram que os humanos têm uma tendência ao comportamento altruísta. Alguns cientistas, como a socióloga Linda Wilson, procuram descobrir por que isso acontece. Ela teorizou que o altruísmo pode ser parte de nosso instinto básico de sobrevivência - exatamente o oposto das ideias de pensadores anteriores que teorizaram que a hostilidade e a agressão eram a marca do nosso instinto de sobrevivência. Olhando para mais de uma centena de desastres naturais, o Dr. Wilson encontrou um forte padrão de altruísmo entre as vítimas de desastres, que pareciam fazer parte do processo de recuperação. Ela descobriu que trabalhar juntos para ajudar uns aos outros tendia a afastar problemas psicológicos posteriores que poderiam ter resultado do trauma.
A tendência de se relacionar intimamente com os outros, agindo para o bem-estar dos outros e de si mesmo, pode estar profundamente enraizada na natureza humana, forjada no passado remoto, pois aqueles que se uniram e se tornaram parte de um grupo tiveram uma chance maior de sobrevivência. Essa necessidade de formar laços sociais próximos persiste até os dias atuais. Em estudos, como o conduzido pelo Dr. Larry Scherwitz, examinando os fatores de risco para doença cardíaca coronária, descobriu-se que as pessoas mais autocentocadas (aquelas que se referiam a si mesmas usando os pronomes “eu”, “eu” "E" meu "na maioria das vezes em uma entrevista) eram mais propensos a desenvolver doença cardíaca coronária, mesmo quando outros comportamentos ameaçadores à saúde foram controlados. Os cientistas estão descobrindo que aqueles que não têm laços sociais próximos parecem sofrer de problemas de saúde, níveis mais altos de infelicidade e maior vulnerabilidade ao estresse.
Buscar ajuda aos outros pode ser tão fundamental para nossa natureza quanto a comunicação. Pode-se fazer uma analogia com o desenvolvimento da linguagem que, como a capacidade de compaixão e altruísmo, é uma das características magníficas da raça humana. Áreas particulares do cérebro são especificamente dedicadas ao potencial da linguagem. Se estamos expostos às condições ambientais corretas, isto é, uma sociedade que fala, então essas áreas discretas do cérebro começam a se desenvolver e amadurecer e nossa capacidade de linguagem cresce. Da mesma forma, todos os seres humanos podem ser dotados da “semente da compaixão”. Quando expostos às condições corretas - em casa, na sociedade em geral e, mais tarde, talvez por meio de nossos próprios esforços - essa “semente” florescerá. Com essa ideia em mente, os pesquisadores estão agora procurando descobrir as condições ambientais ideais que permitirão que a semente do cuidado e da compaixão amadureça nas crianças. Eles identificaram vários fatores: ter pais que são capazes de regular suas próprias emoções, que modelam comportamentos de cuidado, que estabelecem limites apropriados ao comportamento das crianças, que comunicam que uma criança é responsável por seu próprio comportamento e que usam raciocínio para ajudar a direcionar a atenção da criança para estados afetivos ou emocionais e as conseqüências de seu comportamento sobre os outros.
A revisão de nossas suposições básicas sobre a natureza subjacente dos seres humanos, do hostil ao útil, pode abrir novas possibilidades. Se começarmos assumindo o modelo de interesse próprio de todo comportamento humano, então uma criança serve como um exemplo perfeito, como “prova” dessa teoria. Ao nascer, os bebês parecem estar programados com apenas uma coisa em mente: a satisfação de suas próprias necessidades - comida, conforto físico e assim por diante. Mas, se suspendermos essa suposição egoísta básica, toda uma nova imagem começará a emergir. Poderíamos facilmente dizer que uma criança nasce programada apenas para uma coisa: a capacidade e o propósito de trazer prazer e alegria aos outros. Por apenas observar um bebê saudável, seria difícil negar a natureza gentil subjacente dos seres humanos. E a partir desse novo ponto de vista, poderíamos demonstrar que a capacidade de trazer prazer para outro, o cuidador, é inata. Por exemplo, em um recém-nascido, o sentido do olfato é desenvolvido para, talvez, apenas 5% de um adulto, e o senso de gosto é desenvolvido muito pouco. Mas o que existe desses sentidos no recém-nascido é voltado para o cheiro e o sabor do leite materno. O ato de nutrir não apenas fornece nutrientes para o bebê; serve também para aliviar a tensão no peito. Assim, poderíamos dizer que o bebê nasce com uma capacidade inata de trazer prazer para a mãe, aliviando a tensão no seio.
Um bebê também é biologicamente programado para reconhecer e responder a rostos, e há poucas pessoas que não conseguem encontrar prazer genuíno em ter um bebê olhando inocentemente em seus olhos e sorrir. Alguns etologistas têm formulado isso em uma teoria, sugerindo que quando uma criança sorri para o cuidador ou olha diretamente nos olhos dele, a criança está seguindo um “b” profundamente enraizado.
modelo biológico ", instintivamente" liberando "comportamentos gentis, ternos e carinhosos do cuidador, que também está obedecendo a um mandato instintivo igualmente convincente. À medida que mais investigadores atacam para descobrir objetivamente a natureza dos seres humanos, a noção da criança como um pequeno pacote de egoísmo, uma máquina de comer e dormir, está cedendo à visão de um ser que vem ao mundo com um mecanismo inato por favor, outros, exigindo apenas as condições ambientais adequadas para permitir que a "semente da compaixão" natural e subjacente germine e cresça.
Quando concluímos que a natureza básica da humanidade é mais compassiva do que agressiva, nossa relação com o mundo ao nosso redor muda imediatamente. Ver os outros como basicamente compassivos em vez de hostis e egoístas nos ajuda a relaxar, confiar, viver à vontade. Isso nos deixa mais felizes.
MEDITAÇÃO NO OBJETO DA VIDA
Quando o Dalai Lama se sentou no deserto do Arizona naquela semana, explorando a natureza humana e examinando a mente humana com o escrutínio de um cientista, uma simples verdade pareceu iluminar toda discussão: o propósito de nossa vida é a felicidade. Essa declaração simples pode ser usada como uma ferramenta poderosa para nos ajudar a navegar pelos problemas diários da vida. A partir dessa perspectiva, nossa tarefa se torna descartar as coisas que levam ao sofrimento e acumular as coisas que levam à felicidade. O método, a prática diária, envolve aumentar gradualmente nossa consciência e compreensão do que realmente leva à felicidade e ao que não é.
Quando a vida se torna muito complicada e nos sentimos sobrecarregados, muitas vezes é útil recuar e nos lembrar de nosso objetivo geral, nossa meta geral. Quando confrontado com um sentimento de estagnação e confusão, pode ser útil tirar uma hora, uma tarde ou mesmo vários dias para simplesmente refletir sobre o que realmente nos trará felicidade e, então, redefinir nossas prioridades com base nisso. . Isso pode colocar a nossa vida de volta ao contexto adequado, permitir uma nova perspectiva e nos permitir ver qual direção seguir.
De tempos em tempos, nos deparamos com decisões cruciais que podem afetar todo o curso de nossas vidas. Podemos decidir, por exemplo, nos casar, ter filhos ou embarcar em um curso para se tornar advogado, artista ou eletricista. A firme decisão de tornar-se feliz - aprender sobre os fatores que levam à felicidade e adotar medidas positivas para construir uma vida mais feliz - pode ser justamente essa decisão. O retorno à felicidade como uma meta válida e a decisão consciente de buscar a felicidade de maneira sistemática podem mudar profundamente o resto de nossas vidas.
O entendimento do Dalai Lama sobre os fatores que levam à felicidade baseia-se em uma vida de observar metodicamente sua própria mente, explorar a natureza da condição humana e investigar essas coisas dentro de um arcabouço estabelecido pelo Buda há mais de vinte e cinco séculos. . E, a partir desse pano de fundo, o Dalai Lama chegou a algumas conclusões definitivas sobre quais atividades e pensamentos valem mais a pena. Ele resumiu suas crenças nas seguintes palavras que podem ser usadas como meditação.
Às vezes, quando encontro velhos amigos, isso me lembra com que rapidez o tempo passa. E isso me faz pensar se usamos nosso tempo corretamente ou não. A utilização adequada do tempo é tão importante. Enquanto nós temos esse corpo, e especialmente esse incrível cérebro humano, eu acho que cada minuto é algo precioso. Nossa existência cotidiana é muito viva com esperança, embora não haja garantia de nosso futuro. Não há garantia de que amanhã, neste momento, estaremos aqui. Mas ainda estamos trabalhando para isso puramente com base na esperança. Então, precisamos fazer o melhor uso do nosso tempo. Acredito que a utilização apropriada do tempo é esta: se você puder servir outras pessoas, outros seres conscientes. Se não, pelo menos, abster-se de prejudicá-los. Eu acho que essa é toda a base da minha filosofia.
“Então, vamos refletir sobre o que realmente tem valor na vida, o que dá sentido às nossas vidas e definimos nossas prioridades com base nisso. O propósito da nossa vida precisa ser positivo. Nós não nascemos com o propósito de causar problemas, prejudicar os outros. Para que nossa vida seja valiosa, acho que devemos desenvolver boas qualidades humanas básicas - calor, gentileza, compaixão. Então nossa vida se torna significativa e mais pacífica - mais feliz ”.
UM NOVO MODELO DE INTIMIDADE
013
SOLIDÃO E CONEXÃO
Entrei na sala de estar da suíte do hotel do Dalai Lama e ele fez sinal para eu me sentar. Enquanto o chá era servido, ele tirou um par de Rockports da cor de caramelo e se acomodou confortavelmente em uma cadeira enorme.
"Então?" Ele perguntou em um tom casual, mas com uma inflexão que dizia que ele estava pronto para qualquer coisa. Ele sorriu, mas permaneceu em silêncio. Esperando.
Momentos antes, enquanto estava sentado no saguão do hotel esperando a nossa sessão começar, eu havia pegado distraidamente uma cópia de um jornal alternativo local que havia sido virado para a seção “Pessoais”. Eu tinha examinado rapidamente os anúncios densamente lotados, página após página de pessoas procurando, esperando desesperadamente se conectar com outro ser humano. Ainda pensando nesses anúncios quando me sentei para começar meu encontro com o Dalai Lama, de repente decidi deixar de lado minha lista de perguntas preparadas e perguntei: “Você já se sente solitário?”
"Não", ele disse simplesmente. Eu não estava preparado para essa resposta. Presumi que sua resposta seria do tipo: "Claro ... de vez em quando todos sentem alguma solidão ..." Então eu estava pensando em perguntar como ele lida com a solidão. Eu nunca esperei confrontar alguém que nunca se sentiu sozinho.
"Não?" Eu perguntei de novo, incrédula.
"Não."
"A que você atribui isso?"
Ele pensou por um momento. “Eu acho que um fator é que eu olho para qualquer ser humano de um ângulo mais positivo; Eu tento procurar por seus aspectos positivos. Essa atitude cria imediatamente um sentimento de afinidade, um tipo de conexão.
“E isso pode ser em parte porque, da minha parte, há menos apreensão, menos medo, de que se eu agir de uma determinada maneira, talvez a pessoa perca o respeito ou pense que sou estranha. Então, como esse tipo de medo e apreensão normalmente está ausente, existe uma espécie de abertura. Eu acho que é o principal fator.
Lutando para compreender o escopo e a dificuldade de adotar tal atitude, perguntei: “Mas como você sugeriria que uma pessoa alcançasse a capacidade de se sentir confortável com as pessoas, sem medo ou apreensão de não ser apreciado ou julgado por outras pessoas? Existem métodos específicos que uma pessoa comum poderia usar para desenvolver essa atitude? ”
"Minha crença básica é que você primeiro precisa perceber a utilidade da compaixão", disse ele com um tom de convicção. “Esse é o fator chave. Uma vez que você aceita o fato de que a compaixão não é algo infantil ou sentimental, quando você percebe que a compaixão é algo realmente valioso, percebe que é um valor mais profundo, então você imediatamente desenvolve uma atração por ela, uma disposição para cultivá-la.
“E uma vez que você estimula o pensamento de compaixão em sua mente, uma vez que esse pensamento se torne ativo, sua atitude em relação aos outros muda automaticamente. Se você abordar os outros com o pensamento de compaixão, isso reduzirá automaticamente o medo e permitirá uma abertura com outras pessoas. Cria uma atmosfera positiva e amigável. Com essa atitude, você pode abordar um relacionamento em que você, inicialmente, cria a possibilidade de receber afeição ou uma resposta positiva da outra pessoa. E com essa atitude, mesmo que a outra pessoa seja hostil ou não responda a você de maneira positiva, então pelo menos você abordou a pessoa com uma sensação de abertura que lhe dá uma certa flexibilidade e a liberdade de mudar sua abordagem conforme necessário. Esse tipo de abertura, pelo menos, permite a possibilidade de ter uma conversa significativa com eles. Mas sem a atitude de compaixão, se você está se sentindo fechado, irritado ou indiferente, então você pode até mesmo ser abordado por seu melhor amigo e se sentir desconfortável.
“Acredito que, em muitos casos, as pessoas tendem a esperar que a outra pessoa as responda de maneira positiva primeiro, em vez de tomar a iniciativa de criar essa possibilidade. Eu sinto que isso é errado; leva a problemas e pode atuar como uma barreira que apenas serve para promover um sentimento de isolamento dos outros. Então, se você deseja superar esse sentimento de isolamento e solidão, acho que sua atitude subjacente faz uma tremenda diferença. E aproximar os outros com o pensamento de compaixão em sua mente é a melhor maneira de fazer isso. ”
Minha surpresa sobre a afirmação do Dalai Lama de que ele nunca esteve solitário era diretamente proporcional à minha crença na penetração da solidão em nossa sociedade. Essa crença não nasceu meramente de um sentimento impressionista da minha própria solidão ou do fio da solidão que parecia ser um tema subjacente em toda a estrutura da minha prática psiquiátrica. Nos últimos vinte anos, os psicólogos começaram a estudar a solidão de maneira científica, realizando um bom número de pesquisas e estudos sobre o assunto. Uma das descobertas mais impressionantes desses estudos é que praticamente todas as pessoas relatam que sentem solidão, seja atualmente ou no passado. Em uma grande pesquisa, um quarto dos adultos americanos relataram que se sentiram extremamente solitários pelo menos uma vez as duas semanas anteriores. Embora muitas vezes pensemos na solidão crônica como uma afecção especialmente difundida entre os idosos, isolada em apartamentos vazios ou nas enfermarias de casas de repouso, a pesquisa sugere que adolescentes e jovens adultos têm a mesma probabilidade de relatar que estão sós quanto idosos.
Por causa da ocorrência generalizada de solidão, os investigadores começaram a examinar as variáveis complexas que podem contribuir para a solidão. Por exemplo, eles descobriram que os indivíduos solitários frequentemente têm problemas com a auto-revelação, têm dificuldade de se comunicar com os outros, são maus ouvintes e carecem de certas habilidades sociais, como pegar pistas de conversação (saber quando acenar, responder apropriadamente ou Permaneça em silencio). Esta pesquisa sugere que uma estratégia para superar a solidão seria trabalhar para melhorar essas habilidades sociais. A estratégia do Dalai Lama, por sua vez, parecia ignorar o trabalho em habilidades sociais ou comportamentos externos, em favor de uma abordagem que cortasse diretamente o coração - percebendo o valor da compaixão e depois cultivando-a.
Apesar da minha surpresa inicial, enquanto o ouvia falar com tanta convicção, passei a acreditar firmemente que ele nunca estava solitário. E havia evidências para apoiar sua afirmação. Com bastante frequência, eu testemunhara sua primeira interação com um estranho, que era invariavelmente positivo. Começou a ficar claro que essas interações positivas não eram acidentais ou simplesmente o resultado de uma personalidade naturalmente amigável. Senti que ele passara muito tempo pensando sobre a importância da compaixão, cultivando-a cuidadosamente e usando-a para enriquecer e suavizar o terreno de sua experiência cotidiana, tornando esse solo fértil e receptivo a interações positivas com os outros - um método que pode, de fato, ser usado por qualquer um que sofra de solidão.
DEPENDÊNCIA EM OUTROS VERSUS AUTO-CONFIANÇA
“Dentro de todos os seres há a semente da perfeição. No entanto, a compaixão é necessária para ativar essa semente que é inerente aos nossos corações e mentes ... ”Com isso, o Dalai Lama introduziu o tema da compaixão a uma reunião silenciosa. Dirigindo-se a uma audiência de mil e quinhentas pessoas, contando entre elas uma boa proporção de dedicados estudantes de budismo, ele começou então a discutir a doutrina budista do Campo de Mérito.
No sentido budista, o Mérito é descrito como impressões positivas em sua mente, ou “continuum mental”, que ocorrem como resultado de ações positivas. O Dalai Lama explicou que um Campo de Mérito é uma fonte ou fundação da qual uma pessoa pode acumular Mérito. De acordo com a teoria budista, as reservas de mérito de uma pessoa determinam condições favoráveis para os futuros renascimentos. Ele explicou que a doutrina budista especifica dois campos de mérito: o campo dos Budas e o campo de outros seres sencientes. Um método de acumular mérito envolve gerar respeito, fé e confiança nos Budas, os seres iluminados. O outro método envolve praticar ações como gentileza, generosidade, tolerância e assim por diante, e restrição consciente de ações negativas como matar, roubar e mentir. Esse segundo método de aquisição do Mérito requer interação com outras pessoas, ao invés de interação com os Budas. Com base nisso, o Dalai Lama destacou que outras pessoas podem ser de grande ajuda para acumular Mérito.
A descrição do Dalai Lama de outras pessoas como um Campo de Mérito tinha uma bela qualidade lírica que parecia se prestar a uma riqueza de imagens. Seu raciocínio lúcido e a convicção por trás de suas palavras combinaram-se para dar poder e impacto especiais à sua palestra naquela tarde. Quando olhei ao redor da sala, pude ver que muitos membros da platéia estavam visivelmente comovidos. Eu mesmo estava menos fascinado. Como resultado de nossas conversas anteriores, eu estava nos estágios rudimentares de apreciar a profunda importância da compaixão, mas ainda era fortemente influenciado por anos de condicionamento racional e científico que me fez considerar qualquer conversa de bondade e compaixão como sendo um pouco demais. sentimental para o meu gosto. Enquanto ele falava, minha mente começou a vagar. Comecei a procurar furtivamente pela sala, procurando por rostos famosos, interessantes ou familiares. Tendo comido uma grande refeição pouco antes da palestra, comecei a ficar com sono. Eu entrei e saí. Em um ponto da conversa, minha mente sintonizou para ouvi-lo dizer “... outro dia eu falei sobre os fatores necessários para desfrutar de uma vida feliz e alegre. Fatores como boa saúde, bens materiais, amigos e assim por diante. Se você investigar de perto, descobrirá que tudo isso depende de outras pessoas. Para manter uma boa saúde, você depende de medicamentos feitos por outras pessoas e de cuidados de saúde prestados por outras pessoas. Se você examinar todas as instalações materiais que você usa para aproveitar a vida, descobrirá que quase não há nenhum desses objetos materiais que não tenham conexão com outras pessoas. Se você pensar com cuidado, verá que todos esses produtos surgem como resultado dos esforços de muitas pessoas, direta ou indiretamente. Muitas pessoas estão envolvidas em tornar essas coisas possíveis. Escusado será dizer que, quando falamos de bons amigos e companheiros como sendo outro fator necessário para uma vida feliz, estamos falando de interação com outros seres sencientes, outros seres humanos.
“Assim, você pode ver que todos esses fatores estão inextricavelmente ligados aos esforços e cooperação de outras pessoas. Outros são indispensáveis. Assim, apesar do fato de o processo de se relacionar com os outros poder envolver dificuldades, brigas e xingamentos, temos que tentar manter uma atitude de amizade e cordialidade a fim de levar um modo de vida em que haja interação suficiente com outras pessoas. para desfrutar de uma vida feliz.
Enquanto ele falava, senti uma resistência instintiva. Embora eu sempre tenha valorizado e apreciado meus amigos e familiares, considero-me uma pessoa independente. Autoconfiante. Orgulhei-me desta qualidade de fato. Secretamente, tenho a tendência de considerar as pessoas excessivamente dependentes um tipo de desprezo - um sinal de fraqueza.
Ainda naquela tarde, enquanto ouvia o Dalai Lama, algo aconteceu. Como “Our Dependence on Others” não era o meu tema favorito, minha mente começou a vagar de novo, e eu me vi distraidamente removendo um fio solto da manga da minha camisa. Sintonizando por um momento, eu escutei como ele mencionou as muitas pessoas que estão envolvidas em fazer todas as nossas posses materiais. Quando ele disse isso, comecei a pensar em quantas pessoas estavam envolvidas em fazer minha camisa. Comecei imaginando o fazendeiro que cultivava o algodão. Em seguida, o vendedor que vendeu o agricultor o trator para arar o campo. Então, para esse assunto, as centenas ou mesmo milhares de pessoas envolvidas na fabricação desse trator, incluindo as pessoas que extraíram o minério para fazer o metal para cada parte do trator. E todos os designers o f do trator. Então, é claro, as pessoas que processavam o algodão, as pessoas que teciam o tecido e as pessoas que cortavam, tingiam e costuravam aquele tecido. Os trabalhadores da carga e caminhoneiros que entregaram a camisa para a loja e o vendedor que me vendeu a camisa. Ocorreu-me que praticamente todos os aspectos da minha vida surgiram como os resultados dos esforços dos outros. Minha preciosa autoconfiança era uma completa ilusão, uma fantasia. Quando essa compreensão me ocorreu, fui tomado por um profundo senso de interconexão e interdependência de todos os seres. Eu senti um amolecimento. Alguma coisa. Eu não sei. Isso me fez querer chorar.
INTIMIDADE
Nossa necessidade por outras pessoas é paradoxal. Ao mesmo tempo em que nossa cultura é envolvida na celebração de uma independência feroz, também ansiamos por intimidade e conexão com um ente querido especial. Concentramos toda a nossa energia em encontrar a única pessoa que esperamos que cure a nossa solidão, mas que mantenha a nossa ilusão de que ainda somos independentes. Embora essa conexão seja difícil de conseguir com uma única pessoa, eu descobriria que o Dalai Lama é capaz e recomenda manter a proximidade com o maior número de pessoas possível. Na verdade, seu objetivo é se conectar com todos.
Encontro com ele em sua suíte de hotel no Arizona no final de uma tarde, comecei: “Em sua palestra pública ontem à tarde, você falou da importância dos outros, descrevendo-os como um Campo de Mérito. Mas ao examinar nosso relacionamento com os outros, existem muitas maneiras diferentes de nos relacionarmos uns com os outros, diferentes tipos de relacionamentos ... ”
"Isso é verdade", disse o Dalai Lama.
"Por exemplo, há um certo tipo de relacionamento que é altamente valorizado no Ocidente", observei. “Esse é um relacionamento caracterizado por um nível profundo de intimidade entre duas pessoas, com uma pessoa especial com a qual você pode compartilhar seus sentimentos mais profundos, medos e assim por diante. As pessoas sentem que, a menos que tenham um relacionamento desse tipo, há algo faltando em suas vidas ... Na verdade, a psicoterapia ocidental geralmente procura ajudar as pessoas a aprender como desenvolver esse tipo de relacionamento íntimo ... ”
"Sim, acredito que esse tipo de intimidade pode ser visto como algo positivo", concordou o Dalai Lama. "Eu acho que se alguém é privado desse tipo de intimidade, então pode levar a problemas ..."
"Eu só estou me perguntando então ...", eu continuei, "quando você estava crescendo no Tibete, você não era considerado apenas como um rei, mas você também era considerado uma divindade. Presumo que as pessoas ficaram admiradas com você, talvez até um pouco nervosas ou com medo de estar em sua presença. Isso não criava uma certa distância emocional dos outros, um sentimento de isolamento? Além disso, ser separado de sua família, ser criado como um monge desde cedo e como um monge que nunca se casou e assim por diante - tudo isso não contribuiu para um sentimento de separação dos outros? Você já sentiu que perdeu o desenvolvimento de um nível mais profundo de intimidade pessoal com os outros ou com uma pessoa especial, como um cônjuge? ”
Sem hesitar, ele respondeu: “Não. Eu nunca senti falta de intimidade. É claro que meu pai faleceu muitos anos atrás, mas eu me sentia muito perto de minha mãe, meus professores, meus professores e outros. E com muitas dessas pessoas eu poderia compartilhar meus sentimentos, medos e preocupações mais profundos. Quando eu estava no Tibete, em ocasiões do estado e em eventos públicos, havia certa formalidade, um certo protocolo foi observado, mas nem sempre foi esse o caso. Em outros momentos, por exemplo, eu costumava passar um tempo na cozinha e me tornei bastante próximo de alguns funcionários da cozinha e podíamos brincar, fofocar ou compartilhar coisas, e seria bem relaxado, sem aquele senso de formalidade ou distância.
“Então, quando eu estava no Tibete ou desde que me tornei refugiado, nunca senti falta de pessoas com as quais eu pudesse compartilhar as coisas. Eu acho que muito disso tem a ver com a minha natureza. É fácil compartilhar coisas com os outros; Eu não sou bom em guardar segredos! ”Ele riu. “É claro que às vezes isso pode ser um traço negativo. Por exemplo, pode haver alguma discussão no Kashag3 sobre assuntos confidenciais e, em seguida, discutirei imediatamente essas informações com outras pessoas. Mas em um nível pessoal, ser aberto e compartilhar as coisas pode ser muito útil. Por causa dessa natureza, posso fazer amigos com mais facilidade, e não é apenas uma questão de conhecer pessoas e ter uma troca superficial, mas de realmente compartilhar meus problemas mais profundos e sofrimento. E é a mesma coisa quando ouço boas notícias; Eu imediatamente compartilho com os outros. Então, sinto uma sensação de intimidade e conexão com meus amigos. É claro que às vezes é mais fácil estabelecer uma conexão com os outros porque eles estão sempre muito felizes em compartilhar seu sofrimento ou alegria com o 'Dalai Lama', 'Sua Santidade o Dalai Lama'. ”Ele riu de novo, diminuindo sua título. “De qualquer forma, sinto essa sensação de conexão, de compartilhamento, com muitas pessoas. Por exemplo, no passado, se eu me sentisse decepcionado ou insatisfeito com a política do governo tibetano ou se eu estivesse preocupado com outros problemas, até com a ameaça de invasão chinesa, voltaria aos meus quartos e compartilharia isso com a pessoa que varre a pista. De um ponto de vista, pode parecer bastante tolo para alguns que o Dalai Lama, o chefe do governo tibetano, enfrentasse alguns problemas internacionais ou nacionais, os compartilhasse com um varredor. ”Ele riu mais uma vez. "Mas pessoalmente eu sinto que é muito útil, porque então a outra pessoa participa e nós podemos enfrentar o problema ou o sofrimento juntos."
EXPANDINDO NOSSA DEFINIÇÃO DE INTIMIDADE
Praticamente todos os pesquisadores no campo das relações humanas concordam que a intimidade é central para a nossa existência. O influente psicanalista britânico John Bowlby escreveu que “os apegos íntimos a outros seres humanos são o centro em torno do qual a vida de uma pessoa gira… A partir desses apegos íntimos a pessoa extrai sua força e desfrute da vida e, através do que ela contribui, dá força e prazer para os outros. Esses são assuntos sobre os quais a ciência atual e a sabedoria tradicional são uma só ”.
É claro que a intimidade promove o bem-estar físico e psicológico. Ao analisar os benefícios para a saúde dos relacionamentos íntimos, pesquisadores médicos descobriram que as pessoas que têm amizades íntimas, pessoas a quem podem recorrer para afirmação, empatia e afeição têm maior probabilidade de sobreviver a problemas de saúde como ataques cardíacos e grandes cirurgias. são menos propensos a desenvolver doenças como câncer e infecções respiratórias. Por exemplo, um estudo de mais de mil pacientes cardíacos no Duke University Medical Center descobriu que aqueles que não tinham um cônjuge ou um confidente próximo tinham três vezes mais chances de morrer dentro de cinco anos do diagnóstico de doença cardíaca do que aqueles que eram casados ou tinham amigo próximo. Outro estudo de milhares de residentes no condado de Alameda, Califórnia, durante um período de nove anos mostrou que aqueles com mais apoio social e relações íntimas tiveram taxas de mortalidade mais baixas e taxas mais baixas de câncer. E um estudo da Escola de Medicina da Universidade de Nebraska, com várias centenas de idosos, descobriu que aqueles com um relacionamento íntimo tinham melhor função imunológica e níveis mais baixos de colesterol. Ao longo dos últimos anos, houve pelo menos meia dúzia de investigações maciças conduzidas por diversos pesquisadores que analisaram a relação entre intimidade e saúde. Depois de entrevistar milhares de pessoas, os vários pesquisadores parecem ter chegado à mesma conclusão: relações próximas, de fato, promovem a saúde.
A intimidade é igualmente importante para manter uma boa saúde emocional. O psicanalista e filósofo social Erich Fromm afirmou que o medo mais básico da humanidade é a ameaça de ser separado de outros seres humanos. Ele acreditava que a experiência da separação, encontrada pela primeira vez na infância, é a fonte de toda a ansiedade na vida humana. John Bowlby concordou, citando uma grande quantidade de evidências experimentais e pesquisas para apoiar a ideia de que a separação de seus cuidadores - geralmente a mãe ou o pai - durante a última parte do primeiro ano de vida, cria inevitavelmente medo e tristeza nos bebês. Ele sentiu que a separação e a perda interpessoal estão nas raízes das experiências humanas de medo, tristeza e tristeza.
Assim, dada a importância vital da intimidade, como nos propomos a alcançar a intimidade em nossas vidas diárias? Seguindo a abordagem do Dalai Lama delineada na última seção, parece razoável começar com o aprendizado - com a compreensão do que é a intimidade, buscando uma definição viável e um modelo de intimidade. Ao olhar para a ciência para a resposta, no entanto, parece que, apesar do acordo universal entre os pesquisadores sobre a importância da intimidade, parece que é onde o acordo termina. Talvez a característica mais impressionante de uma revisão superficial dos vários estudos sobre a intimidade seja a ampla diversidade de definições e teorias sobre o que exatamente é a intimidade.
No final mais concreto do espectro está o autor Desmond Morris, que escreve sobre intimidade na perspectiva de um zoólogo formado em etologia. Em seu livro, Comportamento Íntimo, Morris define a intimidade: "Ser íntimo significa estar perto ... Nos meus termos, o ato de intimidade ocorre sempre que dois indivíduos entram em contato corporal." Depois de definir intimidade em termos de contato puramente físico, ele então passa a explorar as inúmeras maneiras pelas quais os humanos entram em contato físico um com o outro, desde um simples tapinha nas costas até o abraço sexual mais erótico. Ele vê o tato como o veículo através do qual nos consolamos e somos consolados, através de abraços ou grampos da mão e, quando essas vias não estão disponíveis para nós, meios mais indiretos de contato físico, como uma manicure. Ele até teoriza que os contatos físicos que temos com objetos em nosso ambiente, de cigarros a joias e canteiros de água, atuam como substitutos da intimidade.
A maioria dos investigadores não é tão concreta em suas definições de intimidade, concordando que a intimidade é mais do que apenas proximidade física. Olhando para a raiz da intimidade da palavra, do latim íntima que significa "interior" ou "íntimo", eles na maioria das vezes subscrevem uma definição mais ampla, como a oferecida pelo Dr. Dan McAdams, autor de vários livros sobre o assunto de intimidade: “O desejo de intimidade é o desejo de compartilhar o eu íntimo com o outro”.
Mas as definições de intimidade não param por aí. No extremo oposto do espectro de Desmond Morris stand expert Conceitos da forma mais ideal de intimidade também variam em todo o mundo e na história. A noção romântica de que "Uma pessoa especial" com quem temos uma relação íntima apaixonada é um produto do nosso tempo e cultura. Mas esse modelo de intimidade não é universalmente aceito em todas as culturas. Por exemplo, os japoneses parecem confiar mais em amizades para ganhar intimidade, enquanto os americanos procuram mais em relacionamentos românticos com um namorado, namorada ou cônjuge. Ao observarem isso, alguns pesquisadores sugeriram que os asiáticos que tendem a se concentrar menos em sentimentos pessoais como a paixão e estão mais preocupados com os aspectos práticos dos apegos sociais parecem menos vulneráveis ao tipo de desilusão que leva ao desmoronamento dos relacionamentos.
Além das variações entre as culturas, os conceitos de intimidade também mudaram drasticamente ao longo do tempo. Na América colonial, o nível de intimidade física e proximidade era geralmente maior do que é hoje, pois familiares e até estranhos compartilhavam espaços próximos e dormiam juntos em um cômodo e usavam uma sala comum para tomar banho, comer e dormir. No entanto, o nível habitual de comunicação entre os cônjuges era bastante formal pelos padrões atuais - não muito diferente da maneira pela qual os conhecidos ou vizinhos falavam uns com os outros. Apenas um século depois, o amor e o casamento tornaram-se altamente romantizantes e esperava-se que a autorrevelação íntima fosse um ingrediente em qualquer parceria amorosa.
Idéias do que é considerado comportamento privado e íntimo também mudaram com o tempo. Na Alemanha do século XVI, por exemplo, esperava-se que um novo marido e sua esposa consumassem o casamento numa cama carregada por testemunhas que validariam o casamento.
Como as pessoas expressam suas emoções também mudou. Na Idade Média, era considerado normal expressar publicamente uma ampla gama de sentimentos com grande intensidade e objetividade - alegria, raiva, medo, piedade e até mesmo prazer em torturar e matar inimigos. Extremos de riso histérico, choro apaixonado e raiva violenta foram expressos muito mais do que seria aceito em nossa sociedade. Mas a expressão comum de emoções e sentimentos naquela sociedade descartou o conceito de intimidade emocional; se alguém quiser expor todas as emoções abertamente e indiscriminadamente, então não haverá sentimentos particulares para expressar a alguns especiais.
Claramente, as noções que tomamos como garantidas sobre a intimidade não são universais. Eles mudam com o tempo e são muitas vezes moldados por condições econômicas, sociais e culturais. E é fácil ficar confuso com a variedade de diferentes definições ocidentais contemporâneas de intimidade - com manifestações que vão desde um corte de cabelo até nosso relacionamento com as luas de Netuno. Então, onde isso nos deixa em nossa busca para entender o que é intimidade? Eu acho que a implicação é clara:
Há uma incrível diversidade entre as vidas humanas, variações infinitas entre as pessoas com relação a como elas podem experimentar um senso de proximidade. Essa percepção sozinha nos oferece uma grande oportunidade. Isso significa que neste exato momento temos vastos recursos de intimidade disponíveis para nós. A intimidade está ao nosso redor.
Hoje, muitos de nós somos oprimidos por um sentimento de que algo está faltando em nossas vidas, sofrendo intensamente de falta de intimidade. Isso é particularmente verdadeiro quando passamos pelos períodos inevitáveis de nossa vida quando não estamos envolvidos em um relacionamento romântico ou quando a paixão diminui de um relacionamento. Existe uma noção difundida em nossa cultura de que a intimidade profunda é melhor alcançada dentro do contexto de um relacionamento romântico apaixonado - aquele Alguém Especial que separamos de todos os outros. Este pode ser um ponto de vista profundamente limitante, nos afastando de outras fontes potenciais de intimidade, e a causa de muita miséria e infelicidade quando alguém especial não está presente.
Mas nós temos em nosso poder os meios para evitar isso; precisamos apenas expandir corajosamente nosso conceito de intimidade para incluir todas as outras formas que nos cercam diariamente. Ao ampliar nossa definição de intimidade, nos abrimos para descobrir muitas maneiras novas e igualmente satisfatórias de nos conectarmos com os outros. Isso nos traz de volta à minha discussão inicial sobre a solidão com o Dalai Lama, uma discussão desencadeada por uma leitura atenta da seção “Personals” de um jornal local. Isso me faz pensar. No exato momento em que essas pessoas estavam compondo seus anúncios, lutando para encontrar apenas as palavras certas que trariam romance para suas vidas e acabariam com a solidão, quantas dessas pessoas já estavam cercadas por amigos, familiares ou conhecidos - relacionamentos que poderiam ser facilmente cultivado em relacionamentos íntimos genuínos e profundamente satisfatórios? Muitos, eu acho. Se o que procuramos na vida é felicidade, e a intimidade é um ingrediente importante de uma vida mais feliz, então faz sentido conduzir nossas vidas com base em um modelo de intimidade que inclua tantas formas de conexão com os outros quanto possível. O modelo de intimidade do Dalai Lama é assenta na vontade de se abrir para muitos outros, para a família, amigos e até para estranhos, formando laços genuínos e profundos baseados em nossa humanidade comum.
APROFUNDANDO NOSSA CONEXÃO A OUTROS
014
Certa tarde, após sua palestra pública, cheguei à suíte de hotel do Dalai Lama para minha consulta diária. Eu estava alguns minutos adiantado. Um atendente discretamente deslizou pelo corredor para relatar que Sua Santidade estava ocupada em uma audiência particular e que levaria mais alguns minutos. Assumi meu posto familiar do lado de fora da porta do hotel e aproveitei para rever minhas anotações, preparando-me para a sessão, tentando ao mesmo tempo evitar o olhar desconfiado de um guarda de segurança - o mesmo visual aperfeiçoado por funcionários de lojas de conveniência para uso. alunos do ensino médio perambulando pelas prateleiras das revistas.
Dentro de alguns instantes, a porta se abriu e um casal de meia-idade bem vestido foi mostrado. Eles pareciam familiares. Lembrei-me de ter sido brevemente apresentado a eles vários dias antes. Disseram-me que a esposa era uma herdeira bem conhecida e que o marido era um advogado extremamente rico e poderoso de Manhattan. No momento da apresentação, havíamos apenas trocado algumas palavras, mas ambas me pareciam incrivelmente arrogantes. Quando saíram da suíte do hotel do Dalai Lama, notei uma mudança surpreendente. Foi-se o modo arrogante e as expressões presunçosas, e em seu lugar havia dois rostos cheios de ternura e emoção. Eles eram como dois filhos. Fluxos de lágrimas escorriam pelos dois rostos. Embora o efeito do Dalai Lama sobre os outros nem sempre fosse tão dramático, percebi que, invariavelmente, outros respondiam a ele com alguma mudança de emoção. Eu me maravilhei muito com a sua capacidade de se relacionar com os outros, qualquer que fosse seu estilo de vida, e estabelecer uma troca emocional profunda e significativa.
ESTABELECER EMPATIA
Embora tivéssemos falado da importância do calor humano e da compaixão durante nossas conversas no Arizona, só alguns meses depois, em sua casa em Dharamsala, tive a oportunidade de explorar as relações humanas com ele em maior detalhe. Naquela época, eu estava muito ansioso para ver se poderíamos descobrir um conjunto de princípios subjacentes que ele usa em suas interações com os outros - princípios que podem ser aplicados para melhorar qualquer relacionamento, seja com estranhos, familiares, amigos ou amantes. Ansioso para começar, eu entrei direto:
“Agora, no tópico das relações humanas ... o que você diria que é o método ou técnica mais eficaz de se conectar com os outros de uma maneira significativa e de reduzir conflitos com os outros?”
Ele olhou para mim por um momento. Não era um olhar indelicado, mas me fez sentir como se eu tivesse acabado de pedir a ele para me dar a composição química precisa do pó da lua.
Depois de uma breve pausa, ele respondeu: “Bem, lidar com os outros é uma questão muito complexa. Não há como você chegar a uma fórmula que possa resolver todos os problemas. É um pouco como cozinhar. Se você está cozinhando uma refeição muito deliciosa, uma refeição especial, então existem vários estágios na cozinha. Você pode ter que primeiro ferver os legumes separadamente e então você tem que fritá-los e então combiná-los de uma maneira especial, misturando temperos e assim por diante. E finalmente, o resultado final seria este delicioso produto. Da mesma forma aqui, para ser hábil em lidar com os outros, você precisa de muitos fatores. Você não pode simplesmente dizer: "Este é o método" ou "Esta é a técnica".
Não foi exatamente a resposta que eu estava procurando. Eu pensei que ele estava sendo evasivo e senti que certamente ele deve ter algo mais concreto para oferecer. Eu continuei: "Bem, dado que não há uma solução única para melhorar nossos relacionamentos, talvez haja algumas diretrizes mais gerais que possam ser úteis?"
O Dalai Lama pensou por um momento antes de responder: “Sim. Anteriormente falamos da importância de abordar os outros com o pensamento de compaixão em sua mente. Isso é crucial. Claro, apenas dizendo a alguém: "Oh, é muito importante ser compassivo; você deve ter mais amor 'não é suficiente. Uma receita simples assim sozinha não vai funcionar. Mas um meio eficaz de ensinar alguém a ser mais caloroso e compassivo é começar usando o raciocínio para educar o indivíduo sobre o valor e os benefícios práticos da compaixão, e também fazer com que reflitam sobre como se sentem quando alguém é gentil com eles. em. Em certo sentido, isso os estimula, de modo que haverá mais efeito ao prosseguirem em seus esforços para serem mais compassivos.
“Agora, olhando os vários meios de desenvolver a compaixão, penso que a empatia é um fator importante. A capacidade de apreciar o sofrimento do outro. De fato, tradicionalmente, uma das técnicas budistas para melhorar a compaixão envolve imaginar uma situação em que há um ser sensível sofrendo - por exemplo, como uma ovelha prestes a ser abatida pelo açougueiro. E depois tente imaginar o sofrimento que as ovelhas podem estar passando, e assim por diante ... O Dalai Lama parou por um momento para refletir, distraidamente passando uma série de contas de oração pelos dedos. Ele comentou: “Ocorre-me que se estivéssemos lidando com alguém que era muito frio e indiferente, então esse tipo de técnica pode não ser muito eficaz. Seria como se você fosse pedir ao açougueiro para fazer essa visualização: o açougueiro está tão endurecido, tão acostumado com a coisa toda, que não teria nenhum impacto. Assim, por exemplo, seria muito difícil explicar e utilizar essa técnica para alguns ocidentais que estão acostumados a caçar e pescar por diversão, como uma forma de recreação ... ”
“Nesse caso”, sugeri, “pode não ser uma técnica eficaz para pedir a um caçador que imagine o sofrimento de sua presa, mas você pode ser capaz de despertar sentimentos de compaixão começando por vê-lo visualizar seu cão de caça favorito capturado. em uma armadilha e guinchando de dor ... ”
"Sim, exatamente ..." concordou o Dalai Lama. “Eu acho que dependendo das circunstâncias, alguém pode modificar essa técnica. Por exemplo, a pessoa pode não ter um forte sentimento de empatia em relação aos animais, mas pelo menos pode ter alguma empatia em relação a um familiar próximo ou amigo. Nesse caso, a pessoa poderia visualizar uma situação em que a pessoa amada está sofrendo ou passando por uma situação trágica e, em seguida, imagine como ela reagiria a isso, reagiria a isso. Assim, pode-se tentar aumentar a compaixão tentando empatizar com o sentimento ou a experiência de outra pessoa.
“Eu acho que a empatia é importante não apenas como um meio de melhorar a compaixão, mas eu acho que em geral, ao lidar com os outros em qualquer nível, se você está tendo algumas dificuldades, é extremamente útil tentar se colocar no lugar da outra pessoa e ver como você reagiria à situação. Mesmo se você não tem experiência comum com a outra pessoa ou tem um estilo de vida muito diferente, você pode tentar fazer isso através da imaginação. Você pode precisar ser um pouco criativo. Essa técnica envolve a capacidade de suspender temporariamente a insistência em seu próprio ponto de vista, mas sim de olhar da perspectiva da outra pessoa, para imaginar qual seria a situação se você estivesse no lugar dele, como você lidaria com isso. Isso ajuda você a desenvolver uma conscientização e respeito pelos sentimentos do outro, o que é um fator importante na redução de conflitos e problemas com outras pessoas. ”
Nossa entrevista naquela tarde foi breve. Eu tinha me encaixado na agenda lotada do Dalai Lama no último minuto e, como várias de nossas conversas, ocorreu no final do dia. Do lado de fora, o sol começava a se pôr, enchendo a sala com uma luz amarga e escura, transformando as paredes amarelo-claras num âmbar profundo e iluminando os ícones budistas na sala com ricos tons dourados. O atendente do Dalai Lama entrou silenciosamente na sala, sinalizando o final da nossa sessão. Encerrando a discussão, eu perguntei: "Eu sei que temos que fechar, mas você tem outras palavras de conselho ou métodos que você usa para ajudar a estabelecer empatia com os outros?"
Ecoando as palavras que havia falado no Arizona muitos meses antes, com uma gentil simplicidade, ele respondeu: “Sempre que encontro pessoas, sempre as abordo do ponto de vista das coisas mais básicas que temos em comum. Cada um de nós tem uma estrutura física, uma mente, emoções. Todos nascemos da mesma maneira e todos morremos. Todos nós queremos a felicidade e não queremos sofrer. Olhar os outros desse ponto de vista em vez de enfatizar as diferenças secundárias, como o fato de eu ser tibetano, ou uma cor diferente, religião ou origem cultural, me permite ter a sensação de que estou me encontrando com alguém do mesmo jeito que eu. Acho que relacionar-se com os outros nesse nível torna muito mais fácil a troca e a comunicação mútua. Com isso, ele se levantou, sorriu, apertou minha mão brevemente e se retirou para a noite.
Na manhã seguinte, continuamos nossa discussão na casa do Dalai Lama.
“No Arizona, falamos muito sobre a importância da compaixão nas relações humanas, e ontem discutimos o papel da empatia em melhorar nossa capacidade de nos relacionarmos uns com os outros ...”
"Sim", o Dalai Lama assentiu.
“Além disso, você pode sugerir algum método ou técnica adicional para ajudar alguém a lidar de maneira mais eficaz com outras pessoas?”
“Bem, como eu mencionei ontem, não há como você criar uma ou duas técnicas simples que possam resolver todos os problemas. Tendo dito isso, no entanto, acho que existem alguns outros fatores que podem ajudar um a lidar com os outros com mais habilidade. Primeiro, é útil entender e apreciar o histórico das pessoas com quem você está lidando. Além disso, ser mais aberto e honesto são qualidades úteis quando se trata de lidar com os outros ”.
Eu esperei, mas ele não disse mais nada.
"Você pode sugerir outros métodos para melhorar nossos relacionamentos?"
O Dalai Lama pensou por um momento. "Não", ele riu.
Eu senti que estes conselhos particulares eram muito simplistas, comuns. Ainda assim, como isso parecia ser tudo o que ele tinha a dizer sobre o assunto no momento, nos voltamos para outros tópicos.
Naquela noite, fui convidado para jantar na casa de alguns amigos tibetanos em Dharamsala. Meus amigos organizaram uma noite que provou ser bastante animada. A refeição foi excelente, com uma deslumbrante variedade de pratos especiais e estrelado pelo tibetano Mo Mos, um saboroso bolinho de carne. Enquanto o jantar avançava, a conversa ficou mais animada. Logo, os convidados estavam trocando histórias sobre a coisa mais embaraçosa que já fizeram quando estavam bêbados. Vários convidados foram convidados para a reunião, incluindo um casal bem conhecido da Alemanha, a esposa um arquiteto e o marido um escritor, autor de uma dúzia de livros.
Tendo interesse em livros, eu me aproximei do autor e comecei uma conversa. Eu perguntei sobre sua escrita. Suas respostas eram curtas e superficiais, sua maneira brusca e distante. Pensando-o bastante hostil, até esnobe, senti uma antipatia imediata por ele. Bem, pelo menos tentei me conectar com ele, consolou-me e, convencido de que ele era simplesmente uma pessoa desagradável, voltei a conversar com alguns dos hóspedes mais amáveis.
No dia seguinte, encontrei um amigo em um café da aldeia e durante o chá contei os acontecimentos da noite anterior.
"... Eu realmente gostei de todos, exceto Rolf, aquele escritor ... Ele parecia tão arrogante ou algo assim ... tão hostil."
"Eu o conheço há vários anos", disse meu amigo, "... Eu sei que ele se depara com esse caminho, mas é apenas que ele é um pouco tímido, um pouco reservado no começo. Ele é realmente uma pessoa maravilhosa se você conhece ele ... ”Eu não estava convencido. Meu amigo continuou, explicando: “... embora seja um escritor de sucesso, teve mais do que sua parcela de dificuldades em sua vida. Rolf realmente sofreu muito. Sua família sofreu tremendamente nas mãos dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. E ele teve dois filhos, a quem ele tem sido muito dedicado, nascido com algum distúrbio genético raro que os deixou extremamente deficientes físicos e mentais. E, em vez de se tornar amargo ou de passar a vida a bancar o mártir, tratou dos seus problemas contactando com os outros e passou muitos anos a dedicar-se a trabalhar com os deficientes como voluntário. Ele realmente é muito especial se você o conhecer.
Como se viu, eu conheci Rolf e sua esposa mais uma vez no final da semana, em um pequeno campo de strip, servindo como o aeroporto local. Nós estávamos programados no mesmo vôo para Delhi, que acabou sendo cancelado. O próximo vôo para Delhi não durou vários dias, então decidimos dividir um carro para Delhi, um cansativo passeio de dez horas. Os poucos bits de informação de fundo que meu amigo tinha compartilhado comigo tinham mudado meu sentimento em relação a Rolf, e na longa viagem até Delhi me senti mais aberta em direção a ele. Como resultado, fiz um esforço para manter uma conversa com ele. Inicialmente, suas maneiras continuaram as mesmas. Mas com um pouquinho de abertura e persistência, logo descobri que, como meu amigo dissera, o distanciamento dele era mais provável devido à timidez do que ao esnobismo. Enquanto caminhávamos através do sufocante e poeirento campo do norte da índia, entrando cada vez mais fundo na conversa, ele provou ser um ser humano caloroso e genuíno e um companheiro de viagem robusto.
Quando chegamos a Delhi, percebi que o conselho do Dalai Lama de "entender o passado das pessoas" não era tão elementar e superficial quanto parecia. Sim, foi simples, talvez, mas não simplista. Às vezes é o conselho mais básico e direto, o tipo que tendemos a considerar ingênuo, que pode ser o meio mais eficaz de melhorar a comunicação.
Vários dias depois, eu ainda estava em Delhi em uma escala de dois dias antes de voltar para casa. A mudança da tranquilidade de Dharamsala era chocante e eu estava de mau humor. Além de enfrentar o calor sufocante, a poluição e as multidões, as alamedas enxameavam com uma espécie comum de predador urbano, dedicado ao Swindle Street. Andando pelas ardentes ruas de Delhi, um ocidental, um estrangeiro, um alvo, abordado por meia dúzia de traficantes por bloco, parecia que eu tinha tatuado o “CHUMP” na minha testa. Foi desmoralizante.
Naquela manhã, eu me apaixonei por um esquema comum de rua de dois homens. Um parceiro espalhou uma mancha de tinta vermelha nos meus sapatos enquanto eu não estava olhando. No quarteirão, seu confederado, um inocente garoto de engraxate, chamou minha atenção para a pintura e se ofereceu para engraxar meus sapatos no ritmo habitual. Ele habilmente engraxou os sapatos em poucos minutos. Quando terminou, ele calmamente exigiu uma quantia enorme - dois meses de salário para muitos em Delhi. Quando recusei, ele alegou que esse era o preço que ele havia me cotado. Eu me opus novamente, e o menino começou a berrar, atraindo uma multidão, chorando que eu estava me recusando a pagar por serviços já prestados. Mais tarde naquele dia, soube que se tratava de um esquema comum praticado por turistas desavisados; depois de exigir uma quantia enorme, o engraxate deliberadamente levanta uma confusão, atraindo uma multidão, com a intenção de extorquir o dinheiro do turista por constrangimento e o desejo de evitar uma cena.
Naquela tarde, almocei com um colega no hotel. Os acontecimentos da manhã foram rapidamente esquecidos quando ela perguntou sobre a minha recente série de entrevistas com o Dalai Lama. Ficamos absortos em uma discussão sobre as idéias do Dalai Lama em relação à empatia e a importância de seguir a perspectiva da outra pessoa. Depois do almoço, pegamos um táxi e partimos para visitar alguns amigos em comum. Quando o táxi se afastou, meus pensamentos voltaram para o golpe de engraxate naquela manhã e, quando imagens sombrias sussurraram em minha mente, passei a olhar para o medidor.
"Pare o táxi!" Eu gritei. Meu amigo pulou com a repentina explosão. O taxista fez uma careta para mim no espelho retrovisor, mas continuou dirigindo.
"Puxe!" Eu exigi, minha voz agora tremendo com um traço de histeria. Meu amigo pareceu chocado. O táxi parou. Eu apontei para o medidor, furiosamente furando o ar. "Você não redefiniu o medidor! Havia mais de vinte rúpias no medidor quando começamos! ”
"Sinto muito, senhor", disse ele com uma indiferença monótona que mais me enfureceu, "eu esqueci de reiniciar ... vou reiniciar ..."
"Você não está reiniciando nada!" Eu explodi. "Estou farto de vocês tentando pagar as tarifas, andar em círculos, ou fazer o que for possível para enganar as pessoas ... Eu só estou ... apenas ... farto!" com uma intensidade hipócrita. Meu amigo parecia envergonhado. O taxista apenas me encarou com a mesma expressão desafiadora encontrada com frequência entre as vacas sagradas que passeavam pelo meio de uma movimentada rua de Délhi e paravam, com a intenção sediciosa de segurar o tráfego. Ele olhou para mim como se minha explosão fosse apenas cansativa e entediante. Joguei algumas rúpias no banco da frente e, sem mais comentários, abri a porta do carro para a minha amiga e a segui para fora.
Em poucos minutos, pegamos outro táxi e estávamos a caminho de novo. Mas eu não pude deixar cair. Enquanto passávamos pelas ruas de Nova Deli, continuei a reclamar sobre como “todo mundo” em Nova Delhi estava disposto a enganar os turistas e que não éramos nada além de pedreiras. Meu colega ouviu em silêncio enquanto eu me enfurecia e delirava. Finalmente ela disse: “Bem, vinte rúpias é apenas cerca de um quarto. Por que ficar tão nervosa?
Eu fervi com piedosa indignação. "Mas é o princípio que conta!" Eu proclamei. "Eu não consigo ver como você pode ficar tão calmo com essa coisa toda, de qualquer maneira, quando isso acontece o tempo todo. Não te incomoda?
“Bem”, disse ela lentamente, “aconteceu por um minuto, mas comecei a pensar sobre o que estávamos falando no almoço, sobre o Dalai Lama dizendo o quanto é importante ver as coisas do ponto de vista de outra pessoa. Enquanto você estava ficando cansado, tentei pensar sobre o que eu poderia ter em comum com o taxista. Nós dois queremos boa comida para comer, dormir bem, sentir-se bem, ser amado e assim por diante. Então, tentei me imaginar como o taxista. Eu me sento em um táxi sufocante o dia inteiro sem ar condicionado, talvez eu esteja com raiva e ciumento de estrangeiros ricos ... e a melhor maneira que eu possa fazer para tornar as coisas "justas", ser feliz, é Derive maneiras de enganar as pessoas com dinheiro. Mas o problema é que, mesmo quando funciona e eu espreme algumas rúpias extras de um turista desavisado, não posso imaginar que seja uma maneira muito satisfatória de ser uma vida mais feliz ou satisfatória ... De qualquer forma, quanto mais eu Imaginei-me como o taxista, de alguma forma o menos irritado que eu estava com ele. Sua vida parecia triste ... Quero dizer, eu ainda não concordo com o que ele fez e estávamos certos em sair do táxi, mas eu não conseguia me excitar o suficiente para odiá-lo por isso. ..
Eu fiquei em silêncio. Surpreendida, de fato, em como eu Eu realmente absorvi do Dalai Lama. Naquela época, eu estava começando a desenvolver uma apreciação do valor prático de seus conselhos, como “entender o passado do outro” e, é claro, descobri que seus exemplos de como ele implementou esses princípios em sua própria vida são inspiradores. Mas enquanto eu pensava sobre nossa série de discussões, começando no Arizona e agora continuando na Índia, percebi que desde o início nossas entrevistas tinham tomado um tom clínico, como se eu estivesse perguntando sobre anatomia humana, só que neste caso. era a anatomia da mente e do espírito humanos. Até aquele momento, no entanto, de alguma forma, não me ocorrera aplicar suas idéias completamente à minha própria vida, pelo menos não agora - sempre tive uma vaga intenção de tentar implementar suas idéias em minha vida em algum momento do mundo. futuro, talvez quando eu tivesse mais tempo.
EXAMINANDO A BASE SUBJACENTE DE UM RELACIONAMENTO
Minhas conversas com o Dalai Lama no Arizona começaram com uma discussão sobre as fontes de felicidade. E apesar do fato de que ele escolheu viver sua vida como um monge, estudos mostraram que o casamento é um fator que pode, de fato, trazer felicidade - proporcionando a intimidade e laços estreitos que melhoram a saúde e a satisfação geral com a vida. Tem havido muitos milhares de pesquisas de americanos e europeus que mostram que, geralmente, as pessoas casadas são mais felizes e mais satisfeitas com a vida do que as solteiras ou viúvas - ou especialmente em comparação com pessoas divorciadas ou separadas. Uma pesquisa constatou que seis em cada dez americanos que classificam seu casamento como "muito feliz" também classificam sua vida como um todo como "muito feliz". Ao discutir o tópico das relações humanas, achei importante abordar o assunto desse comum. fonte de felicidade.
Minutos antes de uma entrevista agendada com o Dalai Lama, sentei-me com um amigo em um pátio ao ar livre no hotel em Tucson saboreando uma bebida gelada. Mencionando os tópicos de romance e casamento que eu pretendia mencionar em minha entrevista, meu amigo e eu logo começamos a compadecer-me de ser solteira. Enquanto conversávamos, um jovem casal de aspecto saudável, talvez os golfistas, que estavam de férias felizes no final da temporada turística, sentou-se a uma mesa perto de nós. Eles tinham a aparência de um casamento de meia-idade - não mais casais em lua de mel, talvez, mas ainda jovens e sem dúvida apaixonados. Deve ser legal, pensei.
Assim que se sentaram, começaram a brigar.
"... Eu te disse que íamos atrasar!", A mulher acusou acidamente, sua voz surpreendentemente rouca, o grasnar das cordas vocais empoeirados por anos de fumaça de cigarro e álcool. “Agora mal temos tempo suficiente para comer. Eu não posso nem aproveitar minha comida! ”
"... se você não demorou tanto para se preparar ..." o homem disparou de volta automaticamente, em tom mais baixo, mas cada sílaba carregada de aborrecimento e hostilidade.
Refutação. “Eu estava pronto há meia hora atrás. Você é quem teve que terminar de ler o jornal ... ”
E foi assim. Não parou. Como o dramaturgo grego Eurípides disse, “case-se e tudo pode correr bem. Mas quando um casamento falha, aqueles que se casam vivem em casa no inferno.
O argumento, aumentando rapidamente, pôs um fim rápido aos nossos lamentos sobre a vida de solteiro. Meu amigo apenas revirou os olhos e, citando uma frase de Seinfeld, disse: “Ah sim! Eu quero me casar em breve!
Apenas momentos antes, eu tinha toda a intenção de começar a sessão solicitando a opinião do Dalai Lama sobre as alegrias e virtudes do romance e do casamento. Em vez disso, entrei na suíte do hotel e, quase antes de me sentar, perguntei: “Por que você acha que os conflitos parecem surgir com tanta frequência nos casamentos?”
"Ao lidar com conflitos, é claro que pode ser bastante complexo", explicou o Dalai Lama. “Pode haver muitos fatores envolvidos. Então, quando estamos lidando com a tentativa de entender problemas de relacionamento, o primeiro estágio deste processo envolve refletir deliberadamente sobre a natureza e a base subjacentes desse relacionamento.
“Então, em primeiro lugar, é preciso reconhecer que existem diferentes tipos de relacionamentos e entender as diferenças entre eles. Por exemplo, deixando de lado a questão do casamento por um momento, mesmo dentro de amizades comuns, podemos reconhecer que existem diferentes tipos de amizades. Algumas amizades são baseadas em riqueza, poder ou posição. Nesses casos, sua amizade continua enquanto seu poder, riqueza ou posição for sustentado. Uma vez que esses fundamentos não estejam mais lá, a amizade também começará a desaparecer. Por outro lado, existe outro tipo de amizade. Amizades que se baseiam não em considerações de riqueza, poder e posição, mas sim no verdadeiro sentimento humano, um sentimento de proximidade em que há um senso de compartilhamento e conexão. Esse tipo de amizade é o que eu chamaria de amizade genuína, porque ela não seria afetada pelo status da riqueza, posição ou poder do indivíduo, seja aumentando ou diminuindo. O fator que sustenta uma amizade genuína é um sentimento de afeto. Se você não tiver, você não poderá sustentar uma amizade genuína. É claro, já mencionamos isso antes e tudo isso é muito óbvio, mas se você está se deparando com problemas de relacionamento, muitas vezes é muito útil simplesmente recuar e refletir sobre a base desse relacionamento.
Da mesma forma, se alguém tiver problemas com seu cônjuge, pode ser útil examinar a base subjacente do relacionamento. Por exemplo, muitas vezes você encontra relacionamentos muito baseados em atração sexual imediata. Quando um casal acaba de se conhecer, se vê em algumas poucas ocasiões, pode estar loucamente apaixonado e muito feliz ”, ele riu,“ mas qualquer decisão sobre o casamento feita naquele instante seria muito instável. Assim como alguém pode se tornar, em certo sentido, insano pelo poder da raiva ou do ódio intenso, também é possível que um indivíduo se torne insano em algum sentido poder de paixão ou luxúria. E às vezes você pode até encontrar situações em que um indivíduo pode sentir: 'Oh, meu namorado ou namorada não é realmente uma pessoa boa, não uma pessoa gentil, mas ainda me sinto atraído por ele'. Então, um relacionamento baseado essa atração inicial é muito pouco confiável, muito instável, porque é muito baseada em fenômenos temporários. Esse sentimento é muito curto, então depois de algum tempo, isso vai acontecer. Ele estalou os dedos. "Portanto, não seria uma grande surpresa se esse tipo de relacionamento tivesse problemas, e um casamento baseado nisso acabaria por causar problemas ... Mas o que você acha?"
"Sim, eu teria que concordar com você sobre isso", respondi. “Parece que em qualquer relacionamento, mesmo nos mais ardentes, a paixão inicial acaba esfriando. Algumas pesquisas mostraram que aqueles que consideram a paixão inicial e o romance como essenciais para seu relacionamento podem acabar desiludidos ou divorciados. Uma psicóloga social, Ellen Berscheid, da Universidade de Minnesota, acho, analisou essa questão e concluiu que a incapacidade de apreciar a meia-vida limitada do amor apaixonado pode condenar um relacionamento. Ela e seus colegas achavam que o aumento nas taxas de divórcio nos últimos vinte anos está parcialmente ligado à importância crescente que as pessoas atribuem a experiências emocionais positivas intensas em suas vidas - experiências como o amor romântico. Mas um problema é que esses tipos de experiências podem ser particularmente difíceis de sustentar com o tempo ... ”
"Isso parece muito verdadeiro", disse ele. “Então, ao lidar com problemas de relacionamento, você pode ver a tremenda importância de examinar e entender a natureza subjacente do relacionamento.
“Agora, enquanto alguns relacionamentos são baseados em atração sexual imediata, você pode ter outros tipos de relacionamentos, por outro lado, nos quais a pessoa em um estado mental frio perceberá que, fisicamente falando, em termos de aparência, meu namorado ou namorada pode não ser tão atraente, mas ele ou ela é realmente uma pessoa boa, gentil e gentil. Um relacionamento construído sobre isso forma um tipo de vínculo que é mais duradouro, porque existe um tipo de comunicação genuína em um nível muito humano e pessoal entre os dois ... ”
O Dalai Lama fez uma pausa por um momento, como se refletisse sobre a questão, e depois acrescentou: “Claro, devo deixar claro que se pode ter um relacionamento bom e saudável que inclua atração sexual como um componente. Assim, parece que pode haver dois tipos principais de relacionamentos baseados na atração sexual. Um tipo é baseado no desejo sexual puro. Neste caso, o motivo ou o ímpeto por trás do vínculo é apenas satisfação temporária, gratificação imediata. Nesse tipo de relacionamento, os indivíduos estão se relacionando uns com os outros não tanto quanto as pessoas, mas sim como objetos. Esse tipo de relacionamento não é muito bom. Se o relacionamento é baseado apenas no desejo sexual, sem um componente de respeito mútuo, então o relacionamento se torna quase como prostituição, em que nenhum lado tem respeito pelo outro. Um relacionamento construído principalmente sobre o desejo sexual é como uma casa construída sobre uma fundação de gelo; assim que o gelo derrete, o prédio desmorona.
“No entanto, existe um segundo tipo de relacionamento que também é baseado na atração sexual, mas no qual a atração física não é a base predominante do relacionamento. Neste segundo tipo de relacionamento há uma apreciação subjacente do valor da outra pessoa com base no seu sentimento de que a outra pessoa é gentil, gentil e gentil, e você concede respeito e dignidade àquele outro indivíduo. Qualquer relacionamento baseado nisso será muito mais duradouro e confiável. É mais apropriado. E para estabelecer esse tipo de relacionamento, é crucial gastar tempo suficiente para se conhecerem em um sentido genuíno, para conhecer as características básicas um do outro.
“Portanto, quando meus amigos me perguntam sobre o casamento deles, eu geralmente pergunto há quanto tempo eles se conhecem. Se eles disserem alguns meses, então eu costumo dizer: "Ah, isso é muito curto". Se eles disserem alguns anos, então parece ser melhor. Agora eles não apenas conhecem o rosto ou a aparência um do outro, mas eu acho que a natureza mais profunda da outra pessoa ... ”
"É como a citação de Mark Twain que 'nenhum homem ou mulher realmente sabe o que é amor perfeito até que eles se casem há um quarto de século ...'
O Dalai Lama assentiu e continuou: “Sim ... Então, acho que muitos problemas ocorrem simplesmente por causa do tempo insuficiente para se conhecerem. De qualquer forma, acho que, se alguém procura construir um relacionamento verdadeiramente satisfatório, a melhor maneira de fazer isso é conhecer a natureza mais profunda da pessoa e relacionar-se com ela ou com ele nesse nível, em vez de meramente com base nisso. de características superficiais. E nesse tipo de relacionamento existe um papel para a genuína compaixão.
"Agora, ouvi muitas pessoas afirmarem que o casamento delas tem um significado mais profundo do que apenas um relacionamento sexual Na verdade, o casamento envolve duas pessoas tentando unir suas vidas, compartilhar os altos e baixos da vida juntos, compartilhar uma certa intimidade. Se essa afirmação for honesta, então acredito que essa seja a base adequada na qual um relacionamento deve ser construído. Um relacionamento sólido deve incluir um senso de responsabilidade e compromisso para com o outro. É claro que o contato físico, o relacionamento sexual adequado ou normal entre um casal, pode proporcionar uma certa satisfação que pode ter um efeito calmante na mente de alguém. Mas, afinal, biologicamente falando, o principal propósito de uma relação sexual é a reprodução. E para conseguir isso, você precisa ter um senso de compromisso com os filhos, para que eles sobrevivam e prosperem. Portanto, desenvolver uma capacidade de responsabilidade e compromisso é crucial. Sem isso, o relacionamento proporciona apenas satisfação temporária. É só por diversão. Ele riu, uma risada que parecia infundida de admiração pelo vasto campo do comportamento humano.
RELAÇÕES BASEADAS NO ROMANCE
Parecia estranho falar sobre sexo e casamento com um homem de mais de sessenta anos de idade, que havia sido celibatário a vida inteira. Ele não parecia avesso a falar sobre essas questões, mas havia um certo distanciamento em seus comentários.
Ao pensar sobre a nossa conversa mais tarde naquela noite, ocorreu-me que ainda havia um componente importante dos relacionamentos que não cobrimos, e fiquei curioso para saber de sua opinião sobre o assunto. Eu trouxe no dia seguinte.
"Ontem estávamos discutindo relacionamentos e a importância de basear um relacionamento próximo ou casamento em mais do que apenas sexo", comecei. “Mas, na cultura ocidental, não é apenas o ato sexual físico, mas toda a ideia de romance - a ideia de se apaixonar, de se apaixonar profundamente pelo parceiro - que é vista como algo altamente desejável. Nos filmes, na literatura e na cultura popular, há uma espécie de exaltação desse tipo de amor romântico. Qual é a sua opinião sobre isso?
Sem hesitar, o Dalai Lama disse: “Eu acho que, deixando de lado como a busca incessante do amor romântico pode afetar nosso crescimento espiritual mais profundo, mesmo da perspectiva de um modo de vida convencional, a idealização desse amor romântico pode ser vista como um extremo. Diferentemente daqueles relacionamentos baseados em carinho e afeto genuíno, este é outro assunto. Não pode ser visto como algo positivo ”, disse ele decisivamente. “É algo que é baseado em fantasia, inatingível e, portanto, pode ser uma fonte de frustração. Então, nessa base, não pode ser visto como algo positivo ”.
Havia uma finalidade no tom do Dalai Lama, que transmitia que ele não tinha mais nada a dizer sobre o assunto. Em vista da tremenda ênfase que nossa sociedade coloca no romance, senti que ele estava descartando a atração do amor romântico de maneira muito leve. Dada a educação monástica do Dalai Lama, eu supus que ele não apreciasse plenamente as alegrias do romance, e questioná-lo mais sobre assuntos relacionados ao romance seria tão útil quanto pedir-lhe para sair ao estacionamento para dar uma olhada em um problema que eu estava tendo com a transmissão do meu carro. Levemente desapontado, me atrapalhei com minhas anotações por vários momentos e passei para outros tópicos.
O que torna o romance tão atraente? Ao olhar para essa questão, descobre-se que Eros - amor romântico, sexual e apaixonado - o êxtase supremo, é um potente coquetel de ingredientes culturais, biológicos e psicológicos. Na cultura ocidental, a ideia do amor romântico floresceu nos últimos duzentos anos sob a influência do romantismo, um movimento que muito contribuiu para moldar nossa percepção do mundo. O romantismo cresceu como uma rejeição da Era do Iluminismo anterior, com sua ênfase na razão humana. O novo movimento exaltou a intuição, emoção, sentimento e paixão. Enfatizava a importância do mundo sensorial, a experiência subjetiva do indivíduo e tendia para o mundo da imaginação, da fantasia, a busca de um mundo que não é - um passado idealizado ou um futuro utópico. Essa ideia teve profundo impacto não apenas na arte e na literatura, mas também na política e em todos os aspectos do desenvolvimento da cultura ocidental moderna.
O elemento mais atraente de nossa busca por romance é a sensação de se apaixonar. Forças poderosas estão no trabalho nos levando a buscar esse sentimento, muito mais do que simplesmente a glorificação do amor romântico que captamos em nossa cultura. Muitos pesquisadores acham que essas forças são programadas em nossos genes desde o nascimento. A sensação de se apaixonar, invariavelmente misturada com uma sensação de atração sexual, pode ser um componente instintivo geneticamente determinado do comportamento de acasalamento. De uma perspectiva evolucionária, o trabalho número um do organismo é sobreviver, reproduzir e assegurar a sobrevivência continuada da espécie. É no melhor interesse da espécie, portanto, se estamos programados para nos apaixonarmos; certamente aumenta as chances de nos acasalarmos e nos reproduzirmos. Assim, nós temos mecanismos embutidos para ajudar a fazer isso acontecer; Em resposta a certos estímulos, nossos cérebros fabricam e bombeiam produtos químicos que criam um sentimento de euforia, o "alto" associado à queda do amor. E enquanto nossos cérebros estão marinando naqueles produtos químicos, esse sentimento nos domina em momentos que todo o resto parece estar bloqueado.
As forças psicológicas que nos levam a buscar a sensação de estar amando são tão atraentes quanto as forças biológicas. No Simpósio de Platão, Sócrates conta a história do mito de Aristófanes, sobre a origem do amor sexual. De acordo com este mito, os habitantes originais da Terra eram criaturas redondas com quatro mãos e quatro pés e com as costas e os lados formando um círculo. Esses seres sem sexo auto-suficientes eram muito arrogantes e repetidamente atacavam os deuses. Para puni-los, Zeus lançou-lhes raios e os separou. Cada criatura agora tinha duas, cada metade ansiando por se fundir com a outra metade.
Eros, o impulso para o amor apaixonado e romântico, pode ser visto como esse antigo desejo de fusão com a outra metade. Parece ser uma necessidade humana universal e inconsciente. O sentimento envolve uma sensação de se fundir com o outro, de limites que se rompem, de se tornar um com o ente querido. Os psicólogos chamam isso de colapso dos limites do ego. Alguns acham que esse processo está enraizado em nossa primeira experiência, uma tentativa inconsciente de recriar a experiência que tivemos quando bebês, um estado primordial no qual a criança está completamente fundida com o pai ou com o cuidador principal.
Evidências sugerem que os recém-nascidos não distinguem entre si e o resto do universo. Eles não têm senso de identidade pessoal, ou pelo menos sua identidade inclui a mãe, os outros e todos os objetos em seu ambiente. Eles não sabem onde terminam e o "outro" começa. Eles não têm o que é conhecido como permanência do objeto: os objetos não têm existência independente; se eles não estão interagindo com um objeto, ele não existe. Por exemplo, se uma criança está segurando um chocalho, o bebê reconhece o chocalho como parte de si mesmo ou de si mesmo, e se o chocalho é retirado e escondido de vista, ele deixa de existir.
No nascimento, o cérebro ainda não está totalmente “conectado”, mas à medida que o bebê cresce e o cérebro amadurece, a interação do bebê com o mundo se torna mais sofisticada e o bebê ganha gradualmente um senso de identidade pessoal, de para “outro”. Junto com isso, um senso de isolamento se desenvolve e gradualmente a criança desenvolve uma consciência de suas próprias limitações. A formação da identidade, é claro, continua a se desenvolver ao longo da infância e adolescência à medida que a criança entra em contato com o mundo. O sentido das pessoas de quem elas são surge como resultado do desenvolvimento de representações internas, formadas em grande parte por reflexões de suas primeiras interações com as pessoas importantes em suas vidas, e reflexões de seu papel na sociedade em geral. Gradualmente, a identidade pessoal e a estrutura intrapsíquica tornam-se mais complexas.
Mas parte de nós ainda pode procurar regredir a um estado anterior de existência, um estado de felicidade no qual não há sentimento de isolamento, nem sentimento de separação. Muitos psicólogos contemporâneos sentem que a experiência inicial da “unidade” é incorporada em nossa mente subconsciente e, como um adulto, permeia nossas fantasias inconscientes e privadas. Eles acreditam que a fusão com o ente querido quando se está "apaixonado" ecoa a experiência de se fundir com a mãe na infância. Ele recria esse sentimento mágico, um sentimento de onipotência, como se tudo fosse possível. Uma sensação como essa é difícil de bater.
Não é de admirar então que a busca do amor romântico seja tão poderosa. Então, qual é o problema, e por que o Dalai Lama tão facilmente afirma que a busca do romance é uma coisa negativa?
Considerei o problema de basear um relacionamento no amor romântico, de me refugiar no romance como fonte de felicidade. Um ex-paciente, David, veio à mente. David, um arquiteto de paisagem de trinta e quatro anos, apresentou inicialmente ao meu consultório sintomas clássicos de uma grave depressão clínica. Ele explicou que sua depressão pode ter sido desencadeada por alguns pequenos estresses relacionados ao trabalho, mas "na maioria das vezes aconteceu". Discutimos a opção de um medicamento antidepressivo, que ele era a favor de, e instituímos um teste de um medicamento. antidepressivo padrão. A medicação provou ser muito eficaz, e em três semanas seus sintomas agudos melhoraram e ele voltou à sua rotina normal. Ao explorar sua história, no entanto, não demorou muito para perceber que, além de sua depressão aguda, ele também sofria de distimia, uma forma mais insidiosa de depressão crônica de baixo grau que esteve presente por muitos anos. Depois que ele se recuperou de sua depressão aguda, começamos a explorar sua história pessoal, estabelecendo uma base que nos ajudaria a entender a dinâmica psicológica interna que pode ter contribuído para sua história de muitos anos de distimia.
Depois de apenas algumas sessões, David entrou no escritório um dia em um estado de espírito jubiloso. "Eu me sinto ótimo!", Declarou ele. "Eu não me sinto tão bem em anos!"
Minha reação a essa maravilhosa notícia foi imediatamente avaliá-lo pela possibilidade de uma mudança para uma fase maníaca de um transtorno de humor. Esse não foi o caso, no entanto.
"Estou apaixonado!", Ele me disse. “Eu a conheci na semana passada em um site em que estou dando lances. Ela é a garota mais linda que eu já vi ... Saímos quase todas as noites esta semana, e, não sei, é como se fôssemos almas gêmeas - perfeitas uma para a outra. Eu simplesmente não consigo acreditar! Eu não namoro há dois ou três anos e estava chegando ao ponto de achar que nunca conheceria ninguém; então, de repente, lá estava ela.
David passou a maior parte daquela sessão catalogando todas as virtudes notáveis de sua nova namorada. "Acho que somos perfeitos um para o outro em todos os sentidos. Não é apenas uma coisa sexual também; nós estamos interessados nas mesmas coisas, e eu Não é assustador o quanto pensamos da mesma forma. Claro, eu estou sendo realista, e percebo que ninguém é perfeito ... Como na outra noite me incomodou um pouco porque eu pensei que ela estava flertando um pouco com alguns caras em um clube em que estávamos ... mas nós dois estávamos bebendo muito e ela estava apenas se divertindo. Nós discutimos isso depois e resolvemos isso
David voltou na semana seguinte para me informar que decidira abandonar a terapia. "Tudo está indo tão bem na minha vida, eu simplesmente não consigo ver o que há para falar em terapia", explicou ele. “Minha depressão acabou, estou dormindo como um bebê, estou de volta ao trabalho indo muito bem e estou em um ótimo relacionamento que parece estar cada vez melhor. Acho que recebi algo de nossas sessões, mas agora não consigo gastar dinheiro em terapia quando não há nada para trabalhar. "
Eu disse a ele que estava feliz por ele estar indo tão bem, mas o lembrei de alguns dos problemas familiares que começamos a identificar e que podem ter levado a sua história de distimia crônica. Todo o tempo, termos psiquiátricos comuns como "resistência" e "defesas" começaram a surgir em minha mente.
Ele não estava convencido. "Bem, essas podem ser coisas que eu gostaria de ver algum dia", ele disse, "mas eu realmente acho que isso tem muito a ver com a solidão, com a sensação de que alguém está faltando, uma pessoa especial que eu poderia compartilhar coisas com, e agora eu encontrei ela.
Ele foi inflexível em seu desejo de terminar a terapia naquele dia. Fizemos um arranjo para que seu médico de família acompanhasse seu regime de medicação, passasse a sessão em revisão e fechamento, e acabei assegurando-lhe que minha porta estava aberta a qualquer momento.
Vários meses depois, David voltou ao meu escritório:
"Eu tenho sido infeliz", disse ele com um tom desanimado. “Da última vez que te vi, as coisas estavam indo tão bem. Eu realmente achei que tinha encontrado meu parceiro ideal. Eu até levantei o assunto do casamento. Mas parecia que quanto mais eu me aproximava, mais ela se afastava. Ela finalmente terminou comigo. Eu fiquei realmente deprimido de novo por algumas semanas depois disso. Eu até comecei a ligar para ela e desligar apenas para ouvir sua voz, e dirigir pelo seu trabalho só para ver se o carro dela estava lá. Depois de cerca de um mês, fiquei cansado de fazer isso - foi tão ridículo - e pelo menos meus sintomas de depressão melhoraram. Quer dizer, eu estou comendo e dormindo bem, ainda me saindo bem no trabalho, e tenho muita energia e tudo, mas ainda sinto como se uma parte de mim estivesse faltando. É como se eu estivesse de volta à estaca zero, sentindo o mesmo que há anos ... ”
Nós retomamos a terapia.
Parece claro que, como fonte de felicidade, o romance deixa muito a desejar. E talvez o Dalai Lama não esteja longe da verdade ao rejeitar a noção de romance como base para um relacionamento e descrever o romance como meramente "uma fantasia ... inatingível", algo que não é digno de nossos esforços. Em um exame mais detalhado, talvez ele estivesse objetivamente descrevendo a natureza do romance em vez de fornecer um juízo de valor negativo colorido por seus anos de treinamento como monge. Mesmo uma fonte de referência objetiva, como o dicionário, que contém mais de uma dúzia de definições de “romance” e “romântico”, é liberalmente apimentada com frases como “um conto fictício”, “um exagero”, “uma falsidade”, “ fantasiosa ou imaginativa ”,“ não é prático ”,“ sem base de fato ”,“ característica de ou fazer amor idealizado ou cortejar ”, e assim por diante. É aparente que em algum lugar ao longo da estrada da civilização ocidental ocorreu uma mudança. O conceito antigo de Eros, com o sentido subjacente de se tornar um, de fusão com outro, assumiu um novo significado. O romance adquiriu uma qualidade artificial, com sabores de fraude e fraude, a qualidade que levara Oscar Wilde a observar desoladamente: “Quando se está apaixonado, sempre se começa a enganar a si mesmo, e um acaba sempre enganando os outros. Isso é o que o mundo chama de romance ”.
Anteriormente, exploramos o papel da proximidade e da intimidade como um componente importante da felicidade humana. Não há dúvidas disso. Mas se alguém está procurando por uma satisfação duradoura em um relacionamento, a base desse relacionamento deve ser sólida. É por essa razão que o Dalai Lama nos encoraja a examinar a base subjacente de um relacionamento, caso nos encontremos em um relacionamento que está azedando. A atração sexual, ou mesmo a sensação intensa de se apaixonar, pode desempenhar um papel na formação de um vínculo inicial entre duas pessoas, para uni-las, mas como uma boa cola epóxi, esse agente de ligação inicial precisa ser misturado com outros ingredientes antes endurecerá em um vínculo duradouro. Ao identificar esses outros ingredientes, voltamos mais uma vez à abordagem do Dalai Lama de construir um forte relacionamento - baseando nosso relacionamento nas qualidades de afeição, compaixão e respeito mútuo como seres humanos. Basear um relacionamento nessas qualidades nos permite alcançar um vínculo profundo e significativo não apenas com nosso amante ou cônjuge, mas também com amigos, conhecidos ou estranhos - virtualmente qualquer ser humano. Abre possibilidades ilimitadas e oportunidades de conexão.
O VALOR E OS BENEFÍCIOS DA COMPAIXÃO
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DEFININDO A COMPAIXÃO
Conforme nossas conversas progrediram, descobri que o desenvolvimento da compaixão desempenha um papel muito maior na vida do Dalai Lama do que simplesmente um meio de cultivar um sentimento de carinho e afeição, um meio de melhorar nosso relacionamento com os outros. Ficou claro, de fato, que, como budista praticante, o desenvolvimento da compaixão era parte integrante de seu caminho espiritual.
"Dada a importância que o budismo atribui à compaixão como parte essencial do desenvolvimento espiritual de uma pessoa", perguntei, "você pode definir com mais clareza o que você quer dizer com 'compaixão'?"
O Dalai Lama respondeu: “A compaixão pode ser definida grosseiramente em termos de um estado mental que não é violento, não é prejudicial e não é agressivo. É uma atitude mental baseada no desejo de que os outros sejam livres de seu sofrimento e está associada a um senso de compromisso, responsabilidade e respeito em relação ao outro.
“Ao discutir a definição de compaixão, a palavra tibetana Tse-wa, há também um sentido para a palavra de ser um estado de espírito que pode incluir um desejo de coisas boas para si mesmo. Ao desenvolver a compaixão, talvez se possa começar com o desejo de se libertar do sofrimento, e depois levar esse sentimento natural para si mesmo e cultivá-lo, intensificá-lo e estendê-lo para incluir e abraçar os outros.
“Agora, quando as pessoas falam de compaixão, penso que muitas vezes há o perigo de confundir compaixão com apego. Então, quando discutimos a compaixão, devemos primeiro fazer uma distinção entre dois tipos de amor ou compaixão. Um tipo de compaixão é tingido de apego - o sentimento de controlar alguém ou amar alguém para que essa pessoa o ame de volta. Esse tipo comum de amor ou compaixão é bastante parcial e tendencioso. E um relacionamento baseado apenas nisso é instável. Esse tipo de relacionamento parcial, baseado em perceber e identificar a pessoa como um amigo, pode levar a um certo apego emocional e sentimento de proximidade. Mas se houver uma ligeira mudança na situação, talvez um desentendimento, ou se seu amigo fizer algo para deixá-lo com raiva, então, de repente, sua projeção mental muda; o conceito de "meu amigo" não está mais lá. Então você vai encontrar o apego emocional evaporando e, em vez desse sentimento de amor e preocupação, você pode ter um sentimento de ódio. Então, esse tipo de amor, baseado no apego, pode estar intimamente ligado ao ódio.
“Mas existe um segundo tipo de compaixão que é livre de tal apego. Isso é compaixão genuína. Esse tipo de compaixão não se baseia tanto no fato de que essa pessoa ou essa pessoa é querida para mim. Pelo contrário, a genuína compaixão baseia-se na lógica de que todos os seres humanos têm um desejo inato de ser felizes e superar o sofrimento, assim como eu. E, assim como eu, eles têm o direito natural de cumprir essa aspiração fundamental. Com base no reconhecimento dessa igualdade e comunalidade, você desenvolve um senso de afinidade e proximidade com os outros. Com isso como base, você pode sentir compaixão, independentemente de ver a outra pessoa como um amigo ou um inimigo. Baseia-se nos direitos fundamentais do outro e não na sua própria projeção mental. Com base nisso, então, você irá gerar amor e compaixão. Isso é compaixão genuína.
“Assim, pode-se ver como fazer a distinção entre esses dois tipos de compaixão e cultivar a genuína compaixão pode ser muito importante em nossa vida cotidiana. Por exemplo, no casamento há geralmente um componente de apego emocional. Mas acho que, se há um componente de genuína compaixão também, baseado no respeito mútuo como dois seres humanos, o casamento tende a durar muito tempo. No caso de apego emocional sem compaixão, o casamento é mais instável e tende a terminar mais rapidamente ”.
A ideia de desenvolver um tipo diferente de compaixão, uma compaixão mais universal, uma espécie de compaixão genérica, divorciada do sentimento pessoal, parecia uma tarefa difícil. Passando-o em minha mente, como se pensasse em voz alta, perguntei: “Mas o amor ou a compaixão é um sentimento subjetivo. Parece que o tom emocional ou o sentimento de amor ou compaixão seriam os mesmos, quer fossem "marcados com apego" ou "genuíno". Então, se a pessoa experimentasse a mesma emoção ou sentimento em ambos os tipos, por que é importante distinguir entre os dois?"
Com um tom decidido, o Dalai Lama respondeu: “Primeiro, penso que existe uma qualidade diferente entre o sentimento de amor genuíno, ou compaixão, e o amor baseado no apego. Não é o mesmo sentimento. O sentimento de genuína compaixão é muito mais forte, muito mais amplo; tem uma qualidade muito profunda. Além disso, amor genuíno e compaixão são muito mais estáveis, mais confiáveis. Por exemplo, se você vir um animal sofrendo intensamente, como um peixe se contorcendo com um anzol em sua boca, você poderá experimentar espontaneamente um sentimento de não suportar sua dor. Esse sentimento não é baseado em uma conexão especial com aquele animal em particular, um sentimento de "Oh, esse animal é meu amigo". Nesse caso, você está baseando sua compaixão simplesmente no fato de que esse ser também tem sentimentos, pode experimentar dor, e tem o direito de não sentir essa dor. Então, esse tipo de compaixão, não misturado com desejo ou apego, é muito mais sólido e durável a longo prazo. ”
Indo mais fundo no assunto da compaixão, continuei: “Agora, no seu exemplo de ver um peixe sofrendo intensamente com um gancho em sua boca, você traz à tona um ponto vital - que está associado a um sentimento de não ser capaz de suportar dor."
"Sim", disse o Dalai Lama. “De fato, em certo sentido, pode-se definir a compaixão como o sentimento de insuportabilidade diante do sofrimento de outras pessoas, do sofrimento de outros seres sencientes. E para gerar esse sentimento é preciso primeiro apreciar a seriedade ou intensidade do sofrimento do outro. Então, eu acho que quanto mais alguém entende o sofrimento, e os vários tipos de sofrimento a que estamos sujeitos, mais profundo será o nível de compaixão. ”
Eu levantei a questão: “Bem, eu aprecio o fato de que uma maior consciência do sofrimento do outro pode aumentar nossa capacidade de compaixão. De fato, por definição, compaixão envolve abrir-se ao sofrimento do outro. Compartilhando o sofrimento de outro. Mas há uma questão mais básica: por que queremos enfrentar o sofrimento de outro quando não queremos o nosso? Quero dizer, a maioria de nós faz um grande esforço para evitar nossa própria dor e sofrimento, até mesmo ao ponto de usar drogas e assim por diante. Por que então nós deliberadamente assumimos o sofrimento de outra pessoa? ”
Sem hesitar, o Dalai Lama respondeu: "Sinto que há uma diferença significativa entre o seu próprio sofrimento e o sofrimento que você pode experimentar em um estado de compaixão, no qual você assume e compartilha o sofrimento de outras pessoas - uma diferença qualitativa." e então, como se visse sem esforço meus próprios sentimentos no momento, ele continuou: “Quando você pensa sobre o seu próprio sofrimento, há uma sensação de estar totalmente sobrecarregado. Há um sentimento de estar sobrecarregado, de ser pressionado por algo - um sentimento de desamparo. Há um embotamento, quase como se suas faculdades estivessem entorpecidas.
“Agora, ao gerar compaixão, quando você está sofrendo o sofrimento de outra pessoa, você também pode experimentar inicialmente um certo grau de desconforto, um sentimento de desconforto ou insuportabilidade. Mas no caso da compaixão, o sentimento é muito diferente; subjacente ao sentimento desconfortável está um nível muito alto de alerta e determinação, porque você está voluntária e deliberadamente aceitando o sofrimento de outro para um propósito maior. Há um sentimento de conexão e compromisso, uma disposição para alcançar os outros, um sentimento de frescor, em vez de tédio. Isso é semelhante ao caso de um atleta. Durante um treinamento rigoroso, um atleta pode sofrer muito - malhar, suar, forçar. Eu acho que pode ser uma experiência dolorosa e cansativa. Mas o atleta não vê isso como uma experiência dolorosa. O atleta consideraria isso uma grande conquista, uma experiência associada a um sentimento de alegria. Mas se a mesma pessoa estivesse sujeita a algum outro trabalho físico que não fazia parte de seu treinamento atlético, então o atleta pensaria: 'Oh, por que fui submetido a essa provação terrível?' Então a atitude mental faz uma tremenda diferença. "
Essas poucas palavras, ditas com tal convicção, elevaram-me de um sentimento oprimido a um sentimento de possibilidade de resolução do sofrimento, de transcender o sofrimento.
“Você menciona que o primeiro passo para gerar esse tipo de compaixão é uma apreciação do sofrimento. Mas existem outras técnicas budistas específicas usadas para aumentar a compaixão? ”
"Sim. Por exemplo, na tradição mahayana do budismo, encontramos duas técnicas principais para cultivar a compaixão. Estes são conhecidos como o método de causa e efeito de até sete pontos e a “troca e igualdade de si mesmo com os outros”. O método de “troca e igualdade” é a técnica que você encontrará no oitavo capítulo de Guia de Shantideva para o Modo de Vida dos Bodhisatvas. Mas ”, disse ele, olhando para o relógio e percebendo que o nosso tempo estava acabando,“ eu acho que vamos praticar alguns exercícios ou meditações sobre compaixão durante as palestras públicas no final desta semana. ”
Com isso, ele sorriu calorosamente e levantou-se para terminar a nossa sessão.
REAL valor DA VIDA HUMANA
Continuando nossa discussão de compaixão em nossa próxima conversa, comecei: “Agora, temos falado sobre a importância da compaixão, sobre sua crença de que afeição humana, cordialidade, amizade e assim por diante são condições absolutamente necessárias para a felicidade. Mas eu estou apenas imaginando - suponha, digamos, um rico empresário veio até você e disse: "Sua Santidade, você diz que o calor e a compaixão são cruciais para alguém ser feliz. Mas por natureza eu não sou apenas uma pessoa muito calorosa ou carinhosa. Para ser sincero, não me sinto particularmente compassivo ou altruísta. Eu costumo ser uma pessoa bastante racional, prática e talvez intelectual, e eu simplesmente não sinto esse tipo de emoção. No entanto, sinto-me bem com a minha vida, sinto-me feliz com a minha vida do jeito que é. Eu tenho um negócio muito bem sucedido, amigos, e eu cuido da minha esposa e filhos e pareço ter um bom relacionamento com eles. Eu só não sinto que está faltando alguma coisa. Desenvolver a compaixão, o altruísmo, o calor e assim por diante soa bem, mas, para mim, qual é o objetivo? Parece tão sentimental ... ”
“Primeiro de tudo”, respondeu o Dalai Lama, “se uma pessoa dissesse isso, eu ainda teria dúvidas se essa pessoa estava realmente feliz no fundo. Eu realmente acredito que a compaixão fornece a base da sobrevivência humana, o valor real da vida humana, e sem isso há uma peça básica faltando. Uma sensibilidade profunda aos sentimentos dos outros é um elemento de amor e compaixão, e sem isso, por exemplo, acho que haveria problemas na capacidade do homem de se relacionar com a esposa. Se a pessoa realmente tivesse essa atitude de indiferença em relação aos sofrimentos e sentimentos dos outros, então, mesmo que fosse bilionário, tivesse uma boa educação, não tivesse problemas com sua família ou filhos e estivesse cercada de amigos, outros ricos empresários, políticos e Líderes das nações, penso que, apesar de todas essas coisas, o efeito de todas essas coisas positivas permaneceria na superfície.
"Mas se ele continuasse a afirmar que não sentia compaixão, mas não sentia nada faltando ... então seria um pouco difícil ajudá-lo a entender a importância da compaixão ..."
O Dalai Lama parou de falar por um momento para refletir. Suas pausas intermitentes, que ocorreram durante nossas conversas, não pareciam criar um silêncio constrangedor; em vez disso, eles eram como uma força gravitacional, acumulando maior peso e significado para suas palavras quando a conversa recomeçou.
Finalmente, ele continuou: “Ainda assim, mesmo se fosse esse o caso, há várias coisas que eu poderia apontar. Primeiro, posso sugerir que ele reflita sobre sua própria experiência. Ele pode ver que, se alguém o trata com compaixão e afeto, isso faz com que ele se sinta feliz. Assim, com base nessa experiência, isso o ajudaria a perceber que outras pessoas também se sentem bem quando são mostradas calor e compaixão. Portanto, reconhecer esse fato pode torná-lo mais respeitoso com a sensibilidade emocional de outras pessoas e torná-lo mais propenso a dar-lhes compaixão e calor. Ao mesmo tempo, ele descobriria que, quanto mais você dá calor aos outros, mais calor você recebe. Eu não acho que levaria muito tempo para perceber isso. E como resultado, isso se torna a base da confiança mútua e da amizade.
Agora suponha que este homem tivesse todas essas facilidades materiais, fosse bem sucedido na vida, rodeado de amigos, financeiramente seguro e assim por diante. Eu acho que é até possível que sua família e filhos possam se relacionar com ele e experimentar um tipo de contentamento porque o homem é bem-sucedido e eles têm muito dinheiro e uma vida confortável. Eu acho que é concebível que até certo ponto, mesmo sem sentir calor humano e afeição, ele não experimente um sentimento de falta de algo. Mas se ele sentiu que tudo estava bem, que não havia um requisito real para desenvolver a compaixão, eu sugeriria que essa visão é devida à ignorância e falta de visão. Mesmo que parecesse que os outros estavam se relacionando com ele completamente, na realidade, o que está acontecendo é que grande parte do relacionamento ou interação com ele se baseia em sua percepção dele como um recurso bem-sucedido e rico. Eles podem ser influenciados por sua riqueza e poder e se relacionar com isso, e não com a própria pessoa. Assim, em certo sentido, embora possam não receber calor humano e afeição por parte dele, podem estar contentes; eles podem não esperar mais. Mas o que acontece é que, se sua fortuna declinou, então essa base do relacionamento enfraqueceria. Então ele começaria a ver o efeito de não ter calor e imediatamente começar a sofrer.
“No entanto, se as pessoas tiverem compaixão, naturalmente isso é algo com o qual elas podem contar; mesmo que tenham problemas econômicos e sua fortuna diminua, eles ainda têm algo a compartilhar com outros seres humanos. As economias mundiais são sempre tão tênues e estamos sujeitos a tantas perdas na vida, mas uma atitude compassiva é algo que sempre podemos carregar conosco ”.
Um atendente vestido de marrom entrou na sala e silenciosamente serviu chá, enquanto o Dalai Lama continuava: “Claro que, ao tentar explicar a alguém a importância da compaixão, em alguns casos, você pode estar lidando com um indivíduo muito endurecido, individualista e pessoa egoísta, alguém preocupado apenas com seus próprios interesses. E é até possível que existam pessoas que podem não ter a capacidade de se identificar com alguém que amam ou que estejam perto delas. Mas mesmo para essas pessoas, ainda é possível apresentar a importância da compaixão e do amor, alegando que essa é a melhor maneira de satisfazer seus interesses próprios. Eles desejam ter boa saúde, viver uma vida mais longa e ter paz de espírito, felicidade e alegria. E se estas são coisas que eles desejam, eu ouvi dizer que há até evidências científicas de que essas coisas podem ser aumentadas por sentimentos de amor e compaixão ... Mas como um médico, um psiquiatra, talvez você conheça melhor sobre esses conhecimentos científicos. reivindicações?
"Sim", eu concordei. "Eu acho que definitivamente há evidências científicas de apoio para sustentar as alegações sobre os benefícios físicos e emocionais de estados mentais compassivos."
“Então, acho que educar alguém sobre esses fatos e estudos científicos poderia certamente encorajar algumas pessoas a cultivar um estado de espírito mais compassivo ...”, comentou o Dalai Lama. “Mas acho que, além desses estudos científicos, há outros argumentos que as pessoas podem entender e apreciar a partir de sua própria experiência prática ou cotidiana. Por exemplo, você poderia apontar que a falta de compaixão leva a uma certa crueldade. Há muitos exemplos que indicam que, em algum nível no fundo, pessoas implacáveis geralmente sofrem de uma espécie de infelicidade e descontentamento, pessoas como Stalin e Hitler. Essas pessoas sofrem de uma espécie de sensação incômoda de insegurança e medo. Mesmo quando eles estão dormindo, acho que a sensação de medo permanece ... Tudo isso pode ser muito difícil para algumas pessoas entenderem, mas uma coisa que você pode dizer é que essas pessoas não têm algo que você possa encontrar em uma pessoa mais compassiva - sensação de liberdade, uma sensação de abandono, então quando você dorme você pode relaxar e deixar ir. Pessoas implacáveis nunca têm essa experiência. Algo está sempre segurando-os; existe algum tipo de controle sobre eles, e eles não são capazes de experimentar essa sensação de deixar ir, essa sensação de liberdade. ”
Ele parou por um momento, distraidamente coçando a cabeça, depois continuou: - Embora eu esteja apenas especulando, eu diria que se você perguntasse a algumas dessas pessoas implacáveis: “Quando você estava mais feliz, durante sua infância, quando estava sendo cuidado? por sua mãe e teve mais proximidade com sua família, ou agora, quando você tem mais poder, influência e posição? ”Eu acho que eles diriam que sua juventude era mais agradável. Acho que até mesmo Stalin foi amado por sua mãe na infância. ”
“Ao mencionar Stalin”, observei, “acho que você encontrou um exemplo perfeito do que está dizendo, das conseqüências de viver sem compaixão. É bem sabido que as duas principais características que caracterizaram sua personalidade foram sua crueldade e sua desconfiança. Ele via a crueldade como uma virtude, na verdade, e mudou seu nome de Djugashvili para Stalin, que significa "homem de aço". E como sua vida proQuanto mais implacável ele se tornava, mais desconfiado ele se tornava. Sua desconfiança era lendária. Seu medo e desconfiança dos outros acabaram levando a expurgos e campanhas maciças contra vários grupos de pessoas em seu país, resultando na prisão e execução de milhões de pessoas. Mas ele ainda continuou a ver inimigos em todos os lugares. Não muito antes de sua morte, ele disse a Nikita Khrushchev: "Não confio em ninguém, nem em mim mesmo". No final, ele até ligou sua equipe mais fiel. E, claramente, quanto mais implacável e poderoso ele se tornava, mais infeliz ele ficava. Um amigo disse que, finalmente, a única característica humana que ele havia deixado era sua infelicidade. E sua filha Svetlana descreveu como ele era atormentado pela solidão e por um vazio interior e chegou ao ponto em que ele não acreditava mais que as pessoas eram capazes de ser genuinamente sinceras ou afetuosas.
“De qualquer forma, sei que seria muito difícil entender pessoas como Stalin e por que fizeram as coisas horríveis que fizeram. Mas um dos pontos sobre os quais estamos falando é que mesmo esses exemplos extremos de pessoas implacáveis podem olhar para trás com nostalgia em alguns aspectos mais agradáveis de sua infância, como o amor que eles receberam de suas mães. Mas onde é que isso deixa muitas pessoas que não tiveram uma infância agradável ou mães amorosas? Pessoas que foram abusadas e assim por diante? Agora estamos discutindo o tema da compaixão. Para que as pessoas desenvolvam a capacidade de compaixão, você não acha que é necessário que elas sejam educadas por pais ou cuidadores que lhes mostraram calor e afeição? ”
"Sim, eu acho que é importante." Ele fez uma pausa, habilmente e automaticamente girando seu rosário entre os dedos enquanto refletia. “Há algumas pessoas que, desde o começo, sofreram muito e careciam da afeição dos outros - de modo que mais tarde na vida parece quase como se não tivessem sentimento humano, nenhuma capacidade de compaixão e afeição, aqueles que são endurecidos e brutais. ... O Dalai Lama fez outra pausa e, por vários momentos, pareceu refletir seriamente sobre a questão. Enquanto se inclinava sobre o chá, até o contorno dos ombros sugeria que ele estava imerso em pensamentos. Ele não mostrou inclinação para continuar imediatamente, e nós bebemos nosso chá em silêncio. Finalmente, encolheu os ombros, como se reconhecesse que não tinha solução.
“Então você acha que as técnicas para melhorar a empatia e desenvolver a compaixão não seriam úteis para pessoas com esse tipo de experiência difícil?”
"Há sempre diferentes graus de benefícios que alguém pode receber praticando vários métodos e técnicas, dependendo das circunstâncias particulares", explicou ele. "Também é possível que, em alguns casos, essas técnicas possam não ser eficazes ..."
Tentando esclarecer, eu interrompi: "E as técnicas específicas para melhorar a compaixão a que você está se referindo são ...?"
“Apenas o que nós temos falado sobre. Primeiro, aprendendo, compreendendo completamente o valor da compaixão - isso lhe dá um sentimento de convicção e determinação. Então, empregando métodos para melhorar a empatia, como usar sua imaginação, sua criatividade, para visualizar a si mesmo na situação de outra pessoa. E no final desta semana nas palestras públicas discutiremos certos exercícios ou práticas que você pode realizar, como a prática de Tong-Len, que serve para fortalecer sua compaixão. Mas acho importante lembrar que essas técnicas, como a prática de Tong-Len, foram desenvolvidas para ajudar o maior número possível de pessoas, pelo menos em parte da população humana. Mas nunca se esperou que essas técnicas pudessem ajudar 100% das pessoas, toda a população humana.
“Mas o ponto principal é realmente ... se estamos falando de vários métodos para desenvolver a compaixão - o importante é que as pessoas fazem um esforço sincero para desenvolver sua capacidade de compaixão. O grau em que eles realmente serão capazes de cultivar a compaixão depende de tantas variáveis, quem pode dizer? Mas se eles fizerem o melhor para serem mais bondosos, cultivarem a compaixão e tornarem o mundo um lugar melhor, então no final do dia eles poderão dizer: "Pelo menos eu fiz o melhor que posso!"
OS BENEFÍCIOS DA COMPASSÃO
Nos últimos anos tem havido muitos estudos que apoiam a ideia de que o desenvolvimento da compaixão e do altruísmo tem um impacto positivo em nossa saúde física e emocional. Em um experimento bem conhecido, por exemplo, David McClelland, um psicólogo da Universidade de Harvard, mostrou a um grupo de estudantes um filme de Madre Teresa trabalhando entre os doentes e os pobres de Calcutá. Os alunos relataram que o filme estimulou sentimentos de compaixão. Posteriormente, ele analisou a saliva dos alunos e encontrou um aumento na imunoglobulina A, um anticorpo que pode ajudar a combater infecções respiratórias. Em outro estudo feito por James House no Centro de Pesquisa da Universidade de Michigan, os pesquisadores descobriram que fazer um trabalho voluntário regular, interagindo com os outros de maneira calorosa e compassiva, aumentava drasticamente a expectativa de vida e, provavelmente, também a vitalidade geral. Muitos outros pesquisadores no novo campo da medicina mente-corpo demonstraram descobertas semelhantes, documentando que estados mentais positivos podem melhorar nossa saúde física.
Além dos efeitos benéficos na saúde física, há evidências de que a compaixão e o comportamento de cuidado contribuem para uma boa saúde emocional. Estudos têm mostrado que chegar para ajudar os outros pode induzir um sentimento de felicidade, uma mente mais calma e menos depressão. Em um estudo de trinta anos de um grupo de graduados em Harvard, o pesquisador George Vaillant concluiu, de fato, que a adoção de um estilo de vida altruísta é um componente crítico da boa saúde mental. Outra pesquisa de Allan Luks, realizada com milhares de pessoas que estavam regularmente envolvidas em atividades de voluntariado que ajudaram outras pessoas, revelou que mais de 90% desses voluntários relataram uma espécie de “alta” associada à atividade, caracterizada por uma sensação de calor, mais energia e uma espécie de euforia. Eles também tinham uma sensação distinta de calma e maior auto-estima após a atividade. Esses comportamentos de cuidado não apenas proporcionaram uma interação que era emocionalmente nutritiva, mas também foi descoberto que essa “calma de ajuda” estava ligada ao alívio de uma variedade de distúrbios físicos relacionados ao estresse também.
Embora a evidência científica apóie claramente a posição do Dalai Lama sobre o valor real e prático da compaixão, não é necessário confiar apenas em experimentos e pesquisas para confirmar a verdade dessa visão. Podemos descobrir os vínculos estreitos entre carinho, compaixão e felicidade pessoal em nossas próprias vidas e nas vidas daqueles que nos rodeiam. Joseph, um empreiteiro de sessenta anos que conheci há alguns anos, serve como uma boa ilustração disso. Por trinta anos Joseph montou o trem de molho, capitalizando em um boom de construção aparentemente ilimitado no Arizona para se tornar um multimilionário. No final dos anos 80, no entanto, ocorreu o maior acidente imobiliário na história do Arizona. José foi fortemente alavancado e perdeu tudo. Ele acabou declarando falência. Seus problemas financeiros criaram uma tensão em seu casamento, que finalmente resultou em um divórcio depois de vinte e cinco anos de casamento. Não surpreendentemente, Joseph não levou tudo isso muito bem. Ele começou a beber muito. Felizmente, ele conseguiu parar de beber com a ajuda de AA. Como parte de seu programa de AA, ele se tornou um patrocinador e ajudou outros alcoólatras a permanecerem sóbrios. Ele descobriu que gostava de seu papel como patrocinador, procurando ajudar os outros e começou a se voluntariar em outras organizações também. Ele colocou seu conhecimento de negócios para ajudar os economicamente desprivilegiados. Ao falar sobre sua vida atual, Joseph disse: “Eu possuo um pequeno negócio de reforma agora. Traz uma renda modesta, mas percebo que nunca serei tão rico quanto antes. O engraçado é que eu não quero esse tipo de dinheiro novamente. Eu prefiro muito mais gastar meu tempo como voluntário para diferentes grupos, trabalhando diretamente com as pessoas, ajudando-as da melhor maneira possível. Hoje em dia, eu me divirto mais puro em um dia do que em um mês quando estava ganhando muito dinheiro. Estou mais feliz do que já estive na minha vida! ”
MEDITAÇÃO DA COMPAIXÃO
Como prometido durante o curso de nossas conversas, fiel à sua palavra, o Dalai Lama concluiu uma palestra pública no Arizona com uma meditação sobre a compaixão. Foi um exercício simples. No entanto, de uma maneira poderosa e elegante, ele pareceu resumir e cristalizar sua discussão anterior sobre compaixão, transformando-a em um exercício formal de cinco minutos que era direto e direto ao ponto.
“Ao gerar compaixão, você começa reconhecendo que não quer sofrer e que tem o direito de ter felicidade. Isso pode ser verificado ou validado por sua própria experiência. Você então reconhece que outras pessoas, assim como você, também não querem sofrer e que elas têm o direito de ter felicidade. Então isso se torna a base do seu começo para gerar compaixão.
“Então ... vamos meditar na compaixão hoje. Comece visualizando uma pessoa que esteja agudamente sofrendo, alguém que esteja sofrendo ou esteja em uma situação muito infeliz. Durante os primeiros três minutos da meditação, reflita sobre o sofrimento do indivíduo de uma maneira mais analítica - pense em seu intenso sofrimento e no estado infeliz da existência dessa pessoa. Depois de pensar sobre o sofrimento dessa pessoa por alguns minutos, em seguida, tente relacionar isso a si mesmo, pensando: 'esse indivíduo tem a mesma capacidade de sentir dor, alegria, felicidade e sofrimento que eu sinto'. resposta natural a surgir - um sentimento natural de compaixão por essa pessoa. Tente chegar a uma conclusão: pensando o quanto você deseja que essa pessoa esteja livre desse sofrimento. E resolva que você ajudará essa pessoa a ser aliviada de seu sofrimento. Por fim, coloque sua mente de maneira incisiva nesse tipo de conclusão ou resolução e, nos últimos minutos da meditação, tente simplesmente gerar sua mente em um estado de compaixão ou amor. ”
Com isso, o Dalai Lama assumiu uma postura de meditação de pernas cruzadas, permanecendo completamente imóvel enquanto praticava a meditação junto com o público. Silêncio absoluto. Mas havia algo de muito agitado em sentar-se entre a assembléia naquela manhã. Imagino que mesmo o indivíduo mais endurecido não poderia deixar de ser movido quando cercado por mil e quinhentas pessoas, cada uma delas segurando o pensamento de compaixão em suas mentes. Depois de alguns minutos, o Dalai Lama entrou em um baixo canto tibetano, sua voz profunda, melódica, suavemente quebrando e caindo em tons que acalmavam, confortavam.
COMO ENCARAR O SOFRIMENTO
Na época do Buda, uma mulher chamada Kisagotami sofreu a morte do seu filho único. Sem conseguir aceitar o fato, ela corria de um a outro, em busca de um remédio que restaurasse a vida da criança. Dizia-se que o Buda teria esse medicamento.
Kisagotami foi ao Buda, fez-lhe reverência e apresentou seu pedido.
- O Buda pode fazer um remédio que recupere meu filho?
- Sei da existência desse remédio - respondeu o Buda. - Mas para fazê-lo, preciso ter certos ingredientes.
- Quais são os ingredientes necessários? - perguntou a mulher, aliviada.
- Traga-me um punhado de sementes de mostarda - disse o Buda. A mulher prometeu obter o ingrediente para ele; mas, quando ela estava saindo, o Buda acrescentou
um detalhe. - Exijo que
a semente de mostarda seja retirada de uma casa na quual não tenha havido morte de criança, cônjuge, genitor ou criado. .
A mulher concordou e começou a ir de casa en^n casa à pro~cura da semente de mostarda. Em cada casa, as pessoas concordavam em lhe dar as sementes; mas, quando ela lhes poerguntava se havia ocorrido alguma morte naquela residência, nãão conseguiu encontrar uma casa que não tivesse sido visitada pelaa morte. Uma filha nessa aqui, um criado na outra, em outras um mnarido ou pa.i haviam morrido.
Kisagotami não conseguiu encontrasar um lar quer fosse imune ao sofrimento da morte.
Vendo que não) estava só na sua dor, a mãe desapegou-se do corpo inerte do filhco e voltou a<:> Buda, que disse com enorme compaixão:
- Você achava que só você tinha perdido um fitilho. A lei da morte consiste em não haver permanência entre todas as criaturas vivas.
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
uma coleção de mecanismos internos - defesas psicológicas, muitas vezes inconscientes, que nos protegem, impedindo que sintamos um excesso de angústia e dor emocional quando deparamos com problemas. Ocasionalmente, esses mecanismos de defesa podem ser totalmente primitivos, como a simples recusa a admitir que exista um problema.
Outras vezes, podemos reconhecer vagamente que temos um problema, mas mergulhamos num milhão de distrações ou divertimentos para evitar pensar no assunto.
ou poderíamos,
ainda, recorrer à projeção - incapazes de aceitar que temos um problema, projetamos a questão inconscientemente nos outros e os culpamos pelo nosso sofrimento: "É, estou péssimo. Mas não sou eu quem está com o problema. É outra pessoa. Se não fosse aquele maldito chefe me atormentando o tempo todo [oùmeu sócio me ignorando'
ou...], tudo estaria bem."
O sofrimento somente pode ser evitado temporariamente. No entanto, como uma doença que se deixa sem tratamento (ou talvez que seja tratada superficialmente com medicamentos que apenas mascaram os sintomas mas não curam a condição original), o mal invariavelmente supura e se agrava. A euforia causada pelas drogas ou pelo álcool sem dúvida alivia nossa dor por um tempo; mas, com ouso contínuo, os danos físicos que atingem nosso corpo e o dano social às nossas vidas podem resultar em sofrimento muito maior do que a insatisfação difusa ou a aguda doer emocional que nos levaram a essas substâncias para começar. As defesas psicológicas internas, como a negação om a repressão, podem atuar como um escudo e nos proteger da sensação de dor por um período um pouco maior,
Im
mas mesmo assim elas não fazem com que o sofrimento desapareça.
Randall perdeu o pai, com câncer, há pouco mais de um ano. Era muito amigo do pai, e na época todos ficaram surpresos ao ver como ele aceitou bem a morte.
- É claro que estou triste - explicava ele, com estoicismo na voz. - Mas no fundo estou bem. Vou sentir falta dele, mas a vida continua. E seja como for, agora não posso me concentrar na falta que ele me faz. Preciso organizar o enterro e me encarregar do espólio para minha mãe... Mas vai dar tudo certo - dizia ele a todos, em tom tranqüilizador.
Um ano mais tarde, porém, pouco depois de se completar um ano da morte do pai, Randall começou a mergulhar em espiral numa grave depressão.
- Simplesmente não consigo entender o que está causando essa depressão -
explicou-me quando veio me ver. - Tudo parece estar indo bem neste exato momento.
Não pode ser a morte do meu pai. Ele morreu há mais de um ano, e eu já aceitei sua morte.
Com pouquíssima terapia, no entanto, tornou-se claro que, no esfor~o de manter as emoções sob rigoroso controle, a fim dèser forte", ele nunca havia lidado plenamente com seus sentimentos de perda e dor. Esses sentimentos continuaram a crescer até que finalmente se manifestaram como uma depressão arrasadora, à qual ele se viu forçado a dar atenção.
No caso de Randall, sua depressão desapareceu com bastante rapidez à medida que concentramos a atenção na dor e nos sentimentos de perda, e que ele pôde encarar e vivenciar sua dor plenamente. Às vezes, porém, nossas es-
tratégias inconscientes no sentido de evitar encarar nossos problemas são mais arraigadas - são mecanismos de defesa profundamente entranhados que podem se incorporar
à nossa personalidade e que são difíceis de extrair.
- No dia-a-dia da nossa vida, as situações difíceis fatalmente irão acontecer. Os maiores problemas na nossa vida são aqueles que inevitavelmente somos forçados a enfrentar, como a velhice, a doença e a morte. Procurar evitar nossos problemas ou simplesmente não pensar neles pode proporcionar um alívio temporário, mas na minha opinião há uma abordagem melhor. Se enfrentarmos diretamente nosso sofrimento, estaremos em melhor posição para apre-
ciar a profundidade do problema e sua natureza. Na guerra, enquanto permanecermos na ignorância do status e da capacidade bélica do inimigo, estaremos totalmente despreparados e paralisados pelo medo. Porém, se conhecermos a capacidade bélica do inimigo, que tipos de armas ele possui e assim por diante, nesse caso estaremos em posição muito melhor quando travarmos combate. Da mesma forma, se enfrentarmos nossos problemas em vez de evitá-los, estaremos em melhor posição para lidar com
Esse modo de enfocar nossos problemas era nitidamente razoável, mas eu quis aprofundar um pouco mais a questão.
- É, mas e se enfrentássemos um problema de frente e descobríssemos que não há solução para ele? É algo bem difícil de encarar.
- Mas ainda assim acho que é melhor encarar essa realidade - respondeu ele, em tom marcial. - Por exemplo, poderíamos considerar negativos e indesejáveis aspecto como a velhice e a morte; e poderíamos simplesmente ten-. tar nos esquecer da sua existência. Mas com o tempo elegi acabam ocorrendo de qualquer modo. E se estivemos evi._ tando pensar nesses acontecimentos, quando chegar o diã em que ocorram, tudo virá como um choque, causando umã insuportável perturbação mental.
No entanto, se dedicarmos algum tempo a pensar na velhice, na morte e em outras tristezas, nossa mente estará muito mais estável quando elas surgirem, já que estaremos familiarizados com esses pre_ blemas e tipos de sofrimento, e teremos previsto que ocoL-
reriam.
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"É por isso que acredito que possa ser útil uma preparação antecipada através da familiarização com os tipos de sofrimento que poderíamos enfrentar.
Voltando a usar ~a analogia do combate, refletir sobre o sofrimento pode ser encarado como um exercício militar. Pessoas que nunca ouviram falar em guerra, armas, bombardeios e similares poderiam desmaiar se precisassem travar combate. No entanto, através de treinamento militar, a mente poderia se familiarizar com o que pudesse ocorrer; de modo que, se eclodisse uma guerra, não seria tão difícil encará-la."
- Bem, dá para entender como a familiarização com os tipos de sofrimento que poderíamos enfrentar teria algum ,valor na redução do medo e da apreensão, mas ainda me parece que certos dilemas não apresentam nenhuma opção além da possibilidade do sofrimento. Como podemos evitar a preocupação nessas circunstâncias?
- Um dilema como o quê, por exemplo?
Parei para refletir um pouco.
- Bem, digamos que uma mulher esteja grávida e que um exame do líquido amniótico ou uma ultra-sonografia revele que a criança terá um grave defeito de nascença.
Descobrem que a criança terá alguma deficiência mental ou física de extrema gravidade.
Portanto, é 'óbvio que a mulher seja tomada pela ansiedade por não saber o que fazer. Ela pode resolver agir diante da situação e fazer um aborto, para poupar o bebê de toda uma vida de sofrimento; mas nesse caso ela pode passar por um sentimento de enorme perda e dor; e talvez tenha outros sentimentos, como a culpa. Ou ainda, ela pode optar por deixar a natureza seguir seu curso e ter o bebê.
Nesse caso, porém, ela pode ter
de encarar toda uma vida de dificuldades e sofrimento para
- Se abordamos esses problemas a partir da perspectiva ocidental ou da budista, esses tipos de dilema são extremamente difíceis - respondeu ele, num tom algo melancólico. - Nesse seu exemplo sobre a decisão de abortar o feto com um problema genético... ninguém sabe no fundo o que seria melhor a longo prazo. Mesmo que uma criança nasça com uma deficiência, talvez a longo prazo isso seja melhor para a mãe, para a família ou para a própria criança. Mas existe também a possibilidade de que, levando-se em conta as conseqüências futuras, talvez fosse melhor abortar.
Talvez essa solução fosse mais positiva no final das contas. Enfim, quem decide?
É muito difícil. Mesmo do ponto de vista do budismo, esse tipo de decisão fica além da nossa capacidade racional. - Ele fez uma pausa e acrescentou. - Na minha opinião, porém, a formação e as crenças da pessoa teriam um papel no modo pelo qual cada indivíduo poderia reagir a esse tipo de situação complicada...
Ficamos algum tempo sentados em silêncio. Afinal ele falou, abanando a cabeça.
- Quando refletimos sobre os tipos de sofrimento aos quais estamos sujeitos, podemos nos preparar mentalmente para esses fatos com antecedência até certo ponto, relembrando-nos de que podemos deparar com esses tipos de dilema na nossa vida. Podemos, portanto, nos preparar em termos mentais. Não deveríamos, entretanto, ignorar o fato de que essa atitude não ameniza a situação. Ela pode nos ajudar a lidar mentalmente com a situação, a reduzir
o medo e assim por diante, mas não ameniza o problema em si. Por exemplo, se vai nascer uma criança com um defeito congênito, por mais que se tenha pensado sobre isso com antecedência, ainda assim é preciso descobrir uma forma de lidar com a situação. E isso continua sendo difícil.
Enquanto ele dizia essas palavras, havia uma nota de tristeza na sua voz - mais do que uma nota, talvez um acorde. Mas a melodia que a acompanhava não era de desesperança. Por um minuto inteiro, o Dalai-Lama permaneceu mais uma vez calado, olhando pela janela como se dali estivesse contemplando o mundo inteiro.
Depois,
prosseguiu.
- Não há como evitar o fato de que o sofrimento faz parte da vida. E naturalmente temos uma tendência a não apreciar nosso sofrimento e nossos problemas.
Creio, porém, que em geral as pessoas não consideram que a própria natureza da nossa existência seja caracterizada pelo sofrimento... - De repente, o Dalai-Lama começou a rir. Ou seja, no dia do nosso aniversário as pessoas costumam dizer "Feliz aniversário!", quando na realidade o dia do nosso nascimento foi o dia do nascimento do sofrimento. Só que ninguém diz "Feliz dia-do-nascimento-do-sofrimento!" -
comentou ele em tom de brincadeira.
- Ao aceitar que o sofrimento faz parte da nossa existência diária, poderíamos começar pelo exame dos fatores que normalmente fazem surgir sentimentos de insatisfação e infelicidade mental. Em geral, por exemplo, nós nos sentimos felizes se nós mesmos, ou pessoas que nos são chegadas, recebemos elogios, temos acesso à fama, à fortuna e a outras coisas agradáveis. E nos sentimos infelizes e insatisfeitos se não obtemos esses sinais de sucesso ou se eles
vão para as mãos de algum rival nosso. Se observarmos o dia-a-dia de uma vida normal, porém, , com freqüência descobriremos que são vários fatores e condições que causam dor, sofrimento e insatisfação, ao passo que as condições que fazem surgir a alegria e a felicidade são raras em comparação. Temos de passar por isso, quer gostemos quer não. E, gomo essa . é a realidade da nossa existência, talvez precisemos modificar nossa atitude diante do sofrimento. Nossa atitude diante do sofrimento passa a ser muito importante porque ela pode afetar nosso modo de lidar com o sofrimento quando ele surgir. Ora, nossa atitude habitual consiste numa intensa aversão e intolerância à nossa dor e sofrimento. Entretanto, se pudermos transformar nossa atitude diante do sofrimento, adotar uma postura que nos permita urna maior tolerância quanto a ele, isso poderá ajudarem mito a neutralizar sentimentos de infelicidade, insatisfação e desgosto.
"No meu caso pessoal, a prática mais forte e mais eficaz para ajudar a tolerar o sofrimento consiste em ver e entender que o sofrimento é a natureza essencial da Samsara*, da existência não iluminada. Ora, quando passamos por alguma dor física ou qualquer outro problema, naturalmen-
te naquele instante há uma sensação de queixa, porque o sofrimento é muito forte. Há um sentimento de rejeição associado ao sofrimento, como se não devêssemos estar passando por aquilo. Naquele instante, porém, se pudermos encarar a situação de outro ângulo e perceber que este corpo... - ele deu um tapa no braço gomo demonstração
- é a própria base do sofrimento, isso reduz aquele sentimento de rejeição... aquele sentimento de que de algum modo não merecemos sofrer, de que somos vítimas.
Portanto, uma vez que compreendamos e aceitemos essa realidade, passaremos a vivenciar o sofrimento como algo que é perfeitamente natural.
"Logo, por exemplo, quando lidamos com o sofrimento pelo qual passou o povo tibetano, por um lado, poderíamos observar a situação e nos sentir arrasados, perguntando a nós mesmos: `Como é que foi acontecer uma coisa dessas?' Já de outro ângulo poderíamos refletir sobre o fato de que o Tibete também se encontra no meio da Samsara - disse ele, com uma risada -, da mesma forma que o planeta e a galáxia inteira. - Ele riu novamente.
- Por isso, seja como for, nosso modo de perceber a vida como um todo influencia nossa atitude diante do sofrimento. Por exemplo, se nosso enfoque básico é o de que o sofrimento é negativo, precisa ser evitada a todo custo e, em certo sentido, é um sinal de fracasso, essa postura acrescentará um nítido componente psicológico de ansiedade e intolerância quando enfrentarmos circunstâncias difíceis, uma sensação de estar arrasado. Por outro lado, se nosso enfoque básico aceitar que o sofrimento é uma parte natural da existência, isso indubitavelmente nos tornará
mais tolerantes diante das adversidades da vida. E, sem um certo grau de tolerância para com o sofrimento, nossa vida passa a ser insuportável. É como passar uma noite péssima. Essa noite parece eterna; parece que não vai terminar nunca.
- A meu ver, quando o senhor diz que a natureza implícita da existência é caracterizada pelo sofrimento, que em sua essência ela é insatisfatória, isso me sugere uma visão bastante pessimista, na realidade bem desanimadora - comentei. O
Dalai-Lama rapidamente esclareceu sua posição.
- Quando falo da natureza insatisfatória da existência, é preciso entender que isso se insere no contexto do caminho budista como um todo. Essas reflexões precisam ser compreendidas no seu contexto adequado, que é dentro das coordenadas do caminho budista. Se não se tiver essa visão do sofrimento dentro do seu contexto adequado, concordo que existe um perigo, ou mesmo uma probabilidade, de que esse tipo de abordagem seja considerado equivocadamente como bastante pessimista e negativo.
Conseqüentemente, é importante compreender a postura básica do budismo diante de toda a questão do sofrimento. Isso nós encontramos nos próprios ensinamentos públicos do Buda. O primeiro ponto
que ele ensinou foi o princípio das Quatro Nobres Verdades, a primeira das quais é a Verdade do Sofrimento. E, nesse princípio, dá-se muita ênfase à conscientização da natureza sofredora da nossa existência.
"O que temos de ter em mente é que a razão pela qual é tão importante refletir sobre o sofrimento está na possibilidade de uma saída, de uma alternativa.
Existe a possibilidade de nos liberarmos do sofrimento. Com a eliminação
das causas do sofrimento, é possível alcançar um estado de Liberação, um estado imune ao sofrimento. De acordo com o pensamento budista, as causas primeiras do sofrimento são a ignorância, a ganância e o ódio. Esses são considerados os `três venenos da mente'. Esses termos têm conotações específicas quando usados dentro de um contexto budista. Por exemplo, a ìgnorância' não se refere a uma falta de informação, como o termo é usado no sentido corriqueiro, mas se refere, sim, a um equívoco fundamental de percepção da verdadeira natureza do eu e de todos os fenômenos. Quando geramos uma percepção profunda da verdadeira natureza da realidade e eliminamos estados mentais aflitivos, tais como a ganância e o ódio, podemos atingir um estado mental totalmente purificado, livre do sofrimento. Dentro de um contexto budista, quando refletimos sobre o fato de que nossa existência normal do dia-adia é caracterizada pelo sofrimento, isso serve para nos estimular a adotar práticas que eliminem as causas primeiras do nosso sofrimento. Se não fosse assim, se não houvesse esperança, nem nenhuma possibilidade de nos livrarmos do sofrimento, a simples reflexão
sobre o sofrimento seria apenas uma atividade mórbida e totalmente negativa.
Enquanto ele falava, comecei a perceber como refletir sobre nossa "natureza sofredora"
poderia influenciar nossa aceitação das inevitáveis tristezas da vida e poderia até mesmo ser um método valioso para pôr nossos problemas diários numa perspectiva adequada. Comecei também a me dar conta de como o sofrimento poderia chegar mesmo
a
ser visto num contexto mais amplo, como parte de um caminho espiritual maior, especialmente tendo em vista o paradigma budista, que reconhece a possibilidade de purificação da mente e de que se acabe por alcançar um estado em que não mais haja sofrimento. No entanto, afastando-me dessas importantes especulações filosóficas, eu estava curioso por saber como o Dalai-Lama lidava com o sofrimento num nível mais pessoal, como ele enfrentava, por exemplo, a morte de um ser amado.
Quando visitei Dharamsala pela primeira vez muitos anos atrás, conheci o irmão mais velho do Dalai-Lama, Lobsang Samden. Gostei muito dele e me entristeci ao saber da sua morte repentina há alguns anos.
- Imagino que a morte do seu irmão Lobsang tenha sido um golpe para o senhor... -
disse eu, sabendo que ele e o Dalai-Lama eram muito íntimos.
- Foi.
fato.
- Eu só gostaria de saber como o senhor lidou com o
- Naturalmente, fiquei muito, muito triste quando soube da sua morte -disse ele, baixinho.
- E como o senhor lidou com esse sentimento de tristeza? Quer dizer, houve alguma coisa específica que o ajudou a superá-lo?
-Não sei -disse ele, pensativo. -Senti aquela tristeza por algumas semanas, mas aos poucos ela se dissipou. Mesmo assim, havia uma sensação de remorso...
- Remorso?
- É. Eu estava viajando quando ele morreu; e acho que, se estivesse lá, talvez houvesse alguma coisa que eu teria podido fazer para ajudar. Por isso, sinto esse remorso.
Uma vida inteira de contemplação da inevitabilidade do sofrimento humano pode ter desempenhado um papel para ajudar o Dalai-Lama a aceitar sua perda, mas ela não gerou um indivíduo frio e desprovido de emoções, com uma severa resignação diante do sofrimento. A tristeza na sua voz revelava um homem de profunda sensibilidade
humana. Ao mesmo tempo, a franqueza e honestidade da sua atitude, totalmente desprovida de autocomiseração ou de auto-recriminação, transmitiam a impressão inconfundível
de um homem que aceitara plenamente sua perda.
Naquele dia, nossa conversa se estendera até o final da tarde. Lâminas de luz dourada, entrando pelas venezianas de madeira, avançavam lentamente pela sala que ia escurecendo. Percebi uma atmosfera melancólica a impregnar o ambiente e soube que nossa conversa estava chegando ao final. Mesmo assim, eu esperava fazer-lhe perguntas mais detalhadas sobre a questão da perda, para ver se ele teria outros conselhos sobre como sobreviver à morte de um ente querido, que não fosse a simples aceitação da inevitabilidade do sofrimento humano.
Quando eu estava a ponto de me estender nesse assunto, porém, ele me pareceu algo perturbado; e eu percebi uma sombra de exaustão nos seus olhos. Logo, seu secretário entrou em silêncio e me lançou O Olhar. Aprimorado em anos de prática, ele indicava que estava na hora de eu ir embora.
- É... - disse o Dalai-Lama, em tom de desculpas - talvez devêssemos encerrar...
estou um pouco cansado.
No dia seguinte, antes que eu tivesse oportunidade de voltar ao assunto nas nossas conversas particulares, a questão foi levantada na sua palestra ao público.
- O senhor tem alguma sugestão sobre como lidar com uma brande perda pessoal, como a perda de um filho? - perguntc,u um membro da platéia, em evidente sofrimento.
- Até certo ponto - respondeu o Dalai-Lama, com um tom ~uave de compaixão -
isso depende das crenças pessoais do indivíduo. Se as pessoas acreditam na reencarnaÇão,
em conformidade com isso há algum modo de reduzir a tris:eza ou a preocupação. Elas podem consolar-se com o fato de que seu ente querido venha a renascer.
`Para aquelas pessoas que não acreditam na reencarnaçãp creio que ainda existem alguns métodos simples para ajudar a lidar com a perda. Para começar, elas poderiam considerar que, caso se preocupem demais, permitindo que vejam dominadas pela sensação de perda e tristeza, e caso persistam nessa sensação de ser dominadas, isso não só seria destrutivo e prejudicial para elas, acabando com sua saúde, mas também não traria nenhum benefício à pessoa ciue tivesse falecido.
"No meu caso, por exemplo, perdi meu mestre mais respeitado, minha mãe e também um dos meus irmãos. Naturalnente, quando eles faleceram, senti muita, muita tristeza. Então eu não parava de pensar que de nada adiantava tanta aflição; e que, se eu de fato amava aquelas pessoas,, precisava cumprir seus desejos com a mente serena. E eu me esforço ao máximo para fazer isso. Portanto, minha opinião, se perdemos alguém que nos é muito querido, essa é a forma correta de abordar a situação. Vejam bem, o melhor modo de guardar uma lembrança daquela pesscoa, a melhor recordação, é ver se conseguimos realizar os desejos daquela pessoa.
"Naturalmente, de início, os sentimentos de dor e ansiedade são a reação humana natural a uma perda. No entanto, se permitirmos que esses sentimentos de perda e aflição perdurem, surge um perigo. Se esses sentimentos não forem controlados, poderão levar a uma espécie de ensimesmamento. Uma situação em que o foco de atenção passa a ser o próprio eu. E quando isso acontece, somos dominados pela sensação da perda e temos a impressão de que só nós estamos passando por aquilo.
Instala-se a depressão. Mas, na realidade, existem outros que estarão passando pelo mesmo tipo de experiência. Portanto, se nos descobrimos aflitos demais, pode ajudar pensar em outras pessoas que vivem tragédias semelhantes ou até mesmo piores.
Uma vez que percebamos isso, não nos sentiremos mais isolados, como se tivéssemos sido selecionados especialmente. Isso pode nos proporcionar algum tipo de conforto."
Embora a dor e o sofrimento sejam vivenciados por todos os seres humanos, muitas vezes tive a sensação de que as pessoas criadas em algumas culturas orientais parecem ter uma tolerância e aceitação maiores diante do sofrimento. Em parte, isso pode decorrer das suas crenças, mas talvez seja por ser o sofrimento mais visível em nações mais pobres, como a índia, do que em países mais prósperos. A fome, a pobreza, a doença e a morte apresentam-se aos olhos de todos. Quando uma pessoa envelhece ou adoece, ela não é marginalizada, despachada para asilos para receber os cuidados de profissionais da saúde: essas pessoas permanecem na comunidade e são tratadas pela família.
.tue merecem que lhes aconteçam coisas crenças podem ter uma influência importante
.. se levar uma vida mais feliz e mais saudável. No entanto, o inevitável surgimento do sofrimento solapa essas crenças e pode dificultar a continuidade dessa vida feliz e eficaz. Nesse contexto, um trauma relativamente insignificante pode ter um impacto psicológico enorme já que a pessoa perde a fé nas suas crenças essenciais a respeito de um mundo justo e benevolente. Disso resulta uma intensificação do sofrimento.
Não há dúvidas de que, com a tecnologia crescente, o nível geral de conforto físico aumentou para muitos na sociedade ocidental. É nesse ponto que ocorre uma mudança crítica na percepção. Como o sofrimento se torna menos visível, ele não é mais visto como parte da natureza fundamental dos seres humanos - mas, sim, como uma anomalia, um sinal de que algo deu terrivelmente errado, um indício de
"colapso" de algum sistema, uma violação da nossa garantia de direito à felicidade!
Esse tipo de linha de pensamento apresenta riscos ocultos. Se pensarmos no sofrimento como algo antinaturxl, algo que não deveríamos estar vivenciandc, não será um grande salto começar a procurar por alguém a quem pos~aamos culpar pelo nosso sofrimento. Se me sinto infeliz, é porque devo ser a "vítima" de alguém ou de algo - uma
:Ridéia que infelizmente é bastante comum no Ocidente. Seja o governo, o sistema educacional, pais violentos, uma "família desajustada", o outro sexo ou nos so parceiro insensível. Ou ainda pode ser que voltemos a culpa para dentro: há algo de errado comigo, sou vítima de alguma enfermidade, ou de genes defeituosos, talvez. No
°" entanto, o risco envolvido em continuarmos a atribuir culpa e a manter a postura de vítima é a perpetuação do nosso sofrimento - com sentimentos persistentes de raiva, frustra çãG e ressentimento.
Naturalmente, o desejo de nos livrarmos do sofrimento -~ o objetivo legítimo de cada ser humane. É o coroláriodo nosso desejo de sermos felizes. Portanto, é perfeitamente apropriado que pesquisemos as causas da nossa infelicidade e façamos o que for possível para aliviar nossos problemas, procurando por soluções em todos os níveis $lcbal, da sociedade, da família e do indivíduo. Porém, enQutnto encararmos o sofrimento como um estado antinatumliuma condição anormal que tememos, evitamos e rejeitarios, nunca erradicaremos as causas do sofrimento para ter a levar uma vida feliz.
foi ficando mais alta, mais furiosa e mais cheia de veneno, enquanto ele repassava queixas e mais queixas contra a exmulher ao longo dos vinte minutos seguintes.
A sessão estava chegando ao final. Percebendo que ele estava só ganhando ímpeto e que poderia facilmente continuar a falar daquele jeito por horas, tentei redirecioná-lo.
- Bem, a maioria das pessoas tem dificuldade para se ajustar a um divórcio recente; e sem dúvida esse é um assunto do qual poderemos tratar em sessões futuras
- disse eu, em tom conciliador. - Por sinal, há quanto tempo está divorciado?
- Há dezessete anos, completos em maio.
No último capítulo, examinamos a importância de aceitar o sofrimento como um fato natural da existência humana. Embora alguns tipos de sofrimento sejam inevitáveis, outros são criados pela própria pessoa. Estudamos, por exemplo, como a recusa a aceitar o sofrimento como parte natural da vida pode levar a que a pessoa se considere uma eterna vítima e culpe os outros pelos seus problemas
pode servir a um objetivo limitado. Ela pode acrescentar dramaticidade e uma certa emoção à nossa vida, ou despertar atenção e solidariedade nos outros. Mas isso parece não compensar a infelicidade que continuamos a suportar.
Ao falar sobre como aumentamos nosso próprio sofrimento, o Dalai-Lama deu uma explanação.
- Podemos ver que há muitas formas pelas quais contribuímos ativamente para nossa própria experiência de sofrimento e inquietação mental. Embora em geral as próprias aflições emocionais e mentais possam surgir naturalmente, com freqüência é nosso reforço dessas emoções negativas que as torna muito mais graves. Por exemplo, se sentimos raiva ou ódio por uma pessoa, há menos probabilidade de que essa emoção atinja um nível muito intenso se nós a deixarmos de lado. Porém, se pensarmos nas deslealdades que nos teriam sido feitas, nas formas pelas quais fomos tratados injustamente, e se não pararmos de remoer essas coisas o tempo todo, isso alimenta o ódio. Essa atitude confere ao ódio muito poder e intensidade.
Naturalmente, o mesmo pode se aplicar a algum apego que tenhamos por uma determinada
pessoa. Podemos nutrir esse sentimento pensando em como a pessoa é linda; e, enquanto não paramos de pensar nas qualidades projetadas que vemos na pessoa, o apego
vai ficando cada vez mais forte. Isso demonstra, entretanto, como nós podemos, através do pensamento e da familiaridade constante, tornar nossas emoções mais fortes e intensas.
"Também costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sensíveis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e às vezes levando as coisas para
um lado muito pessoal. Nossa tendência é a de levar fatos ínfimos muito a sério e ampliá-los de modo totalmente desproporcional, ao mesmo tempo que permanecemos indiferentes ao que é realmente importante, àqueles fatos que têm efeitos profundos na nossa vida além de conseqüências e implicações duradouras.
"Por isso, creio que o fato de sofrermos ou não depende em grande parte de como reagimos a uma determinada situação. Por exemplo, digamos que tenhamos descoberto que alguém está falando mal de nós pelas nossas costas. Se reagirmos a essa informação de que alguém está falando mal de nós, a esse fato negativo, com uma sensação de mágoa ou raiva, somos nós mesmos que estamos destruindo nossa paz de espírito.
Nossa dor é nossa própria criação pessoal. Por outro lado, se nos contivermos para não reagir de modo negativo, se deixarmos que a calúnia se dissipe como um vento silencioso que passa por trás da nossa cabeça, estaremos nos protegendo daquela sensação de mágoa, daquela sensação de agonia. Logo, embora nem sempre sejamos capazes de evitar situações difíceis, podemos modificar a intensidade do nosso sofrimento
pela escolha de como reagiremos à situação."
"Também costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sensíveis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e às vezes levando as coisas para um lado muito pessoal... "Com essas palavras, o Dalai-Lama reconhece a origem de muitas irritações do dia-a-dia que podem se acumular de modo a representar uma importante
Uma noite eu estava jantando com um colega de trabalho num restaurante. O
serviço no restaurante acabou se revelando muito lento; e, desde o momento em que nos sentamos, meu colega começou a se queixar.
- Veja só! Aquele garçom parece uma lesma! Onde é que ele pensa que está? Acho que está nos ignorando de propósito!
Embora nenhum de nós dois tivesse qualquer compromisso urgente, as queixas do meu colega quanto à lentidão do serviço continuaram a aumentar ao longo da refeição e se expandiram numa ladainha de reclamações sobre a comida, a louça, os talheres e qualquer outro detalhe que não fosse do seu agrado. Ao final da refeição, o garçom nos ofereceu duas sobremesas de cortesia, com uma explicação.
- Peço desculpas pela demora do serviço hoje - disse, em tom sincero -, mas estamos com falta de pessoal. Houve um falecimento na família de um dos cozinheiros, e ele não veio hoje. Além disso, um dos auxiliares avisou que estava doente na última hora. Espero que a demora não tenha causado nenhum inconveniente...
- Mesmo assim, nunca mais vou voltar aqui - resmungou entre dentes meu colega, com irritação, enquanto 0 garçom se afastava.
Esse é um pequeno exemplo de como contribuímos para nosso próprio sofrimento quando levamos para o lado
pessoal cada situação irritante, como se ela tivesse sido intencionalmente dirigida a nós.
Nesse caso, o resultado foi apenas uma refeição desagradável, uma hora de aborrecimento. Porém, quando esse tipo de raciocínio passa a ser um modelo geral de relacionamento com o mundo e se estende a cada comentário feito por nossa família ou amigos, ou mesmo a acontecimentos na sociedade como um todo, ele pode se tornar uma fonte importante da nossa infelicidade.
Ao descrever as implicações mais amplas desse tipo de raciocínio limitado, Jacques Lusseyran fez uma vez uma observação perspicaz. Lusseyran, cego desde os oito anos de idade, foi o fundador de um grupo de resistência na Segunda Guerra Mundial. Acabou sendo capturado pelos alemães e encarcerado no campo de concentração
de Buchenwald. Mais tarde, ao relatar suas experiências no campo, Lusseyran afirmou:
"... Percebi então que a infelicidade chega a cada um de nós porque acreditamos ser o centro do universo, porque temos a triste convicção de que só nós sofremos ao ponto da intensidade insuportável. A infelicidade é sempre se sentir cativo na própria pele, no próprio cérebro."
"MAS NÃO É JUSTO!"
No nosso dia-a-dia, os problemas surgem invariavelmente. No entanto, os problemas em si não causam automaticamente o sofrimento. Se conseguirmos lidar diretamente
com nosso problema e voltar nossas energias para descobrir uma solução, por exemplo, o problema pode ser trans sformado num desafio.
Porém, se acrescentarmos à receit,ta uma sensação de que nosso problema é "injusto", estaremos juntando um ingrediente que pode se tornar um poderos<;o combustível para a geração de inquietação mental e sofriimento emocional. E então não só passamos a ter dois pro)blemas em vez de um, mas essa sensação de "injustiça"' nos perturba, nos corrói e nos rouba a energia necessária para resolver o problema original.
Levantando essa questão com o Dalai-Lama um dia d.e manhã, fiz-lhe uma pergunta. .
- Como podemos lidar com o sentimento de injustiça que tantas vezes nos atormenta quando surgem problemas>?
- Pode haver uma variedade de modos para lidar com o sentimento de que nosso sofrimento não é justo. Já falei da importância de aceitar o sofrimento como um fato natural da existência humana. E creio que, sob certos aspectos, os tibetanos poderiam estar em melhor posição pari aceitar a realidade dessas situações difíceis já pelo seu passado. Eles atribuirão a situação a atos negativos cometidos nesta vide ou numa vida anterior; e assim existe para eles um maio grau de aceitação. Já vi algumas famílias nos nossos povoados na índia, em situações dificílimas: vivendo em cordições miseráveis e, ainda por cima, com filhos cegos do dois olhos ou às vezes com deficiência mental. E de algun modo essas senhoras ainda conseguem cuidar deles, ci zendo simplesmente que é o carena dos filhos, que é se. destino.
"Ao mencionar o carena, creio ser importante salienta e compreender que às vezes, em decorrência de uma con-
preensão falha da dou~rina do carma, há uma tendência a culpar o carma por t'a(l° e a procurar isentar a pessoa da responsabiliyade ou d~ necessidade de ter iniciativa pessoal. Seria pãrfeitam2nte fácil dizer: Ìsso é devido ao meu carma, meu carena pas'ado negativo, e o que eu posso fazer? Não há solução!' essa é uma compreensão totalmente equivocada , porque, embora nossas experiências sejam conseqüências elos nossos atos passados, isso não quer dizer qye o indivl(duo não tenha nenhuma escolha ou que não haja nenhum espaço para a iniciativa de mudança, para concretizar mud,4r~ças positivas. E isso vale para todos os setores da vida. Não deveríamos nos tornar passivos, nem procurar nos eximir da necessidade de tomar iniciativas pessoais com base no raciocínio de que tudo resulta do carena, porque,
;e compf~endermos corretamente o conceito do carena, enenderen'lc:)s que carena significa àção'. O carma é um prc,cesso m.ulito atuante. E, quando falamos no càrma, ou ação, esialmos falando da própria ação cometida pelo sujeito, nesses caso por nós mesmos, no passado. Portanto, está em gran,die parte nas nossas mãos no presente o tipo de i-,curo qu," surgirá. Ele será determinado pelo tipo de iniciáiva que aldotarmos agora.
"Portanto, ° carme não deveria ser compreendido em termos de un tipo de fiorça estática, passiva; mas, sim, deveria ser enc:~ado corv'I(° um processo em movimento. Isso indica haver um imp~,
,)?nante papel para o indivíduo de-
sempenhar n determOrnação do curso do processo cármico. Por exen-:)lo, mes%nn° um simples ato ou um simples
propósito, coro o de ssatisfazer nossa necessidade de alimento... Para realizar cesse mero objetivo, precisamos de
uma ação de nossa parte. Precisamos procurar alimentos e depois precisamos ingeri-los.
Isso dlemonstra que mesmo para o ato mais simples, mesmo um objetivo fácil é atiilgido por meio da ação..."
- Bem, reduzir a sensação de injustiça com a aceitaçao de que ela resulta do nosso carma pode ser eficaz para os budistas - aparteei. - E aqueles que mão acreditam na doatrina do carma? Muitos no Ocidente, por exemplo...
- As pessoas que acreditam na, idéia de um Criador, de um Deus, podem aceitar circunstâncias árduas com mais facilidade, encarando-as como partes da criação ou dos desígnios de Deus. Elas podem sentir qL-ie, apesar de a situaçio parecer muito negativa, Deus é todo-poderoso e muito misericordioso; de modo que pode hamer algurm significaco, alguma importância, por trás da situação, de que não damos conta. Creio que esse tipo de 1fé pode apoiá-las e audá-las durante períodos de sofrimento.
- E aqueles que não acreditam rnem na doutrina do carma, nem na idéia de um Deus Criador?
- Para um descrente... - o Dal,.ai-Lama ponderou l,or alguns minutos antes de responder - ...talvez pudesse ajudar um enfoque prático, científico. Na minha opinião, os cientistas geralmente consideram mmito importante exaninar um problema com objetividadie, para estudá-lo sem grande envolvimento emocional. Com esse tipo de aboriagem, podemos encarar o problema com a seguinte atitude: "se houver um meio de combatê-lo,, então lutes, mesmo que seja preciso recorrer à justiça!"
- Ele-- deu uma risada. - ~ntão, se descobrirmos que não há .meios de vencer, pc-lemos simplesmente deixar para lá.
"Uma análise objetiva de situações difíceis ou problemáticas pode ser muito importante porque com essa abordagem com freqüência descobrimos que nos bastidores pode haver outros fatores em jogo. Se sentimos que estamos sendo tratados com injustiça pelo nosso chefe no trabalho, pode haver outros fatores atuando. Ele pode estar irritado com alguma outra coisa, uma discussão com a mulher naquela manhã, ou algo semelhante, e seu comportamento pode não ter nada a ver conosco particularmente; pode nem ter sido especificamente dirigido a nós. Naturalmente, ainda precisamos enfrentar a situação, qualquer que ela possa ser, mas pelo menos, com esse enfoque, podemos não sofrer aquela ansiedade adicional que acompanharia a situação."
- Será que esse tipo de abordagem "científica", na qual analisamos a situação com objetividade, também não poderia nos ajudar a descobrir formas pelas quais nós mesmos podemos estar contribuindo para o problema? E isso não poderia ajudar a reduzir a sensação de injustiça associada à situação difícil?
- É mesmo! - respondeu ele, com entusiasmo. - Isso decididamente faria uma diferença. Em geral, se examinarmos com cuidado qualquer situação dada, com uma atitude honesta e imparcial, perceberemos que, em grande parte, nós também somos responsáveis pelo desenrolar dos acontecimentos.
"Por exemplo, muita gente culpou Saddam Hussein pela Guerra do Golfo. Mais tarde, em várias ocasiões, dei expressão ao meu sentimento de que essa era uma injustiça. Nessas circunstâncias, eu no fundo sinto até um pouco
de pena de Saddam Hussein. É claro que ele é um ditador, e sem dúvida há muitos outros aspectos negativos nele. Se examinarmos a situação por alto, é fácil atribuir toda a culpa a ele. Afinal é um ditador, totalitário, e até mesmo seu olhar é um pouco assustador! - Ele deu uma risada. - Mas, sem o exército, sua capacidade de fazer algum mal é limitada; e, sem equipamento bélico, aquele poderoso exército não tem como funcionar. Todo esse equipamento militar não se produz sozinho, a partir do nada! Portanto,~quando examinamos a questão desse modo, vemos que muitas nações estão envolvidas.
"Logo", prosseguiu o Dalai-Lama, "costuma ser nossa tendência normal culpar os outros, fatores externos, por nossos problemas. Além disso, costumamos procurar por uma causa única, para depois tentar nos eximir da responsabilidade. Parece que, sempre que estão envolvidas emoções fortes, há uma tendência a surgir uma disparidade entre a aparência das coisas e como elas realmente são. Nesse caso, se nos aprofundarmos mais e analisarmos a situação com muito cuidado, veremos que Saddam Hussein
é parte da origem do problema, é um dos fatores, mas há também outras condições que contribuíram para a situação. Uma vez que nos demos conta disso, desaparece automaticamente
nossa atitude anterior de que ele é a única causa, e vem à tona a realidade da situação.
"Essa prática envolve um modo holístico de encarar as coisas, com a percepção de que são muitos os acontecimentos que contribuem para uma situação. Por exemplo, nosso caso com os chineses. Ali também, há uma grande contribuição da nossa parte.
Creio que talvez nossa geração
possa ter contribuído para a situação; mas decididamente as gerações que nos antecederam foram na minha opinião muito negligentes, pelo menos até algumas gerações
passadas. É por isso que acredito que nós, tibetanos, contribuímos para essa trágica situação. Não é justo pôr toda a culpa na China. No entanto, são tantos os aspectos.
Embora possamos ter sido um fator que contribuiu para a situação, é claro que isso não quer dizer que a culpa seja exclusivamente nossa. Por exemplo, os tibetanos nun nca se renderam completamente à opressão chinesa. Houve uma resistência contínua.
Por causa dessa resistência, os chineses elaboraram uma nova política: a transferência de grandes contingentes de chineses para o Tibete, para que a população tibetana se torne insignificante, os tibetanos se sintam deslocados e o movimento pela liberdade não possa ser eficaz. Nesse caso, não podemos dizer que a resistência tibetana é culpada ou responsável pela política chinesa."
- Quando o senhor está procurando sua própria contribuição para uma situação, o que dizer daquelas situações que evidentemente não ocorrem por culpa sua, aquelas com as quais o senhor não tem nada a ver, até mesmo situações relativamente insignificantes do dia-a-dia, tais como quando alguém lhe diz uma mentira intencional?
- perguntei.
- É claro que de início posso ter uma sensação de decepção quando alguém não é sincero comigo; mas mesmo nesse caso, se eu examinasse melhor a situação, poderia descobrir que de fato seu motivo para esconder algo de mim pode não resultar de uma intenção má. Pode ser que a pessoa simplesmente não confiasse totalmente em mim. Por isso, às vezes, quando me sinto decepcionado com esse mo
A ARTE DA FELICIDADE
tipo de incidente, procuro encará-lo de outro ângulo. Penso que talvez a pessoa não tenha querido confiar totalmente em mim porque eu não sou capaz de guardar segredo.
Minha natureza geralmente tem a tendência a ser muito franca, e por isso a tal pessoa poderia ter concluído que eu não sou a pessoa certa que conseguiria manter algo em segredo, que eu talvez não seja capaz disso como muitas pessoas esperariam que eu fosse. Em outras palavras, não sou digno da plena confiança dessa pessoa em decorrência da minha natureza pessoal. Portanto, se olharmos por esse ângulo, eu consideraria que a causa teve como origem meu próprio defeito.
Mesmo partindo do Dalai-Lama, esse argumento pareceu um pouco forçado -
descobrir "nossa própria contribuição" para a falta de sinceridade do outro. No entanto, enquanto ele falava, havia na sua voz uma franqueza genuína, que sugeria que de fato essa era uma técnica que ele já havia usado com bons resultados práticos na sua vida pessoal para ajudar a lidar com a adversidade. Ao aplicar essa técnica à nossa própria vida, naturalmente, talvez não tenhamos tanto sucesso na busca da nossa própria contribuição para uma situação problemática. Porém, quer tenhamos sucesso quer não, mesmo o esforço honesto de procurar por nossa própria contribuição para um problema permite uma certa mudança de enfoque que ajuda a derrubar os padrões mesquinhos de pensamento conducentes ao destrutivo sentimento da injustiça, que é a origem de tanta insatisfação em nós mesmos e no mundo.
mo
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
A CULPA
Produtos de um mundo imperfeito, todos nós somos imperfeitos. Cada um de nós fez algo de errado. Há coisas que lamentamos - coisas que fizemos ou que deveríamos ter feito. Reconhecer nossos erros com um verdadeiro sentido de remorso pode servir para nos manter na linha na vida e pode nos estimular a corrigir nossos erros quando possível e dar os passos necessários para agir corretamente no futuro. Porém, se permitirmos que nosso remorso degenere, transformando-se em culpa excessiva, se nos agarrarmos à lembrança das nossas transgressões passadas com uma contínua atitude de censura e ódio a nós mesmos, isso não leva a nenhum objetivo, a não ser o de representar uma fonte implacável de autopunição e de sofrimento induzido por nós mesmos.
Durante uma conversa anterior na qual mencionamos rapidamente a morte do seu irmão, percebi que o Dalai-Lama falou de alguns remorsos relacionados à morte do irmão.
Curioso por saber como ele lidava com sentimentos de remorso e possivelmente com sentimentos de culpa, voltei ao assunto numa conversa posterior.
- Quando estávamos falando da morte de Lobsang, o senhor mencionou remorsos.
Houve outras situações na sua vida que o levaram a sentir remorso?
- Houve, sim. Por exemplo, havia um monge mais velho que vivia como eremita.
Ele costumava vir me ver para receber ensinamentos, apesar de eu considerar que ele no
181
A ARTE DA FELICIDADE
fundo era maí~rs capaz db que eu e que só me visitava como uma espeecie de formalidade. Seja como for, ele v fio me procurar unm dia e mf perguntou acerca de uma
determinada praticai esotérica de alto nível. Comentei desprEOcupadamente (:que essa seria uma prática difícil e que tilvez fosse mais 1 bem execitada por alguém mais jovem, que pela tradição e=ra uma pritica que deveria ser iniciada curante a adolesccência. Mas tarde descobri que o mongese matara a fim doe renascer num corpo mais jovem para Poder melhor reaalizar a pratica...
- Mas isso' é terrível! - comentei, surpreso com a his:ória. - Deve ter
O Dalai-L - Como o' senhor lidou com esse sentimento de re morso? Como acabou se livrando dele?
O Dalai-Lima refletia em silêncio por um bom tempo antes de responder.
- Não me' livrei dele. Ele ainda existe. - Parou no;amente antes d,e acrescentar. -
Mas, muito embora esse sentimento de remorso ainda esteja aqui, ele não está as3ociado a nenhuma sensação de peso ou de algo que me impeça de avançar. Não seria útil para ninguém se eu permitisse que esse remorso me acabrunhasse, que fosse apenas uma fonte de desânimo e depressão sem nenhuma finalidade, ou que atrapalhasse meu modo de levar a vida dardo
o melhor de Fnrm.
Naquele momento, de um modo muito visceral, recebi mais uma vez ° impacto da possibilidade muito real de um ser humano encarar de frente as tragédias da vida e de reagir com emoèao, mesmo com um remorso profundo, mas 182
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
sem mergulhar no excesso de culpa ou desprezo por si mesmo. A possibilidade de um ser humano aceitar plenamente a si mesmo, inteiro com suas limitações, fraquezas e equívocos de julgamento. A possibilidade de reconhecer uma situação negativa pelo que ela é e reagir com emoção, mas sem exagero. O Dalai-Lama lamentava sinceramente
o incidente que descrevera mas assumia esse remorso com dignidade e leveza. E, embora o assumisse, ele nunca permitiu que o peso desse remorso o atrapalhasse, preferindo,
sim, seguir adiante e concentrar sua atenção em ajudar os outros da melhor forma possível.
Às vezes, eu me pergunto se a capacidade de viver sem se entregar a uma culpa autodestrutiva não é em parte cultural. Quando relatei minha conversa com o Dalai-Lama a respeito do remorso a um amigo que é um estudioso do Tibete, ele me disse que, com efeito, o idioma tibetano nem mesmo tem um termo equivalente à palavra
"culpa", embora tenha palavras que significam "remorso", "arrependimento" ou
"lamento", com um sentido de "retificar as coisas no futuro". Qualquer que possa ser o componente cultural, porém, acredito que, com o questionamento dos nossos modos habituais de pensar e com o cultivo de uma perspectiva mental diferente baseada nos princípios descritos pelo Dalai-Lama, qualquer um de nós pode aprender a viver sem o estigma da culpa, que não faz nada a não ser causar a nós mesmos um sofrimento desnecessário.
183
A ARTE DA FELICIDADE
A RESISTÊNCIA À MUDANÇA
A culpa surge quand,:) nos convencemos de termos cometido um erro irreparável.
A tortura da culpa consiste em pensar que qualquer problema seja permanente.
Entretanto, como não existe nada que não mude, também a dor cede - não há problema que persista. Esse é o aspecto positivo da mudança. O negativo é que nós oferecemos resistência à mudança em quase todos os campos da vida. O primeiro passo para nos livrarmos do sofrimento é investigar uma das causas principais: a resistência à mudança.
fiável que possa ser nossa experiência, ela gessará. Isso passa a ser a origem de uma categoria do sofrimento conhecida no budismo como o "sofrimento da mudança".
Num nível convencional, ou num sentido corriqueiro, quem pratica o budismo contempla
sua própria impermanência - o fato de que a vida é frágil e de que nunca sabeqos quando iremos morrer. Quando se associa essa reflexão a uma crenlça na raridade da existência humana e na possibilidade cite se alcançar um estado de Liberação espiritual, de se estar livre do sofrimento e dos intermináveis ciclos de reencarnaç=ão, essa contemplação serve para aumentar a dEterminaçãd do praticante para usar seu tempo com maior proveito, dedücando-se às práticas espirituais que propiciarão essa Liberação. Num nível mais profundo, o da contemplação dos aspectos mais sutis da impermanência, da natureza impermanente de todos os fenômenos, tem início a bisca do praticante pela compreensão da verdadeira natureza da realidade e, através dessa compreensão, pela dissipação da ignorância, que é a origem primordial do nosso sofrimento.
Portanto, embora a contempladção da impermanência tenha um enorme significado dentro de um contexto budista, surge a pergunta: sera que a contttemplação e compreensão da impermanência tê-ii alguma aaPlicação prática no dia-
18O
A ARTE DA FELICIDADE
a-dia também dos não-budistas? Se encararmos o conceito de "impermanência" a partir do ponto de vista da "mudança", a resposta é um absoluto "sim". Afinal de contas, quer encaremos a vida de uma perspectiva budista, quer de uma perspectiva ocidental, permanece o fato de que a vida é transformação. E na medida em que nos recusemos a aceitar esse fato e ofereçamos resistência às naturais mudanças da vida, continuaremos a perpetuar nosso próprio
sofrimento.
A aceitação da mudança pode ser um importante fator na redução de uma boa proporção do sofrimento que criamos para nós mesmos. É muito freqüente, por exemplo,
que causemos nosso próprio sofrimento, recusamos a nos desapegar do passado. Se definirmos nossa própria imagem em termos da aparência que tínhamos no passado ou em termos do que costumávamos conseguir fazer e não conseguimos agora, é bastante seguro supor que não vamos ficar mais felizes quando envelhecermos. Às vezes,
quanto mais tentamos nos agarrar ao passado, mais grotesca e deformada torna-se nossa vida.
Embora a aceitação da inevitabilidade da mudança, como princípio geral, possa nos ajudar a lidar com muitos problemas, assumir um papel mais ativo, por meio do aprendizado específico sobre as mudanças normais na vida, pode prevenir uma proporção ainda maior da ansiedade rotineira que é a causa de muitos dos nossos problemas.
Com uma revelação do valor do reconhecimento das mudanças normais na vida, uma mãe de primeira viagem falou de uma visita que fizera às duas horas da manhã
à emergência de um hospital.
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A TRANSANSFORMQAÇÀO DO SOFIRIMENTO
- Qual lhe pa' parece sser o problema? 1
perguntou o pe-
diatra.
- MEU FILHIr~HINHO! IESTÁ COM ALGUM PROBLEMA! gritou ela, nervosá°sa. - Achho que ele está engasgando ou algo parecido. A língu~gua não ppára de sair da
beca. Ele só fica esticando a língua laa para fora... o tempo tpcjo... como se quisesse cuspir alguiguma coisa, mas a boca está vazia...
Depois de ar algumas > perguntas e u M rápido exame, o médico tranqüiliAizou-a.
- Não há cor°m que sse preocupar. Quando um bebê vai crescendo, ele de desenvolve uma percepçâp maior do próprio corpo e do que ae o corpoo pode fazer. Sei filho acabou de descobrir a língngua.
Margaret, uma-ia jornalisbta de trinta e um anos, exemplifica a importância c crítica de'
compreender e aceitar a mudança no contexto dele um rellacionamento pessoal.
Ela me procurou queixancndo-se de°_ uma leve ansìedade, que atribuía à dificuldade d de se ajustar a um recente divórcio.
- Achei qulue poderÍia ser uma boa idéia fazer algumas sessões só parra converrsar com alguérh , explicou -, para me ajudar a de eixar o passado para trás e fazer a transição de volta à vida dJe solteiras. Para ser franca, isso me deixa um pouco nervossa...
Pedi-lhe qque descrcevesse as circunstâncias do divórcio.
- Acho qcue teria de? descrevê-lo como um divórcio amigável. Não hcc°uve gramdes brigas, nem nada semelhante. Meu ex-marido e eu termos bons empregos. de modo que não tivemos problemas
com a questão financeira. Temos um m7
filho, mas ele parece ter se ajustado bem ao divórcio; e meu ex-marido e eu firmamos um acordo paria custódia conjunta que está funcionando bem...
- O que eu queria era saber o que :levou ao divórcio.
- Bem... acho que simplesmente perdemos a paixão suspirou ela. - Parecia que aos poucos o romantismo foi desaparecendo; simplesmente não tínhamos mais a mesma intimidade de quando nos casamos. Nós dois estávamos ocupados com nossos empregos e nosso filho, e só parecíamos estar nos afastando. Experimentamos algumas sessões de aconselhamento conjugal, mas elas de nada adiantaram. Ainda nos dávamos bem, mas era como se fôssemos irmãos. Não parecia amor; não parecia um casamento de verdade. De qualquer modo, chegamos à conclusão de que seria melhor partir para o divórcio.. Simplesmente estava faltando alguma coisa.
Depois de passar duas sessões delineando o problema, decidimos por uma psicoterapia breve, voltada especificamente para ajudá-la a reduzir a ansiedade e a ajustar-se às recentes mudanças na sua vida. No todo, ela era uma pessoa inteligente e equilibrada em termos emocionais. Reagiu muito bem a uma terapia breve e fez uma transição tranqüila de volta à vida de solteira.
Apesar de um evidente carinho mútuo, estava claro que Margaret e o marido interpretaram a mudança no grau da paixão como um sinal de que o casamento deveria terminar. Infelizmente, é com extrema freqüência que entendemos uma diminuição da paixão como um sinal da existência de um problema fatal no relacionamento. E, na maior parte das vezes, o primeiro indício de mudança no nosso
relacionamento pode gerar uma sensação cie pânico, uma impressão de que algo deu terrivelmente errado. Talvez não tenhamos escolhido o parceiro certo, no final das contas. Nosso companheiro simplesmente não parece ser a pessoa pela qual nos apaixonamos. Surgem desavenças - podemos estar a fim de sexo, e nosso parceiro estar cansado; podemos querer ver um filme especial, rnas ele não se interessa pelo filme ou está sempre ocupado. Por isso, concluímos que tudo está acabado. Afinal, não há como ignorar o fato de estarmos nos afastando. As coisas simplesmente não são mais as mesmas. Talvez devêssemos nos divorciar.
E o que fazemos então? Especialistas em relacionamentos produzem livros em massa, com receitas que nos dizem exatamente o que fazer quando a paixão e a chama do romantismo começam a fraquejar. Eles oferecem uma enorme variedade de sugestões destinadas a ajudar a reaquecer o romance - refaça sua programação de modo que
dê prioridade ao tempo para atividades românticas, planeje escapadas de fim de semana ou jantares românticos, elogie seu parceiro, aprenda a ter uma conversa significativa.
Às vezes, isso ajuda. Às vezes, não.
No entanto, antes de declarar o relacionamento morto, uma das coisas mais benéficas que podemos fazer quando nos damos conta de uma mudança é simplesmente tirar uma distância, avaliar a situação e nos armar com o maior conhecimento possível sobre os padrões normais de mudança em relacionamentos.
Com o desenrolar da nossa vida, passamos da tenra infância para a infância, a maturidade e a velhice. Aceitamos
189
essas mudanças no desenv-olvimento individual como uma progressão natural. Um relacionamento, entretanto, é também um sistema vivo binário, composto de dois organismos que interagem nur~11 ambier--- te. E, na qualidade d= sistema vivo, é igualmente natural e correto que o relacionamento passe per estágio S. Em qualquer relacionamento há diferentes dinensôes de intimid.:ade -física, emocional e intelectual.
O contato corporal, o compartilhar de emcçôes, de pensamentos, e a troca de ídéias são todas formas legítimas de ligação com fqtaeles que amamos. É norm~jl que o equilíbrio tenha um rhovimento cíclico: às vezes a intimidade física diminui mas a intimidade emocional pode aumentar; em outras ocasiões não temos vontade de trocar palavras mas só de receber um abraço. Se tivermos nossas atenções voltadas para essa questão, podemos nos alegrar com o desabrochar da paixão num relacionamento;
mas, se ela arrefecer, em vez de sentir preocupação ou raiva, podemos nos abrir para novas formas de intimidade que podem ser igualmente satisfatórias - ou talvez mais. Podemos apreciar nosso cônjuge Como companheiro, ter um amor mais estável, um laço mais profundo.
Em seu livro, Intimate Behavior, Desmond Morris descreve as mudanças normais que ocorrem na necessidade de intimidade de am ser huizlano. Ele sugere que cada um de nós passa repetidamente por três estágios: do "me abrace", do "me solte' e do "me deixe em paz". o ciclo torna.se aparente pela primeira ver no início da vida, quando a criança passa da fase do "abraço", característica da tenra infância, para a fase da "independência", quando a criança começa a explorar o mundo, a engatinhar, caminhar e all- rançar algurrt:~4 independência e autonomia com relação à mãe. Isso faz parte do desenvolvimento e crescimento normal. Essas fascs~ no entanto, não seguem sempre na mesma direção. I~-~n várias etapas, a criança pode sentir alguma ansiedade quando o sentimento de separação se torna forte demais, e nesses casos ela volta para a mãe em busca de carinho e aconchego. Na adolescência, a "rejeição" passa a ser a fase predominante à medida que a criança luta para formar uma ìGlentidade individual.
Embora possa ser difícil ou dolore)~a para os pais, a maioria dos especialistas reconhece e5~a fase como normal e necessária na transição da infârxGia para a maturidade.
Mesmo dentro dessa fase, ainda lxá uma mistura das outras. Enquanto em casa o adolescente está gritando "Me deixa em paz!" para os pais, suas necessidades do
"abraço
apertado" podem estar sendo satisfeitas por uma forte identificação com o grupo.
Tambémi nos relacionamentos de adultos, ocorre o mesmo fluxo. Os níveis de intimidade variam, com períodos de maior intimidade se alternando com períodos de maior afastalrriento. Isso também faz parte do ciclo normal de crescimento e desenvolvimento. Para atingir nosso pleno potencial) como seres humanos, precisamos ser capazes de contrabalançar nossas necessidades de união e intimidade comi eeríodos em que precisamos nos voltar para dentro, comi orna sensação de autonomia, para crescer e evoluir como indivíduos.
À medida que cheguemos a entender isso, não mais reagiremos c'°m horror ou pânico quando nos dermos conta de que estannOs "nos afastando" do nosso parceiro, da mesma forma que não entraríamos em pânico enquanto esti-
Talvez o> casamento de Margaret pudesse ter sido sal
,,,,,,-,do a maré se afastar da costa. É claro qufe vo pela aceittação da mudança natural no relacionamento
véssemos oL ái5'tanciamento emocional crescente pode inl= e pela criaçãio de um novo relacionamento com base ern
às vezes ur~1' problemas num relacionamento (uma raiva ré'
rios ~ ~, por exemplo), e até podem ocorrer fatores que mão fossem a paixão e o romance.
dicar sérios porérl, a história não termina aqui. Dois primida eri'y 5 _ desses casos, medidas tais como a terapia anos depois da minha última sessão com Margaret, deparei
rompinient ~ liciuíto úteis. Porém, o ponto principal a ter e~m com ela por ,acaso nurn shopping (a situação de deparar com podem ser e um distanciamento crescente não signifiFa um ex-paciente num contexto social invariavelmente faz
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mente é 4 ~,y~ente uma hecatombe. Ele também pode fazer com que eu,, como a maioria dos terapeutas, me sinta urn
aiItomatiG W ciclo que volta a redefinir o relacionamento are de t ~. que pode resgatar ou até mesmo superaf a pouco cono:rangido).
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de outra far ue existia no passado. - Como tem passado? - perguntei.
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intimidad o o ato de aceitação, de reconhecimento de que - Não poderia estar melhor! - exclamou ela. - No mês
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portada e uma parte natural das nossas interaç~5es passado, meu ex-maré o e eu voltamos a nos casar.
a muda nutras, pode desempenhar um papel importante - Verdade?
com os 5 relacionamentos. Podemos descobrir que é
na- - Verdade, e está indo às mil maravilhas. É claro que o que podemos estar nos senlin- nós continuLmos a nos ver por causa da custódia conjunta.
nos nos ato momento em q p Seja como for, no início foi difícil mas depois do divórcio,
quele e~ ecepcionados, como se algo tivesse tr ~ó de algum modo a pressão sumiu. Nós não tínhamos mais do mais ofiarnento, que pode ocorrer uma p atos do rela1~i Esses períodos de transição podem ser por expectativas. E descobrimos que no fundo gostamos um
o. do outro e rios amamos. As coisas ainda não são iguais ao formaç~'eti.i que o verdadeiro amor começa a amadurecer cruciais Nosso relacionamento pode nãs are carnmais baçã do que eram quando nos casamos pela primeira vez, mas isso gi florir- o intensa, na visão do outro como da parece não ater importância.
Estamos realmente felizes, jun-
na paia ou na sensação de que estamos em fusão°m
tos. A impressão é que tudo está certo.
a°' orem, agora estamos num< Po Em compensação, p o outro' que podemos realmente começar a conhecer o sição e a per o outro como ele é, um indivíduo isoado,
outro efeitos e fraquezas talvez, mas um ser humano c°mo d uando chegamos a esse 1°nto
com lesmas. É somente q nós onde os assumir um compromisso autêntico, um=°m-
que pisso com o crescimento de outro ser humano - um
proa' 5, erdadeiro amor.
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APROFUNDANDO NOSSA CONEXÃO A OUTROS
014
Certa tarde, após sua palestra pública, cheguei à suíte de hotel do Dalai Lama para minha consulta diária. Eu estava alguns minutos adiantado. Um atendente discretamente deslizou pelo corredor para relatar que Sua Santidade estava ocupada em uma audiência particular e que levaria mais alguns minutos. Assumi meu posto familiar do lado de fora da porta do hotel e aproveitei para rever minhas anotações, preparando-me para a sessão, tentando ao mesmo tempo evitar o olhar desconfiado de um guarda de segurança - o mesmo visual aperfeiçoado por funcionários de lojas de conveniência para uso. alunos do ensino médio perambulando pelas prateleiras das revistas.
Dentro de alguns instantes, a porta se abriu e um casal de meia-idade bem vestido foi mostrado. Eles pareciam familiares. Lembrei-me de ter sido brevemente apresentado a eles vários dias antes. Disseram-me que a esposa era uma herdeira bem conhecida e que o marido era um advogado extremamente rico e poderoso de Manhattan. No momento da apresentação, havíamos apenas trocado algumas palavras, mas ambas me pareciam incrivelmente arrogantes. Quando saíram da suíte do hotel do Dalai Lama, notei uma mudança surpreendente. Foi-se o modo arrogante e as expressões presunçosas, e em seu lugar havia dois rostos cheios de ternura e emoção. Eles eram como dois filhos. Fluxos de lágrimas escorriam pelos dois rostos. Embora o efeito do Dalai Lama sobre os outros nem sempre fosse tão dramático, percebi que, invariavelmente, outros respondiam a ele com alguma mudança de emoção. Eu me maravilhei muito com a sua capacidade de se relacionar com os outros, qualquer que fosse seu estilo de vida, e estabelecer uma troca emocional profunda e significativa.
ESTABELECER EMPATIA
Embora tivéssemos falado da importância do calor humano e da compaixão durante nossas conversas no Arizona, só alguns meses depois, em sua casa em Dharamsala, tive a oportunidade de explorar as relações humanas com ele em maior detalhe. Naquela época, eu estava muito ansioso para ver se poderíamos descobrir um conjunto de princípios subjacentes que ele usa em suas interações com os outros - princípios que podem ser aplicados para melhorar qualquer relacionamento, seja com estranhos, familiares, amigos ou amantes. Ansioso para começar, eu entrei direto:
“Agora, no tópico das relações humanas ... o que você diria que é o método ou técnica mais eficaz de se conectar com os outros de uma maneira significativa e de reduzir conflitos com os outros?”
Ele olhou para mim por um momento. Não era um olhar indelicado, mas me fez sentir como se eu tivesse acabado de pedir a ele para me dar a composição química precisa do pó da lua.
Depois de uma breve pausa, ele respondeu: “Bem, lidar com os outros é uma questão muito complexa. Não há como você chegar a uma fórmula que possa resolver todos os problemas. É um pouco como cozinhar. Se você está cozinhando uma refeição muito deliciosa, uma refeição especial, então existem vários estágios na cozinha. Você pode ter que primeiro ferver os legumes separadamente e então você tem que fritá-los e então combiná-los de uma maneira especial, misturando temperos e assim por diante. E finalmente, o resultado final seria este delicioso produto. Da mesma forma aqui, para ser hábil em lidar com os outros, você precisa de muitos fatores. Você não pode simplesmente dizer: "Este é o método" ou "Esta é a técnica".
Não foi exatamente a resposta que eu estava procurando. Eu pensei que ele estava sendo evasivo e senti que certamente ele deve ter algo mais concreto para oferecer. Eu continuei: "Bem, dado que não há uma solução única para melhorar nossos relacionamentos, talvez haja algumas diretrizes mais gerais que possam ser úteis?"
O Dalai Lama pensou por um momento antes de responder: “Sim. Anteriormente falamos da importância de abordar os outros com o pensamento de compaixão em sua mente. Isso é crucial. Claro, apenas dizendo a alguém: "Oh, é muito importante ser compassivo; você deve ter mais amor 'não é suficiente. Uma receita simples assim sozinha não vai funcionar. Mas um meio eficaz de ensinar alguém a ser mais caloroso e compassivo é começar usando o raciocínio para educar o indivíduo sobre o valor e os benefícios práticos da compaixão, e também fazer com que reflitam sobre como se sentem quando alguém é gentil com eles. em. Em certo sentido, isso os estimula, de modo que haverá mais efeito ao prosseguirem em seus esforços para serem mais compassivos.
“Agora, olhando os vários meios de desenvolver a compaixão, penso que a empatia é um fator importante. A capacidade de apreciar o sofrimento do outro. De fato, tradicionalmente, uma das técnicas budistas para melhorar a compaixão envolve imaginar uma situação em que há um ser sensível sofrendo - por exemplo, como uma ovelha prestes a ser abatida pelo açougueiro. E depois tente imaginar o sofrimento que as ovelhas podem estar passando, e assim por diante ... O Dalai Lama parou por um momento para refletir, distraidamente passando uma série de contas de oração pelos dedos. Ele comentou: “Ocorre-me que se estivéssemos lidando com alguém que era muito frio e indiferente, então esse tipo de técnica pode não ser muito eficaz. Seria como se você fosse pedir ao açougueiro para fazer essa visualização: o açougueiro está tão endurecido, tão acostumado com a coisa toda, que não teria nenhum impacto. Assim, por exemplo, seria muito difícil explicar e utilizar essa técnica para alguns ocidentais que estão acostumados a caçar e pescar por diversão, como uma forma de recreação ... ”
“Nesse caso”, sugeri, “pode não ser uma técnica eficaz para pedir a um caçador que imagine o sofrimento de sua presa, mas você pode ser capaz de despertar sentimentos de compaixão começando por vê-lo visualizar seu cão de caça favorito capturado. em uma armadilha e guinchando de dor ... ”
"Sim, exatamente ..." concordou o Dalai Lama. “Eu acho que dependendo das circunstâncias, alguém pode modificar essa técnica. Por exemplo, a pessoa pode não ter um forte sentimento de empatia em relação aos animais, mas pelo menos pode ter alguma empatia em relação a um familiar próximo ou amigo. Nesse caso, a pessoa poderia visualizar uma situação em que a pessoa amada está sofrendo ou passando por uma situação trágica e, em seguida, imagine como ela reagiria a isso, reagiria a isso. Assim, pode-se tentar aumentar a compaixão tentando empatizar com o sentimento ou a experiência de outra pessoa.
“Eu acho que a empatia é importante não apenas como um meio de melhorar a compaixão, mas eu acho que em geral, ao lidar com os outros em qualquer nível, se você está tendo algumas dificuldades, é extremamente útil tentar se colocar no lugar da outra pessoa e ver como você reagiria à situação. Mesmo se você não tem experiência comum com a outra pessoa ou tem um estilo de vida muito diferente, você pode tentar fazer isso através da imaginação. Você pode precisar ser um pouco criativo. Essa técnica envolve a capacidade de suspender temporariamente a insistência em seu próprio ponto de vista, mas sim de olhar da perspectiva da outra pessoa, para imaginar qual seria a situação se você estivesse no lugar dele, como você lidaria com isso. Isso ajuda você a desenvolver uma conscientização e respeito pelos sentimentos do outro, o que é um fator importante na redução de conflitos e problemas com outras pessoas. ”
Nossa entrevista naquela tarde foi breve. Eu tinha me encaixado na agenda lotada do Dalai Lama no último minuto e, como várias de nossas conversas, ocorreu no final do dia. Do lado de fora, o sol começava a se pôr, enchendo a sala com uma luz amarga e escura, transformando as paredes amarelo-claras num âmbar profundo e iluminando os ícones budistas na sala com ricos tons dourados. O atendente do Dalai Lama entrou silenciosamente na sala, sinalizando o final da nossa sessão. Encerrando a discussão, eu perguntei: "Eu sei que temos que fechar, mas você tem outras palavras de conselho ou métodos que você usa para ajudar a estabelecer empatia com os outros?"
Ecoando as palavras que havia falado no Arizona muitos meses antes, com uma gentil simplicidade, ele respondeu: “Sempre que encontro pessoas, sempre as abordo do ponto de vista das coisas mais básicas que temos em comum. Cada um de nós tem uma estrutura física, uma mente, emoções. Todos nascemos da mesma maneira e todos morremos. Todos nós queremos a felicidade e não queremos sofrer. Olhar os outros desse ponto de vista em vez de enfatizar as diferenças secundárias, como o fato de eu ser tibetano, ou uma cor diferente, religião ou origem cultural, me permite ter a sensação de que estou me encontrando com alguém do mesmo jeito que eu. Acho que relacionar-se com os outros nesse nível torna muito mais fácil a troca e a comunicação mútua. Com isso, ele se levantou, sorriu, apertou minha mão brevemente e se retirou para a noite.
Na manhã seguinte, continuamos nossa discussão na casa do Dalai Lama.
“No Arizona, falamos muito sobre a importância da compaixão nas relações humanas, e ontem discutimos o papel da empatia em melhorar nossa capacidade de nos relacionarmos uns com os outros ...”
"Sim", o Dalai Lama assentiu.
“Além disso, você pode sugerir algum método ou técnica adicional para ajudar alguém a lidar de maneira mais eficaz com outras pessoas?”
“Bem, como eu mencionei ontem, não há como você criar uma ou duas técnicas simples que possam resolver todos os problemas. Tendo dito isso, no entanto, acho que existem alguns outros fatores que podem ajudar um a lidar com os outros com mais habilidade. Primeiro, é útil entender e apreciar o histórico das pessoas com quem você está lidando. Além disso, ser mais aberto e honesto são qualidades úteis quando se trata de lidar com os outros ”.
Eu esperei, mas ele não disse mais nada.
"Você pode sugerir outros métodos para melhorar nossos relacionamentos?"
O Dalai Lama pensou por um momento. "Não", ele riu.
Eu senti que estes conselhos particulares eram muito simplistas, comuns. Ainda assim, como isso parecia ser tudo o que ele tinha a dizer sobre o assunto no momento, nos voltamos para outros tópicos.
Naquela noite, fui convidado para jantar na casa de alguns amigos tibetanos em Dharamsala. Meus amigos organizaram uma noite que provou ser bastante animada. A refeição foi excelente, com uma deslumbrante variedade de pratos especiais e estrelado pelo tibetano Mo Mos, um saboroso bolinho de carne. Enquanto o jantar avançava, a conversa ficou mais animada. Logo, os convidados estavam trocando histórias sobre a coisa mais embaraçosa que já fizeram quando estavam bêbados. Vários convidados foram convidados para a reunião, incluindo um casal bem conhecido da Alemanha, a esposa um arquiteto e o marido um escritor, autor de uma dúzia de livros.
Tendo interesse em livros, eu me aproximei do autor e comecei uma conversa. Eu perguntei sobre sua escrita. Suas respostas eram curtas e superficiais, sua maneira brusca e distante. Pensando-o bastante hostil, até esnobe, senti uma antipatia imediata por ele. Bem, pelo menos tentei me conectar com ele, consolou-me e, convencido de que ele era simplesmente uma pessoa desagradável, voltei a conversar com alguns dos hóspedes mais amáveis.
No dia seguinte, encontrei um amigo em um café da aldeia e durante o chá contei os acontecimentos da noite anterior.
"... Eu realmente gostei de todos, exceto Rolf, aquele escritor ... Ele parecia tão arrogante ou algo assim ... tão hostil."
"Eu o conheço há vários anos", disse meu amigo, "... Eu sei que ele se depara com esse caminho, mas é apenas que ele é um pouco tímido, um pouco reservado no começo. Ele é realmente uma pessoa maravilhosa se você conhece ele ... ”Eu não estava convencido. Meu amigo continuou, explicando: “... embora seja um escritor de sucesso, teve mais do que sua parcela de dificuldades em sua vida. Rolf realmente sofreu muito. Sua família sofreu tremendamente nas mãos dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. E ele teve dois filhos, a quem ele tem sido muito dedicado, nascido com algum distúrbio genético raro que os deixou extremamente deficientes físicos e mentais. E, em vez de se tornar amargo ou de passar a vida a bancar o mártir, tratou dos seus problemas contactando com os outros e passou muitos anos a dedicar-se a trabalhar com os deficientes como voluntário. Ele realmente é muito especial se você o conhecer.
Como se viu, eu conheci Rolf e sua esposa mais uma vez no final da semana, em um pequeno campo de strip, servindo como o aeroporto local. Nós estávamos programados no mesmo vôo para Delhi, que acabou sendo cancelado. O próximo vôo para Delhi não durou vários dias, então decidimos dividir um carro para Delhi, um cansativo passeio de dez horas. Os poucos bits de informação de fundo que meu amigo tinha compartilhado comigo tinham mudado meu sentimento em relação a Rolf, e na longa viagem até Delhi me senti mais aberta em direção a ele. Como resultado, fiz um esforço para manter uma conversa com ele. Inicialmente, suas maneiras continuaram as mesmas. Mas com um pouquinho de abertura e persistência, logo descobri que, como meu amigo dissera, o distanciamento dele era mais provável devido à timidez do que ao esnobismo. Enquanto caminhávamos através do sufocante e poeirento campo do norte da índia, entrando cada vez mais fundo na conversa, ele provou ser um ser humano caloroso e genuíno e um companheiro de viagem robusto.
Quando chegamos a Delhi, percebi que o conselho do Dalai Lama de "entender o passado das pessoas" não era tão elementar e superficial quanto parecia. Sim, foi simples, talvez, mas não simplista. Às vezes é o conselho mais básico e direto, o tipo que tendemos a considerar ingênuo, que pode ser o meio mais eficaz de melhorar a comunicação.
Vários dias depois, eu ainda estava em Delhi em uma escala de dois dias antes de voltar para casa. A mudança da tranquilidade de Dharamsala era chocante e eu estava de mau humor. Além de enfrentar o calor sufocante, a poluição e as multidões, as alamedas enxameavam com uma espécie comum de predador urbano, dedicado ao Swindle Street. Andando pelas ardentes ruas de Delhi, um ocidental, um estrangeiro, um alvo, abordado por meia dúzia de traficantes por bloco, parecia que eu tinha tatuado o “CHUMP” na minha testa. Foi desmoralizante.
Naquela manhã, eu me apaixonei por um esquema comum de rua de dois homens. Um parceiro espalhou uma mancha de tinta vermelha nos meus sapatos enquanto eu não estava olhando. No quarteirão, seu confederado, um inocente garoto de engraxate, chamou minha atenção para a pintura e se ofereceu para engraxar meus sapatos no ritmo habitual. Ele habilmente engraxou os sapatos em poucos minutos. Quando terminou, ele calmamente exigiu uma quantia enorme - dois meses de salário para muitos em Delhi. Quando recusei, ele alegou que esse era o preço que ele havia me cotado. Eu me opus novamente, e o menino começou a berrar, atraindo uma multidão, chorando que eu estava me recusando a pagar por serviços já prestados. Mais tarde naquele dia, soube que se tratava de um esquema comum praticado por turistas desavisados; depois de exigir uma quantia enorme, o engraxate deliberadamente levanta uma confusão, atraindo uma multidão, com a intenção de extorquir o dinheiro do turista por constrangimento e o desejo de evitar uma cena.
Naquela tarde, almocei com um colega no hotel. Os acontecimentos da manhã foram rapidamente esquecidos quando ela perguntou sobre a minha recente série de entrevistas com o Dalai Lama. Ficamos absortos em uma discussão sobre as idéias do Dalai Lama em relação à empatia e a importância de seguir a perspectiva da outra pessoa. Depois do almoço, pegamos um táxi e partimos para visitar alguns amigos em comum. Quando o táxi se afastou, meus pensamentos voltaram para o golpe de engraxate naquela manhã e, quando imagens sombrias sussurraram em minha mente, passei a olhar para o medidor.
"Pare o táxi!" Eu gritei. Meu amigo pulou com a repentina explosão. O taxista fez uma careta para mim no espelho retrovisor, mas continuou dirigindo.
"Puxe!" Eu exigi, minha voz agora tremendo com um traço de histeria. Meu amigo pareceu chocado. O táxi parou. Eu apontei para o medidor, furiosamente furando o ar. "Você não redefiniu o medidor! Havia mais de vinte rúpias no medidor quando começamos! ”
"Sinto muito, senhor", disse ele com uma indiferença monótona que mais me enfureceu, "eu esqueci de reiniciar ... vou reiniciar ..."
"Você não está reiniciando nada!" Eu explodi. "Estou farto de vocês tentando pagar as tarifas, andar em círculos, ou fazer o que for possível para enganar as pessoas ... Eu só estou ... apenas ... farto!" com uma intensidade hipócrita. Meu amigo parecia envergonhado. O taxista apenas me encarou com a mesma expressão desafiadora encontrada com frequência entre as vacas sagradas que passeavam pelo meio de uma movimentada rua de Délhi e paravam, com a intenção sediciosa de segurar o tráfego. Ele olhou para mim como se minha explosão fosse apenas cansativa e entediante. Joguei algumas rúpias no banco da frente e, sem mais comentários, abri a porta do carro para a minha amiga e a segui para fora.
Em poucos minutos, pegamos outro táxi e estávamos a caminho de novo. Mas eu não pude deixar cair. Enquanto passávamos pelas ruas de Nova Deli, continuei a reclamar sobre como “todo mundo” em Nova Delhi estava disposto a enganar os turistas e que não éramos nada além de pedreiras. Meu colega ouviu em silêncio enquanto eu me enfurecia e delirava. Finalmente ela disse: “Bem, vinte rúpias é apenas cerca de um quarto. Por que ficar tão nervosa?
Eu fervi com piedosa indignação. "Mas é o princípio que conta!" Eu proclamei. "Eu não consigo ver como você pode ficar tão calmo com essa coisa toda, de qualquer maneira, quando isso acontece o tempo todo. Não te incomoda?
“Bem”, disse ela lentamente, “aconteceu por um minuto, mas comecei a pensar sobre o que estávamos falando no almoço, sobre o Dalai Lama dizendo o quanto é importante ver as coisas do ponto de vista de outra pessoa. Enquanto você estava ficando cansado, tentei pensar sobre o que eu poderia ter em comum com o taxista. Nós dois queremos boa comida para comer, dormir bem, sentir-se bem, ser amado e assim por diante. Então, tentei me imaginar como o taxista. Eu me sento em um táxi sufocante o dia inteiro sem ar condicionado, talvez eu esteja com raiva e ciumento de estrangeiros ricos ... e a melhor maneira que eu possa fazer para tornar as coisas "justas", ser feliz, é Derive maneiras de enganar as pessoas com dinheiro. Mas o problema é que, mesmo quando funciona e eu espreme algumas rúpias extras de um turista desavisado, não posso imaginar que seja uma maneira muito satisfatória de ser uma vida mais feliz ou satisfatória ... De qualquer forma, quanto mais eu Imaginei-me como o taxista, de alguma forma o menos irritado que eu estava com ele. Sua vida parecia triste ... Quero dizer, eu ainda não concordo com o que ele fez e estávamos certos em sair do táxi, mas eu não conseguia me excitar o suficiente para odiá-lo por isso. ..
Eu fiquei em silêncio. Surpreendida, de fato, em como eu Eu realmente absorvi do Dalai Lama. Naquela época, eu estava começando a desenvolver uma apreciação do valor prático de seus conselhos, como “entender o passado do outro” e, é claro, descobri que seus exemplos de como ele implementou esses princípios em sua própria vida são inspiradores. Mas enquanto eu pensava sobre nossa série de discussões, começando no Arizona e agora continuando na Índia, percebi que desde o início nossas entrevistas tinham tomado um tom clínico, como se eu estivesse perguntando sobre anatomia humana, só que neste caso. era a anatomia da mente e do espírito humanos. Até aquele momento, no entanto, de alguma forma, não me ocorrera aplicar suas idéias completamente à minha própria vida, pelo menos não agora - sempre tive uma vaga intenção de tentar implementar suas idéias em minha vida em algum momento do mundo. futuro, talvez quando eu tivesse mais tempo.
EXAMINANDO A BASE SUBJACENTE DE UM RELACIONAMENTO
Minhas conversas com o Dalai Lama no Arizona começaram com uma discussão sobre as fontes de felicidade. E apesar do fato de que ele escolheu viver sua vida como um monge, estudos mostraram que o casamento é um fator que pode, de fato, trazer felicidade - proporcionando a intimidade e laços estreitos que melhoram a saúde e a satisfação geral com a vida. Tem havido muitos milhares de pesquisas de americanos e europeus que mostram que, geralmente, as pessoas casadas são mais felizes e mais satisfeitas com a vida do que as solteiras ou viúvas - ou especialmente em comparação com pessoas divorciadas ou separadas. Uma pesquisa constatou que seis em cada dez americanos que classificam seu casamento como "muito feliz" também classificam sua vida como um todo como "muito feliz". Ao discutir o tópico das relações humanas, achei importante abordar o assunto desse comum. fonte de felicidade.
Minutos antes de uma entrevista agendada com o Dalai Lama, sentei-me com um amigo em um pátio ao ar livre no hotel em Tucson saboreando uma bebida gelada. Mencionando os tópicos de romance e casamento que eu pretendia mencionar em minha entrevista, meu amigo e eu logo começamos a compadecer-me de ser solteira. Enquanto conversávamos, um jovem casal de aspecto saudável, talvez os golfistas, que estavam de férias felizes no final da temporada turística, sentou-se a uma mesa perto de nós. Eles tinham a aparência de um casamento de meia-idade - não mais casais em lua de mel, talvez, mas ainda jovens e sem dúvida apaixonados. Deve ser legal, pensei.
Assim que se sentaram, começaram a brigar.
"... Eu te disse que íamos atrasar!", A mulher acusou acidamente, sua voz surpreendentemente rouca, o grasnar das cordas vocais empoeirados por anos de fumaça de cigarro e álcool. “Agora mal temos tempo suficiente para comer. Eu não posso nem aproveitar minha comida! ”
"... se você não demorou tanto para se preparar ..." o homem disparou de volta automaticamente, em tom mais baixo, mas cada sílaba carregada de aborrecimento e hostilidade.
Refutação. “Eu estava pronto há meia hora atrás. Você é quem teve que terminar de ler o jornal ... ”
E foi assim. Não parou. Como o dramaturgo grego Eurípides disse, “case-se e tudo pode correr bem. Mas quando um casamento falha, aqueles que se casam vivem em casa no inferno.
O argumento, aumentando rapidamente, pôs um fim rápido aos nossos lamentos sobre a vida de solteiro. Meu amigo apenas revirou os olhos e, citando uma frase de Seinfeld, disse: “Ah sim! Eu quero me casar em breve!
Apenas momentos antes, eu tinha toda a intenção de começar a sessão solicitando a opinião do Dalai Lama sobre as alegrias e virtudes do romance e do casamento. Em vez disso, entrei na suíte do hotel e, quase antes de me sentar, perguntei: “Por que você acha que os conflitos parecem surgir com tanta frequência nos casamentos?”
"Ao lidar com conflitos, é claro que pode ser bastante complexo", explicou o Dalai Lama. “Pode haver muitos fatores envolvidos. Então, quando estamos lidando com a tentativa de entender problemas de relacionamento, o primeiro estágio deste processo envolve refletir deliberadamente sobre a natureza e a base subjacentes desse relacionamento.
“Então, em primeiro lugar, é preciso reconhecer que existem diferentes tipos de relacionamentos e entender as diferenças entre eles. Por exemplo, deixando de lado a questão do casamento por um momento, mesmo dentro de amizades comuns, podemos reconhecer que existem diferentes tipos de amizades. Algumas amizades são baseadas em riqueza, poder ou posição. Nesses casos, sua amizade continua enquanto seu poder, riqueza ou posição for sustentado. Uma vez que esses fundamentos não estejam mais lá, a amizade também começará a desaparecer. Por outro lado, existe outro tipo de amizade. Amizades que se baseiam não em considerações de riqueza, poder e posição, mas sim no verdadeiro sentimento humano, um sentimento de proximidade em que há um senso de compartilhamento e conexão. Esse tipo de amizade é o que eu chamaria de amizade genuína, porque ela não seria afetada pelo status da riqueza, posição ou poder do indivíduo, seja aumentando ou diminuindo. O fator que sustenta uma amizade genuína é um sentimento de afeto. Se você não tiver, você não poderá sustentar uma amizade genuína. É claro, já mencionamos isso antes e tudo isso é muito óbvio, mas se você está se deparando com problemas de relacionamento, muitas vezes é muito útil simplesmente recuar e refletir sobre a base desse relacionamento.
Da mesma forma, se alguém tiver problemas com seu cônjuge, pode ser útil examinar a base subjacente do relacionamento. Por exemplo, muitas vezes você encontra relacionamentos muito baseados em atração sexual imediata. Quando um casal acaba de se conhecer, se vê em algumas poucas ocasiões, pode estar loucamente apaixonado e muito feliz ”, ele riu,“ mas qualquer decisão sobre o casamento feita naquele instante seria muito instável. Assim como alguém pode se tornar, em certo sentido, insano pelo poder da raiva ou do ódio intenso, também é possível que um indivíduo se torne insano em algum sentido poder de paixão ou luxúria. E às vezes você pode até encontrar situações em que um indivíduo pode sentir: 'Oh, meu namorado ou namorada não é realmente uma pessoa boa, não uma pessoa gentil, mas ainda me sinto atraído por ele'. Então, um relacionamento baseado essa atração inicial é muito pouco confiável, muito instável, porque é muito baseada em fenômenos temporários. Esse sentimento é muito curto, então depois de algum tempo, isso vai acontecer. Ele estalou os dedos. "Portanto, não seria uma grande surpresa se esse tipo de relacionamento tivesse problemas, e um casamento baseado nisso acabaria por causar problemas ... Mas o que você acha?"
"Sim, eu teria que concordar com você sobre isso", respondi. “Parece que em qualquer relacionamento, mesmo nos mais ardentes, a paixão inicial acaba esfriando. Algumas pesquisas mostraram que aqueles que consideram a paixão inicial e o romance como essenciais para seu relacionamento podem acabar desiludidos ou divorciados. Uma psicóloga social, Ellen Berscheid, da Universidade de Minnesota, acho, analisou essa questão e concluiu que a incapacidade de apreciar a meia-vida limitada do amor apaixonado pode condenar um relacionamento. Ela e seus colegas achavam que o aumento nas taxas de divórcio nos últimos vinte anos está parcialmente ligado à importância crescente que as pessoas atribuem a experiências emocionais positivas intensas em suas vidas - experiências como o amor romântico. Mas um problema é que esses tipos de experiências podem ser particularmente difíceis de sustentar com o tempo ... ”
"Isso parece muito verdadeiro", disse ele. “Então, ao lidar com problemas de relacionamento, você pode ver a tremenda importância de examinar e entender a natureza subjacente do relacionamento.
“Agora, enquanto alguns relacionamentos são baseados em atração sexual imediata, você pode ter outros tipos de relacionamentos, por outro lado, nos quais a pessoa em um estado mental frio perceberá que, fisicamente falando, em termos de aparência, meu namorado ou namorada pode não ser tão atraente, mas ele ou ela é realmente uma pessoa boa, gentil e gentil. Um relacionamento construído sobre isso forma um tipo de vínculo que é mais duradouro, porque existe um tipo de comunicação genuína em um nível muito humano e pessoal entre os dois ... ”
O Dalai Lama fez uma pausa por um momento, como se refletisse sobre a questão, e depois acrescentou: “Claro, devo deixar claro que se pode ter um relacionamento bom e saudável que inclua atração sexual como um componente. Assim, parece que pode haver dois tipos principais de relacionamentos baseados na atração sexual. Um tipo é baseado no desejo sexual puro. Neste caso, o motivo ou o ímpeto por trás do vínculo é apenas satisfação temporária, gratificação imediata. Nesse tipo de relacionamento, os indivíduos estão se relacionando uns com os outros não tanto quanto as pessoas, mas sim como objetos. Esse tipo de relacionamento não é muito bom. Se o relacionamento é baseado apenas no desejo sexual, sem um componente de respeito mútuo, então o relacionamento se torna quase como prostituição, em que nenhum lado tem respeito pelo outro. Um relacionamento construído principalmente sobre o desejo sexual é como uma casa construída sobre uma fundação de gelo; assim que o gelo derrete, o prédio desmorona.
“No entanto, existe um segundo tipo de relacionamento que também é baseado na atração sexual, mas no qual a atração física não é a base predominante do relacionamento. Neste segundo tipo de relacionamento há uma apreciação subjacente do valor da outra pessoa com base no seu sentimento de que a outra pessoa é gentil, gentil e gentil, e você concede respeito e dignidade àquele outro indivíduo. Qualquer relacionamento baseado nisso será muito mais duradouro e confiável. É mais apropriado. E para estabelecer esse tipo de relacionamento, é crucial gastar tempo suficiente para se conhecerem em um sentido genuíno, para conhecer as características básicas um do outro.
“Portanto, quando meus amigos me perguntam sobre o casamento deles, eu geralmente pergunto há quanto tempo eles se conhecem. Se eles disserem alguns meses, então eu costumo dizer: "Ah, isso é muito curto". Se eles disserem alguns anos, então parece ser melhor. Agora eles não apenas conhecem o rosto ou a aparência um do outro, mas eu acho que a natureza mais profunda da outra pessoa ... ”
"É como a citação de Mark Twain que 'nenhum homem ou mulher realmente sabe o que é amor perfeito até que eles se casem há um quarto de século ...'
O Dalai Lama assentiu e continuou: “Sim ... Então, acho que muitos problemas ocorrem simplesmente por causa do tempo insuficiente para se conhecerem. De qualquer forma, acho que, se alguém procura construir um relacionamento verdadeiramente satisfatório, a melhor maneira de fazer isso é conhecer a natureza mais profunda da pessoa e relacionar-se com ela ou com ele nesse nível, em vez de meramente com base nisso. de características superficiais. E nesse tipo de relacionamento existe um papel para a genuína compaixão.
"Agora, ouvi muitas pessoas afirmarem que o casamento delas tem um significado mais profundo do que apenas um relacionamento sexual Na verdade, o casamento envolve duas pessoas tentando unir suas vidas, compartilhar os altos e baixos da vida juntos, compartilhar uma certa intimidade. Se essa afirmação for honesta, então acredito que essa seja a base adequada na qual um relacionamento deve ser construído. Um relacionamento sólido deve incluir um senso de responsabilidade e compromisso para com o outro. É claro que o contato físico, o relacionamento sexual adequado ou normal entre um casal, pode proporcionar uma certa satisfação que pode ter um efeito calmante na mente de alguém. Mas, afinal, biologicamente falando, o principal propósito de uma relação sexual é a reprodução. E para conseguir isso, você precisa ter um senso de compromisso com os filhos, para que eles sobrevivam e prosperem. Portanto, desenvolver uma capacidade de responsabilidade e compromisso é crucial. Sem isso, o relacionamento proporciona apenas satisfação temporária. É só por diversão. Ele riu, uma risada que parecia infundida de admiração pelo vasto campo do comportamento humano.
RELAÇÕES BASEADAS NO ROMANCE
Parecia estranho falar sobre sexo e casamento com um homem de mais de sessenta anos de idade, que havia sido celibatário a vida inteira. Ele não parecia avesso a falar sobre essas questões, mas havia um certo distanciamento em seus comentários.
Ao pensar sobre a nossa conversa mais tarde naquela noite, ocorreu-me que ainda havia um componente importante dos relacionamentos que não cobrimos, e fiquei curioso para saber de sua opinião sobre o assunto. Eu trouxe no dia seguinte.
"Ontem estávamos discutindo relacionamentos e a importância de basear um relacionamento próximo ou casamento em mais do que apenas sexo", comecei. “Mas, na cultura ocidental, não é apenas o ato sexual físico, mas toda a ideia de romance - a ideia de se apaixonar, de se apaixonar profundamente pelo parceiro - que é vista como algo altamente desejável. Nos filmes, na literatura e na cultura popular, há uma espécie de exaltação desse tipo de amor romântico. Qual é a sua opinião sobre isso?
Sem hesitar, o Dalai Lama disse: “Eu acho que, deixando de lado como a busca incessante do amor romântico pode afetar nosso crescimento espiritual mais profundo, mesmo da perspectiva de um modo de vida convencional, a idealização desse amor romântico pode ser vista como um extremo. Diferentemente daqueles relacionamentos baseados em carinho e afeto genuíno, este é outro assunto. Não pode ser visto como algo positivo ”, disse ele decisivamente. “É algo que é baseado em fantasia, inatingível e, portanto, pode ser uma fonte de frustração. Então, nessa base, não pode ser visto como algo positivo ”.
Havia uma finalidade no tom do Dalai Lama, que transmitia que ele não tinha mais nada a dizer sobre o assunto. Em vista da tremenda ênfase que nossa sociedade coloca no romance, senti que ele estava descartando a atração do amor romântico de maneira muito leve. Dada a educação monástica do Dalai Lama, eu supus que ele não apreciasse plenamente as alegrias do romance, e questioná-lo mais sobre assuntos relacionados ao romance seria tão útil quanto pedir-lhe para sair ao estacionamento para dar uma olhada em um problema que eu estava tendo com a transmissão do meu carro. Levemente desapontado, me atrapalhei com minhas anotações por vários momentos e passei para outros tópicos.
O que torna o romance tão atraente? Ao olhar para essa questão, descobre-se que Eros - amor romântico, sexual e apaixonado - o êxtase supremo, é um potente coquetel de ingredientes culturais, biológicos e psicológicos. Na cultura ocidental, a ideia do amor romântico floresceu nos últimos duzentos anos sob a influência do romantismo, um movimento que muito contribuiu para moldar nossa percepção do mundo. O romantismo cresceu como uma rejeição da Era do Iluminismo anterior, com sua ênfase na razão humana. O novo movimento exaltou a intuição, emoção, sentimento e paixão. Enfatizava a importância do mundo sensorial, a experiência subjetiva do indivíduo e tendia para o mundo da imaginação, da fantasia, a busca de um mundo que não é - um passado idealizado ou um futuro utópico. Essa ideia teve profundo impacto não apenas na arte e na literatura, mas também na política e em todos os aspectos do desenvolvimento da cultura ocidental moderna.
O elemento mais atraente de nossa busca por romance é a sensação de se apaixonar. Forças poderosas estão no trabalho nos levando a buscar esse sentimento, muito mais do que simplesmente a glorificação do amor romântico que captamos em nossa cultura. Muitos pesquisadores acham que essas forças são programadas em nossos genes desde o nascimento. A sensação de se apaixonar, invariavelmente misturada com uma sensação de atração sexual, pode ser um componente instintivo geneticamente determinado do comportamento de acasalamento. De uma perspectiva evolucionária, o trabalho número um do organismo é sobreviver, reproduzir e assegurar a sobrevivência continuada da espécie. É no melhor interesse da espécie, portanto, se estamos programados para nos apaixonarmos; certamente aumenta as chances de nos acasalarmos e nos reproduzirmos. Assim, nós temos mecanismos embutidos para ajudar a fazer isso acontecer; Em resposta a certos estímulos, nossos cérebros fabricam e bombeiam produtos químicos que criam um sentimento de euforia, o "alto" associado à queda do amor. E enquanto nossos cérebros estão marinando naqueles produtos químicos, esse sentimento nos domina em momentos que todo o resto parece estar bloqueado.
As forças psicológicas que nos levam a buscar a sensação de estar amando são tão atraentes quanto as forças biológicas. No Simpósio de Platão, Sócrates conta a história do mito de Aristófanes, sobre a origem do amor sexual. De acordo com este mito, os habitantes originais da Terra eram criaturas redondas com quatro mãos e quatro pés e com as costas e os lados formando um círculo. Esses seres sem sexo auto-suficientes eram muito arrogantes e repetidamente atacavam os deuses. Para puni-los, Zeus lançou-lhes raios e os separou. Cada criatura agora tinha duas, cada metade ansiando por se fundir com a outra metade.
Eros, o impulso para o amor apaixonado e romântico, pode ser visto como esse antigo desejo de fusão com a outra metade. Parece ser uma necessidade humana universal e inconsciente. O sentimento envolve uma sensação de se fundir com o outro, de limites que se rompem, de se tornar um com o ente querido. Os psicólogos chamam isso de colapso dos limites do ego. Alguns acham que esse processo está enraizado em nossa primeira experiência, uma tentativa inconsciente de recriar a experiência que tivemos quando bebês, um estado primordial no qual a criança está completamente fundida com o pai ou com o cuidador principal.
Evidências sugerem que os recém-nascidos não distinguem entre si e o resto do universo. Eles não têm senso de identidade pessoal, ou pelo menos sua identidade inclui a mãe, os outros e todos os objetos em seu ambiente. Eles não sabem onde terminam e o "outro" começa. Eles não têm o que é conhecido como permanência do objeto: os objetos não têm existência independente; se eles não estão interagindo com um objeto, ele não existe. Por exemplo, se uma criança está segurando um chocalho, o bebê reconhece o chocalho como parte de si mesmo ou de si mesmo, e se o chocalho é retirado e escondido de vista, ele deixa de existir.
No nascimento, o cérebro ainda não está totalmente “conectado”, mas à medida que o bebê cresce e o cérebro amadurece, a interação do bebê com o mundo se torna mais sofisticada e o bebê ganha gradualmente um senso de identidade pessoal, de para “outro”. Junto com isso, um senso de isolamento se desenvolve e gradualmente a criança desenvolve uma consciência de suas próprias limitações. A formação da identidade, é claro, continua a se desenvolver ao longo da infância e adolescência à medida que a criança entra em contato com o mundo. O sentido das pessoas de quem elas são surge como resultado do desenvolvimento de representações internas, formadas em grande parte por reflexões de suas primeiras interações com as pessoas importantes em suas vidas, e reflexões de seu papel na sociedade em geral. Gradualmente, a identidade pessoal e a estrutura intrapsíquica tornam-se mais complexas.
Mas parte de nós ainda pode procurar regredir a um estado anterior de existência, um estado de felicidade no qual não há sentimento de isolamento, nem sentimento de separação. Muitos psicólogos contemporâneos sentem que a experiência inicial da “unidade” é incorporada em nossa mente subconsciente e, como um adulto, permeia nossas fantasias inconscientes e privadas. Eles acreditam que a fusão com o ente querido quando se está "apaixonado" ecoa a experiência de se fundir com a mãe na infância. Ele recria esse sentimento mágico, um sentimento de onipotência, como se tudo fosse possível. Uma sensação como essa é difícil de bater.
Não é de admirar então que a busca do amor romântico seja tão poderosa. Então, qual é o problema, e por que o Dalai Lama tão facilmente afirma que a busca do romance é uma coisa negativa?
Considerei o problema de basear um relacionamento no amor romântico, de me refugiar no romance como fonte de felicidade. Um ex-paciente, David, veio à mente. David, um arquiteto de paisagem de trinta e quatro anos, apresentou inicialmente ao meu consultório sintomas clássicos de uma grave depressão clínica. Ele explicou que sua depressão pode ter sido desencadeada por alguns pequenos estresses relacionados ao trabalho, mas "na maioria das vezes aconteceu". Discutimos a opção de um medicamento antidepressivo, que ele era a favor de, e instituímos um teste de um medicamento. antidepressivo padrão. A medicação provou ser muito eficaz, e em três semanas seus sintomas agudos melhoraram e ele voltou à sua rotina normal. Ao explorar sua história, no entanto, não demorou muito para perceber que, além de sua depressão aguda, ele também sofria de distimia, uma forma mais insidiosa de depressão crônica de baixo grau que esteve presente por muitos anos. Depois que ele se recuperou de sua depressão aguda, começamos a explorar sua história pessoal, estabelecendo uma base que nos ajudaria a entender a dinâmica psicológica interna que pode ter contribuído para sua história de muitos anos de distimia.
Depois de apenas algumas sessões, David entrou no escritório um dia em um estado de espírito jubiloso. "Eu me sinto ótimo!", Declarou ele. "Eu não me sinto tão bem em anos!"
Minha reação a essa maravilhosa notícia foi imediatamente avaliá-lo pela possibilidade de uma mudança para uma fase maníaca de um transtorno de humor. Esse não foi o caso, no entanto.
"Estou apaixonado!", Ele me disse. “Eu a conheci na semana passada em um site em que estou dando lances. Ela é a garota mais linda que eu já vi ... Saímos quase todas as noites esta semana, e, não sei, é como se fôssemos almas gêmeas - perfeitas uma para a outra. Eu simplesmente não consigo acreditar! Eu não namoro há dois ou três anos e estava chegando ao ponto de achar que nunca conheceria ninguém; então, de repente, lá estava ela.
David passou a maior parte daquela sessão catalogando todas as virtudes notáveis de sua nova namorada. "Acho que somos perfeitos um para o outro em todos os sentidos. Não é apenas uma coisa sexual também; nós estamos interessados nas mesmas coisas, e eu Não é assustador o quanto pensamos da mesma forma. Claro, eu estou sendo realista, e percebo que ninguém é perfeito ... Como na outra noite me incomodou um pouco porque eu pensei que ela estava flertando um pouco com alguns caras em um clube em que estávamos ... mas nós dois estávamos bebendo muito e ela estava apenas se divertindo. Nós discutimos isso depois e resolvemos isso
David voltou na semana seguinte para me informar que decidira abandonar a terapia. "Tudo está indo tão bem na minha vida, eu simplesmente não consigo ver o que há para falar em terapia", explicou ele. “Minha depressão acabou, estou dormindo como um bebê, estou de volta ao trabalho indo muito bem e estou em um ótimo relacionamento que parece estar cada vez melhor. Acho que recebi algo de nossas sessões, mas agora não consigo gastar dinheiro em terapia quando não há nada para trabalhar. "
Eu disse a ele que estava feliz por ele estar indo tão bem, mas o lembrei de alguns dos problemas familiares que começamos a identificar e que podem ter levado a sua história de distimia crônica. Todo o tempo, termos psiquiátricos comuns como "resistência" e "defesas" começaram a surgir em minha mente.
Ele não estava convencido. "Bem, essas podem ser coisas que eu gostaria de ver algum dia", ele disse, "mas eu realmente acho que isso tem muito a ver com a solidão, com a sensação de que alguém está faltando, uma pessoa especial que eu poderia compartilhar coisas com, e agora eu encontrei ela.
Ele foi inflexível em seu desejo de terminar a terapia naquele dia. Fizemos um arranjo para que seu médico de família acompanhasse seu regime de medicação, passasse a sessão em revisão e fechamento, e acabei assegurando-lhe que minha porta estava aberta a qualquer momento.
Vários meses depois, David voltou ao meu escritório:
"Eu tenho sido infeliz", disse ele com um tom desanimado. “Da última vez que te vi, as coisas estavam indo tão bem. Eu realmente achei que tinha encontrado meu parceiro ideal. Eu até levantei o assunto do casamento. Mas parecia que quanto mais eu me aproximava, mais ela se afastava. Ela finalmente terminou comigo. Eu fiquei realmente deprimido de novo por algumas semanas depois disso. Eu até comecei a ligar para ela e desligar apenas para ouvir sua voz, e dirigir pelo seu trabalho só para ver se o carro dela estava lá. Depois de cerca de um mês, fiquei cansado de fazer isso - foi tão ridículo - e pelo menos meus sintomas de depressão melhoraram. Quer dizer, eu estou comendo e dormindo bem, ainda me saindo bem no trabalho, e tenho muita energia e tudo, mas ainda sinto como se uma parte de mim estivesse faltando. É como se eu estivesse de volta à estaca zero, sentindo o mesmo que há anos ... ”
Nós retomamos a terapia.
Parece claro que, como fonte de felicidade, o romance deixa muito a desejar. E talvez o Dalai Lama não esteja longe da verdade ao rejeitar a noção de romance como base para um relacionamento e descrever o romance como meramente "uma fantasia ... inatingível", algo que não é digno de nossos esforços. Em um exame mais detalhado, talvez ele estivesse objetivamente descrevendo a natureza do romance em vez de fornecer um juízo de valor negativo colorido por seus anos de treinamento como monge. Mesmo uma fonte de referência objetiva, como o dicionário, que contém mais de uma dúzia de definições de “romance” e “romântico”, é liberalmente apimentada com frases como “um conto fictício”, “um exagero”, “uma falsidade”, “ fantasiosa ou imaginativa ”,“ não é prático ”,“ sem base de fato ”,“ característica de ou fazer amor idealizado ou cortejar ”, e assim por diante. É aparente que em algum lugar ao longo da estrada da civilização ocidental ocorreu uma mudança. O conceito antigo de Eros, com o sentido subjacente de se tornar um, de fusão com outro, assumiu um novo significado. O romance adquiriu uma qualidade artificial, com sabores de fraude e fraude, a qualidade que levara Oscar Wilde a observar desoladamente: “Quando se está apaixonado, sempre se começa a enganar a si mesmo, e um acaba sempre enganando os outros. Isso é o que o mundo chama de romance ”.
Anteriormente, exploramos o papel da proximidade e da intimidade como um componente importante da felicidade humana. Não há dúvidas disso. Mas se alguém está procurando por uma satisfação duradoura em um relacionamento, a base desse relacionamento deve ser sólida. É por essa razão que o Dalai Lama nos encoraja a examinar a base subjacente de um relacionamento, caso nos encontremos em um relacionamento que está azedando. A atração sexual, ou mesmo a sensação intensa de se apaixonar, pode desempenhar um papel na formação de um vínculo inicial entre duas pessoas, para uni-las, mas como uma boa cola epóxi, esse agente de ligação inicial precisa ser misturado com outros ingredientes antes endurecerá em um vínculo duradouro. Ao identificar esses outros ingredientes, voltamos mais uma vez à abordagem do Dalai Lama de construir um forte relacionamento - baseando nosso relacionamento nas qualidades de afeição, compaixão e respeito mútuo como seres humanos. Basear um relacionamento nessas qualidades nos permite alcançar um vínculo profundo e significativo não apenas com nosso amante ou cônjuge, mas também com amigos, conhecidos ou estranhos - virtualmente qualquer ser humano. Abre possibilidades ilimitadas e oportunidades de conexão.
O VALOR E OS BENEFÍCIOS DA COMPAIXÃO
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DEFININDO A COMPAIXÃO
Conforme nossas conversas progrediram, descobri que o desenvolvimento da compaixão desempenha um papel muito maior na vida do Dalai Lama do que simplesmente um meio de cultivar um sentimento de carinho e afeição, um meio de melhorar nosso relacionamento com os outros. Ficou claro, de fato, que, como budista praticante, o desenvolvimento da compaixão era parte integrante de seu caminho espiritual.
"Dada a importância que o budismo atribui à compaixão como parte essencial do desenvolvimento espiritual de uma pessoa", perguntei, "você pode definir com mais clareza o que você quer dizer com 'compaixão'?"
O Dalai Lama respondeu: “A compaixão pode ser definida grosseiramente em termos de um estado mental que não é violento, não é prejudicial e não é agressivo. É uma atitude mental baseada no desejo de que os outros sejam livres de seu sofrimento e está associada a um senso de compromisso, responsabilidade e respeito em relação ao outro.
“Ao discutir a definição de compaixão, a palavra tibetana Tse-wa, há também um sentido para a palavra de ser um estado de espírito que pode incluir um desejo de coisas boas para si mesmo. Ao desenvolver a compaixão, talvez se possa começar com o desejo de se libertar do sofrimento, e depois levar esse sentimento natural para si mesmo e cultivá-lo, intensificá-lo e estendê-lo para incluir e abraçar os outros.
“Agora, quando as pessoas falam de compaixão, penso que muitas vezes há o perigo de confundir compaixão com apego. Então, quando discutimos a compaixão, devemos primeiro fazer uma distinção entre dois tipos de amor ou compaixão. Um tipo de compaixão é tingido de apego - o sentimento de controlar alguém ou amar alguém para que essa pessoa o ame de volta. Esse tipo comum de amor ou compaixão é bastante parcial e tendencioso. E um relacionamento baseado apenas nisso é instável. Esse tipo de relacionamento parcial, baseado em perceber e identificar a pessoa como um amigo, pode levar a um certo apego emocional e sentimento de proximidade. Mas se houver uma ligeira mudança na situação, talvez um desentendimento, ou se seu amigo fizer algo para deixá-lo com raiva, então, de repente, sua projeção mental muda; o conceito de "meu amigo" não está mais lá. Então você vai encontrar o apego emocional evaporando e, em vez desse sentimento de amor e preocupação, você pode ter um sentimento de ódio. Então, esse tipo de amor, baseado no apego, pode estar intimamente ligado ao ódio.
“Mas existe um segundo tipo de compaixão que é livre de tal apego. Isso é compaixão genuína. Esse tipo de compaixão não se baseia tanto no fato de que essa pessoa ou essa pessoa é querida para mim. Pelo contrário, a genuína compaixão baseia-se na lógica de que todos os seres humanos têm um desejo inato de ser felizes e superar o sofrimento, assim como eu. E, assim como eu, eles têm o direito natural de cumprir essa aspiração fundamental. Com base no reconhecimento dessa igualdade e comunalidade, você desenvolve um senso de afinidade e proximidade com os outros. Com isso como base, você pode sentir compaixão, independentemente de ver a outra pessoa como um amigo ou um inimigo. Baseia-se nos direitos fundamentais do outro e não na sua própria projeção mental. Com base nisso, então, você irá gerar amor e compaixão. Isso é compaixão genuína.
“Assim, pode-se ver como fazer a distinção entre esses dois tipos de compaixão e cultivar a genuína compaixão pode ser muito importante em nossa vida cotidiana. Por exemplo, no casamento há geralmente um componente de apego emocional. Mas acho que, se há um componente de genuína compaixão também, baseado no respeito mútuo como dois seres humanos, o casamento tende a durar muito tempo. No caso de apego emocional sem compaixão, o casamento é mais instável e tende a terminar mais rapidamente ”.
A ideia de desenvolver um tipo diferente de compaixão, uma compaixão mais universal, uma espécie de compaixão genérica, divorciada do sentimento pessoal, parecia uma tarefa difícil. Passando-o em minha mente, como se pensasse em voz alta, perguntei: “Mas o amor ou a compaixão é um sentimento subjetivo. Parece que o tom emocional ou o sentimento de amor ou compaixão seriam os mesmos, quer fossem "marcados com apego" ou "genuíno". Então, se a pessoa experimentasse a mesma emoção ou sentimento em ambos os tipos, por que é importante distinguir entre os dois?"
Com um tom decidido, o Dalai Lama respondeu: “Primeiro, penso que existe uma qualidade diferente entre o sentimento de amor genuíno, ou compaixão, e o amor baseado no apego. Não é o mesmo sentimento. O sentimento de genuína compaixão é muito mais forte, muito mais amplo; tem uma qualidade muito profunda. Além disso, amor genuíno e compaixão são muito mais estáveis, mais confiáveis. Por exemplo, se você vir um animal sofrendo intensamente, como um peixe se contorcendo com um anzol em sua boca, você poderá experimentar espontaneamente um sentimento de não suportar sua dor. Esse sentimento não é baseado em uma conexão especial com aquele animal em particular, um sentimento de "Oh, esse animal é meu amigo". Nesse caso, você está baseando sua compaixão simplesmente no fato de que esse ser também tem sentimentos, pode experimentar dor, e tem o direito de não sentir essa dor. Então, esse tipo de compaixão, não misturado com desejo ou apego, é muito mais sólido e durável a longo prazo. ”
Indo mais fundo no assunto da compaixão, continuei: “Agora, no seu exemplo de ver um peixe sofrendo intensamente com um gancho em sua boca, você traz à tona um ponto vital - que está associado a um sentimento de não ser capaz de suportar dor."
"Sim", disse o Dalai Lama. “De fato, em certo sentido, pode-se definir a compaixão como o sentimento de insuportabilidade diante do sofrimento de outras pessoas, do sofrimento de outros seres sencientes. E para gerar esse sentimento é preciso primeiro apreciar a seriedade ou intensidade do sofrimento do outro. Então, eu acho que quanto mais alguém entende o sofrimento, e os vários tipos de sofrimento a que estamos sujeitos, mais profundo será o nível de compaixão. ”
Eu levantei a questão: “Bem, eu aprecio o fato de que uma maior consciência do sofrimento do outro pode aumentar nossa capacidade de compaixão. De fato, por definição, compaixão envolve abrir-se ao sofrimento do outro. Compartilhando o sofrimento de outro. Mas há uma questão mais básica: por que queremos enfrentar o sofrimento de outro quando não queremos o nosso? Quero dizer, a maioria de nós faz um grande esforço para evitar nossa própria dor e sofrimento, até mesmo ao ponto de usar drogas e assim por diante. Por que então nós deliberadamente assumimos o sofrimento de outra pessoa? ”
Sem hesitar, o Dalai Lama respondeu: "Sinto que há uma diferença significativa entre o seu próprio sofrimento e o sofrimento que você pode experimentar em um estado de compaixão, no qual você assume e compartilha o sofrimento de outras pessoas - uma diferença qualitativa." e então, como se visse sem esforço meus próprios sentimentos no momento, ele continuou: “Quando você pensa sobre o seu próprio sofrimento, há uma sensação de estar totalmente sobrecarregado. Há um sentimento de estar sobrecarregado, de ser pressionado por algo - um sentimento de desamparo. Há um embotamento, quase como se suas faculdades estivessem entorpecidas.
“Agora, ao gerar compaixão, quando você está sofrendo o sofrimento de outra pessoa, você também pode experimentar inicialmente um certo grau de desconforto, um sentimento de desconforto ou insuportabilidade. Mas no caso da compaixão, o sentimento é muito diferente; subjacente ao sentimento desconfortável está um nível muito alto de alerta e determinação, porque você está voluntária e deliberadamente aceitando o sofrimento de outro para um propósito maior. Há um sentimento de conexão e compromisso, uma disposição para alcançar os outros, um sentimento de frescor, em vez de tédio. Isso é semelhante ao caso de um atleta. Durante um treinamento rigoroso, um atleta pode sofrer muito - malhar, suar, forçar. Eu acho que pode ser uma experiência dolorosa e cansativa. Mas o atleta não vê isso como uma experiência dolorosa. O atleta consideraria isso uma grande conquista, uma experiência associada a um sentimento de alegria. Mas se a mesma pessoa estivesse sujeita a algum outro trabalho físico que não fazia parte de seu treinamento atlético, então o atleta pensaria: 'Oh, por que fui submetido a essa provação terrível?' Então a atitude mental faz uma tremenda diferença. "
Essas poucas palavras, ditas com tal convicção, elevaram-me de um sentimento oprimido a um sentimento de possibilidade de resolução do sofrimento, de transcender o sofrimento.
“Você menciona que o primeiro passo para gerar esse tipo de compaixão é uma apreciação do sofrimento. Mas existem outras técnicas budistas específicas usadas para aumentar a compaixão? ”
"Sim. Por exemplo, na tradição mahayana do budismo, encontramos duas técnicas principais para cultivar a compaixão. Estes são conhecidos como o método de causa e efeito de até sete pontos e a “troca e igualdade de si mesmo com os outros”. O método de “troca e igualdade” é a técnica que você encontrará no oitavo capítulo de Guia de Shantideva para o Modo de Vida dos Bodhisatvas. Mas ”, disse ele, olhando para o relógio e percebendo que o nosso tempo estava acabando,“ eu acho que vamos praticar alguns exercícios ou meditações sobre compaixão durante as palestras públicas no final desta semana. ”
Com isso, ele sorriu calorosamente e levantou-se para terminar a nossa sessão.
REAL valor DA VIDA HUMANA
Continuando nossa discussão de compaixão em nossa próxima conversa, comecei: “Agora, temos falado sobre a importância da compaixão, sobre sua crença de que afeição humana, cordialidade, amizade e assim por diante são condições absolutamente necessárias para a felicidade. Mas eu estou apenas imaginando - suponha, digamos, um rico empresário veio até você e disse: "Sua Santidade, você diz que o calor e a compaixão são cruciais para alguém ser feliz. Mas por natureza eu não sou apenas uma pessoa muito calorosa ou carinhosa. Para ser sincero, não me sinto particularmente compassivo ou altruísta. Eu costumo ser uma pessoa bastante racional, prática e talvez intelectual, e eu simplesmente não sinto esse tipo de emoção. No entanto, sinto-me bem com a minha vida, sinto-me feliz com a minha vida do jeito que é. Eu tenho um negócio muito bem sucedido, amigos, e eu cuido da minha esposa e filhos e pareço ter um bom relacionamento com eles. Eu só não sinto que está faltando alguma coisa. Desenvolver a compaixão, o altruísmo, o calor e assim por diante soa bem, mas, para mim, qual é o objetivo? Parece tão sentimental ... ”
“Primeiro de tudo”, respondeu o Dalai Lama, “se uma pessoa dissesse isso, eu ainda teria dúvidas se essa pessoa estava realmente feliz no fundo. Eu realmente acredito que a compaixão fornece a base da sobrevivência humana, o valor real da vida humana, e sem isso há uma peça básica faltando. Uma sensibilidade profunda aos sentimentos dos outros é um elemento de amor e compaixão, e sem isso, por exemplo, acho que haveria problemas na capacidade do homem de se relacionar com a esposa. Se a pessoa realmente tivesse essa atitude de indiferença em relação aos sofrimentos e sentimentos dos outros, então, mesmo que fosse bilionário, tivesse uma boa educação, não tivesse problemas com sua família ou filhos e estivesse cercada de amigos, outros ricos empresários, políticos e Líderes das nações, penso que, apesar de todas essas coisas, o efeito de todas essas coisas positivas permaneceria na superfície.
"Mas se ele continuasse a afirmar que não sentia compaixão, mas não sentia nada faltando ... então seria um pouco difícil ajudá-lo a entender a importância da compaixão ..."
O Dalai Lama parou de falar por um momento para refletir. Suas pausas intermitentes, que ocorreram durante nossas conversas, não pareciam criar um silêncio constrangedor; em vez disso, eles eram como uma força gravitacional, acumulando maior peso e significado para suas palavras quando a conversa recomeçou.
Finalmente, ele continuou: “Ainda assim, mesmo se fosse esse o caso, há várias coisas que eu poderia apontar. Primeiro, posso sugerir que ele reflita sobre sua própria experiência. Ele pode ver que, se alguém o trata com compaixão e afeto, isso faz com que ele se sinta feliz. Assim, com base nessa experiência, isso o ajudaria a perceber que outras pessoas também se sentem bem quando são mostradas calor e compaixão. Portanto, reconhecer esse fato pode torná-lo mais respeitoso com a sensibilidade emocional de outras pessoas e torná-lo mais propenso a dar-lhes compaixão e calor. Ao mesmo tempo, ele descobriria que, quanto mais você dá calor aos outros, mais calor você recebe. Eu não acho que levaria muito tempo para perceber isso. E como resultado, isso se torna a base da confiança mútua e da amizade.
Agora suponha que este homem tivesse todas essas facilidades materiais, fosse bem sucedido na vida, rodeado de amigos, financeiramente seguro e assim por diante. Eu acho que é até possível que sua família e filhos possam se relacionar com ele e experimentar um tipo de contentamento porque o homem é bem-sucedido e eles têm muito dinheiro e uma vida confortável. Eu acho que é concebível que até certo ponto, mesmo sem sentir calor humano e afeição, ele não experimente um sentimento de falta de algo. Mas se ele sentiu que tudo estava bem, que não havia um requisito real para desenvolver a compaixão, eu sugeriria que essa visão é devida à ignorância e falta de visão. Mesmo que parecesse que os outros estavam se relacionando com ele completamente, na realidade, o que está acontecendo é que grande parte do relacionamento ou interação com ele se baseia em sua percepção dele como um recurso bem-sucedido e rico. Eles podem ser influenciados por sua riqueza e poder e se relacionar com isso, e não com a própria pessoa. Assim, em certo sentido, embora possam não receber calor humano e afeição por parte dele, podem estar contentes; eles podem não esperar mais. Mas o que acontece é que, se sua fortuna declinou, então essa base do relacionamento enfraqueceria. Então ele começaria a ver o efeito de não ter calor e imediatamente começar a sofrer.
“No entanto, se as pessoas tiverem compaixão, naturalmente isso é algo com o qual elas podem contar; mesmo que tenham problemas econômicos e sua fortuna diminua, eles ainda têm algo a compartilhar com outros seres humanos. As economias mundiais são sempre tão tênues e estamos sujeitos a tantas perdas na vida, mas uma atitude compassiva é algo que sempre podemos carregar conosco ”.
Um atendente vestido de marrom entrou na sala e silenciosamente serviu chá, enquanto o Dalai Lama continuava: “Claro que, ao tentar explicar a alguém a importância da compaixão, em alguns casos, você pode estar lidando com um indivíduo muito endurecido, individualista e pessoa egoísta, alguém preocupado apenas com seus próprios interesses. E é até possível que existam pessoas que podem não ter a capacidade de se identificar com alguém que amam ou que estejam perto delas. Mas mesmo para essas pessoas, ainda é possível apresentar a importância da compaixão e do amor, alegando que essa é a melhor maneira de satisfazer seus interesses próprios. Eles desejam ter boa saúde, viver uma vida mais longa e ter paz de espírito, felicidade e alegria. E se estas são coisas que eles desejam, eu ouvi dizer que há até evidências científicas de que essas coisas podem ser aumentadas por sentimentos de amor e compaixão ... Mas como um médico, um psiquiatra, talvez você conheça melhor sobre esses conhecimentos científicos. reivindicações?
"Sim", eu concordei. "Eu acho que definitivamente há evidências científicas de apoio para sustentar as alegações sobre os benefícios físicos e emocionais de estados mentais compassivos."
“Então, acho que educar alguém sobre esses fatos e estudos científicos poderia certamente encorajar algumas pessoas a cultivar um estado de espírito mais compassivo ...”, comentou o Dalai Lama. “Mas acho que, além desses estudos científicos, há outros argumentos que as pessoas podem entender e apreciar a partir de sua própria experiência prática ou cotidiana. Por exemplo, você poderia apontar que a falta de compaixão leva a uma certa crueldade. Há muitos exemplos que indicam que, em algum nível no fundo, pessoas implacáveis geralmente sofrem de uma espécie de infelicidade e descontentamento, pessoas como Stalin e Hitler. Essas pessoas sofrem de uma espécie de sensação incômoda de insegurança e medo. Mesmo quando eles estão dormindo, acho que a sensação de medo permanece ... Tudo isso pode ser muito difícil para algumas pessoas entenderem, mas uma coisa que você pode dizer é que essas pessoas não têm algo que você possa encontrar em uma pessoa mais compassiva - sensação de liberdade, uma sensação de abandono, então quando você dorme você pode relaxar e deixar ir. Pessoas implacáveis nunca têm essa experiência. Algo está sempre segurando-os; existe algum tipo de controle sobre eles, e eles não são capazes de experimentar essa sensação de deixar ir, essa sensação de liberdade. ”
Ele parou por um momento, distraidamente coçando a cabeça, depois continuou: - Embora eu esteja apenas especulando, eu diria que se você perguntasse a algumas dessas pessoas implacáveis: “Quando você estava mais feliz, durante sua infância, quando estava sendo cuidado? por sua mãe e teve mais proximidade com sua família, ou agora, quando você tem mais poder, influência e posição? ”Eu acho que eles diriam que sua juventude era mais agradável. Acho que até mesmo Stalin foi amado por sua mãe na infância. ”
“Ao mencionar Stalin”, observei, “acho que você encontrou um exemplo perfeito do que está dizendo, das conseqüências de viver sem compaixão. É bem sabido que as duas principais características que caracterizaram sua personalidade foram sua crueldade e sua desconfiança. Ele via a crueldade como uma virtude, na verdade, e mudou seu nome de Djugashvili para Stalin, que significa "homem de aço". E como sua vida proQuanto mais implacável ele se tornava, mais desconfiado ele se tornava. Sua desconfiança era lendária. Seu medo e desconfiança dos outros acabaram levando a expurgos e campanhas maciças contra vários grupos de pessoas em seu país, resultando na prisão e execução de milhões de pessoas. Mas ele ainda continuou a ver inimigos em todos os lugares. Não muito antes de sua morte, ele disse a Nikita Khrushchev: "Não confio em ninguém, nem em mim mesmo". No final, ele até ligou sua equipe mais fiel. E, claramente, quanto mais implacável e poderoso ele se tornava, mais infeliz ele ficava. Um amigo disse que, finalmente, a única característica humana que ele havia deixado era sua infelicidade. E sua filha Svetlana descreveu como ele era atormentado pela solidão e por um vazio interior e chegou ao ponto em que ele não acreditava mais que as pessoas eram capazes de ser genuinamente sinceras ou afetuosas.
“De qualquer forma, sei que seria muito difícil entender pessoas como Stalin e por que fizeram as coisas horríveis que fizeram. Mas um dos pontos sobre os quais estamos falando é que mesmo esses exemplos extremos de pessoas implacáveis podem olhar para trás com nostalgia em alguns aspectos mais agradáveis de sua infância, como o amor que eles receberam de suas mães. Mas onde é que isso deixa muitas pessoas que não tiveram uma infância agradável ou mães amorosas? Pessoas que foram abusadas e assim por diante? Agora estamos discutindo o tema da compaixão. Para que as pessoas desenvolvam a capacidade de compaixão, você não acha que é necessário que elas sejam educadas por pais ou cuidadores que lhes mostraram calor e afeição? ”
"Sim, eu acho que é importante." Ele fez uma pausa, habilmente e automaticamente girando seu rosário entre os dedos enquanto refletia. “Há algumas pessoas que, desde o começo, sofreram muito e careciam da afeição dos outros - de modo que mais tarde na vida parece quase como se não tivessem sentimento humano, nenhuma capacidade de compaixão e afeição, aqueles que são endurecidos e brutais. ... O Dalai Lama fez outra pausa e, por vários momentos, pareceu refletir seriamente sobre a questão. Enquanto se inclinava sobre o chá, até o contorno dos ombros sugeria que ele estava imerso em pensamentos. Ele não mostrou inclinação para continuar imediatamente, e nós bebemos nosso chá em silêncio. Finalmente, encolheu os ombros, como se reconhecesse que não tinha solução.
“Então você acha que as técnicas para melhorar a empatia e desenvolver a compaixão não seriam úteis para pessoas com esse tipo de experiência difícil?”
"Há sempre diferentes graus de benefícios que alguém pode receber praticando vários métodos e técnicas, dependendo das circunstâncias particulares", explicou ele. "Também é possível que, em alguns casos, essas técnicas possam não ser eficazes ..."
Tentando esclarecer, eu interrompi: "E as técnicas específicas para melhorar a compaixão a que você está se referindo são ...?"
“Apenas o que nós temos falado sobre. Primeiro, aprendendo, compreendendo completamente o valor da compaixão - isso lhe dá um sentimento de convicção e determinação. Então, empregando métodos para melhorar a empatia, como usar sua imaginação, sua criatividade, para visualizar a si mesmo na situação de outra pessoa. E no final desta semana nas palestras públicas discutiremos certos exercícios ou práticas que você pode realizar, como a prática de Tong-Len, que serve para fortalecer sua compaixão. Mas acho importante lembrar que essas técnicas, como a prática de Tong-Len, foram desenvolvidas para ajudar o maior número possível de pessoas, pelo menos em parte da população humana. Mas nunca se esperou que essas técnicas pudessem ajudar 100% das pessoas, toda a população humana.
“Mas o ponto principal é realmente ... se estamos falando de vários métodos para desenvolver a compaixão - o importante é que as pessoas fazem um esforço sincero para desenvolver sua capacidade de compaixão. O grau em que eles realmente serão capazes de cultivar a compaixão depende de tantas variáveis, quem pode dizer? Mas se eles fizerem o melhor para serem mais bondosos, cultivarem a compaixão e tornarem o mundo um lugar melhor, então no final do dia eles poderão dizer: "Pelo menos eu fiz o melhor que posso!"
OS BENEFÍCIOS DA COMPASSÃO
Nos últimos anos tem havido muitos estudos que apoiam a ideia de que o desenvolvimento da compaixão e do altruísmo tem um impacto positivo em nossa saúde física e emocional. Em um experimento bem conhecido, por exemplo, David McClelland, um psicólogo da Universidade de Harvard, mostrou a um grupo de estudantes um filme de Madre Teresa trabalhando entre os doentes e os pobres de Calcutá. Os alunos relataram que o filme estimulou sentimentos de compaixão. Posteriormente, ele analisou a saliva dos alunos e encontrou um aumento na imunoglobulina A, um anticorpo que pode ajudar a combater infecções respiratórias. Em outro estudo feito por James House no Centro de Pesquisa da Universidade de Michigan, os pesquisadores descobriram que fazer um trabalho voluntário regular, interagindo com os outros de maneira calorosa e compassiva, aumentava drasticamente a expectativa de vida e, provavelmente, também a vitalidade geral. Muitos outros pesquisadores no novo campo da medicina mente-corpo demonstraram descobertas semelhantes, documentando que estados mentais positivos podem melhorar nossa saúde física.
Além dos efeitos benéficos na saúde física, há evidências de que a compaixão e o comportamento de cuidado contribuem para uma boa saúde emocional. Estudos têm mostrado que chegar para ajudar os outros pode induzir um sentimento de felicidade, uma mente mais calma e menos depressão. Em um estudo de trinta anos de um grupo de graduados em Harvard, o pesquisador George Vaillant concluiu, de fato, que a adoção de um estilo de vida altruísta é um componente crítico da boa saúde mental. Outra pesquisa de Allan Luks, realizada com milhares de pessoas que estavam regularmente envolvidas em atividades de voluntariado que ajudaram outras pessoas, revelou que mais de 90% desses voluntários relataram uma espécie de “alta” associada à atividade, caracterizada por uma sensação de calor, mais energia e uma espécie de euforia. Eles também tinham uma sensação distinta de calma e maior auto-estima após a atividade. Esses comportamentos de cuidado não apenas proporcionaram uma interação que era emocionalmente nutritiva, mas também foi descoberto que essa “calma de ajuda” estava ligada ao alívio de uma variedade de distúrbios físicos relacionados ao estresse também.
Embora a evidência científica apóie claramente a posição do Dalai Lama sobre o valor real e prático da compaixão, não é necessário confiar apenas em experimentos e pesquisas para confirmar a verdade dessa visão. Podemos descobrir os vínculos estreitos entre carinho, compaixão e felicidade pessoal em nossas próprias vidas e nas vidas daqueles que nos rodeiam. Joseph, um empreiteiro de sessenta anos que conheci há alguns anos, serve como uma boa ilustração disso. Por trinta anos Joseph montou o trem de molho, capitalizando em um boom de construção aparentemente ilimitado no Arizona para se tornar um multimilionário. No final dos anos 80, no entanto, ocorreu o maior acidente imobiliário na história do Arizona. José foi fortemente alavancado e perdeu tudo. Ele acabou declarando falência. Seus problemas financeiros criaram uma tensão em seu casamento, que finalmente resultou em um divórcio depois de vinte e cinco anos de casamento. Não surpreendentemente, Joseph não levou tudo isso muito bem. Ele começou a beber muito. Felizmente, ele conseguiu parar de beber com a ajuda de AA. Como parte de seu programa de AA, ele se tornou um patrocinador e ajudou outros alcoólatras a permanecerem sóbrios. Ele descobriu que gostava de seu papel como patrocinador, procurando ajudar os outros e começou a se voluntariar em outras organizações também. Ele colocou seu conhecimento de negócios para ajudar os economicamente desprivilegiados. Ao falar sobre sua vida atual, Joseph disse: “Eu possuo um pequeno negócio de reforma agora. Traz uma renda modesta, mas percebo que nunca serei tão rico quanto antes. O engraçado é que eu não quero esse tipo de dinheiro novamente. Eu prefiro muito mais gastar meu tempo como voluntário para diferentes grupos, trabalhando diretamente com as pessoas, ajudando-as da melhor maneira possível. Hoje em dia, eu me divirto mais puro em um dia do que em um mês quando estava ganhando muito dinheiro. Estou mais feliz do que já estive na minha vida! ”
MEDITAÇÃO DA COMPAIXÃO
Como prometido durante o curso de nossas conversas, fiel à sua palavra, o Dalai Lama concluiu uma palestra pública no Arizona com uma meditação sobre a compaixão. Foi um exercício simples. No entanto, de uma maneira poderosa e elegante, ele pareceu resumir e cristalizar sua discussão anterior sobre compaixão, transformando-a em um exercício formal de cinco minutos que era direto e direto ao ponto.
“Ao gerar compaixão, você começa reconhecendo que não quer sofrer e que tem o direito de ter felicidade. Isso pode ser verificado ou validado por sua própria experiência. Você então reconhece que outras pessoas, assim como você, também não querem sofrer e que elas têm o direito de ter felicidade. Então isso se torna a base do seu começo para gerar compaixão.
“Então ... vamos meditar na compaixão hoje. Comece visualizando uma pessoa que esteja agudamente sofrendo, alguém que esteja sofrendo ou esteja em uma situação muito infeliz. Durante os primeiros três minutos da meditação, reflita sobre o sofrimento do indivíduo de uma maneira mais analítica - pense em seu intenso sofrimento e no estado infeliz da existência dessa pessoa. Depois de pensar sobre o sofrimento dessa pessoa por alguns minutos, em seguida, tente relacionar isso a si mesmo, pensando: 'esse indivíduo tem a mesma capacidade de sentir dor, alegria, felicidade e sofrimento que eu sinto'. resposta natural a surgir - um sentimento natural de compaixão por essa pessoa. Tente chegar a uma conclusão: pensando o quanto você deseja que essa pessoa esteja livre desse sofrimento. E resolva que você ajudará essa pessoa a ser aliviada de seu sofrimento. Por fim, coloque sua mente de maneira incisiva nesse tipo de conclusão ou resolução e, nos últimos minutos da meditação, tente simplesmente gerar sua mente em um estado de compaixão ou amor. ”
Com isso, o Dalai Lama assumiu uma postura de meditação de pernas cruzadas, permanecendo completamente imóvel enquanto praticava a meditação junto com o público. Silêncio absoluto. Mas havia algo de muito agitado em sentar-se entre a assembléia naquela manhã. Imagino que mesmo o indivíduo mais endurecido não poderia deixar de ser movido quando cercado por mil e quinhentas pessoas, cada uma delas segurando o pensamento de compaixão em suas mentes. Depois de alguns minutos, o Dalai Lama entrou em um baixo canto tibetano, sua voz profunda, melódica, suavemente quebrando e caindo em tons que acalmavam, confortavam.
COMO ENCARAR O SOFRIMENTO
Na época do Buda, uma mulher chamada Kisagotami sofreu a morte do seu filho único. Sem conseguir aceitar o fato, ela corria de um a outro, em busca de um remédio que restaurasse a vida da criança. Dizia-se que o Buda teria esse medicamento.
Kisagotami foi ao Buda, fez-lhe reverência e apresentou seu pedido.
- O Buda pode fazer um remédio que recupere meu filho?
- Sei da existência desse remédio - respondeu o Buda. - Mas para fazê-lo, preciso ter certos ingredientes.
- Quais são os ingredientes necessários? - perguntou a mulher, aliviada.
- Traga-me um punhado de sementes de mostarda - disse o Buda. A mulher prometeu obter o ingrediente para ele; mas, quando ela estava saindo, o Buda acrescentou
um detalhe. - Exijo que
a semente de mostarda seja retirada de uma casa na quual não tenha havido morte de criança, cônjuge, genitor ou criado. .
A mulher concordou e começou a ir de casa en^n casa à pro~cura da semente de mostarda. Em cada casa, as pessoas concordavam em lhe dar as sementes; mas, quando ela lhes poerguntava se havia ocorrido alguma morte naquela residência, nãão conseguiu encontrar uma casa que não tivesse sido visitada pelaa morte. Uma filha nessa aqui, um criado na outra, em outras um mnarido ou pa.i haviam morrido.
Kisagotami não conseguiu encontrasar um lar quer fosse imune ao sofrimento da morte.
Vendo que não) estava só na sua dor, a mãe desapegou-se do corpo inerte do filhco e voltou a<:> Buda, que disse com enorme compaixão:
- Você achava que só você tinha perdido um fitilho. A lei da morte consiste em não haver permanência entre todas as criaturas vivas.
A procura de Kisagotami ensinou-lhe que ninguém vive sem estar exposto ao sofrimento e à perda. Ela não havia sido escolhida especificamente para aquaela terrível desgraça. Essa constatação não eliminou o inevi'itável sofrimento que deriva da perda, mas sem dúvida reduziu o sofrimento resultante da revolta contra essa tristee realidade da vida.
Embora a dor e o sofrimento sejam fenômenos humanos universais, isso não quer dizer que seja fácil] a tarefa de aceitá-los. Os seres humanos criaram um vastos repertório de estratégias para evitar a necessidade de passatr pelo sofrimento. Às vezes, recorremos a meios externos;, tais como produtos químicos - amortecendo e medicando nossa dar emocional com drogas ou álcool. Dispomos ttambém de 150A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
uma coleção de mecanismos internos - defesas psicológicas, muitas vezes inconscientes, que nos protegem, impedindo que sintamos um excesso de angústia e dor emocional quando deparamos com problemas. Ocasionalmente, esses mecanismos de defesa podem ser totalmente primitivos, como a simples recusa a admitir que exista um problema.
Outras vezes, podemos reconhecer vagamente que temos um problema, mas mergulhamos num milhão de distrações ou divertimentos para evitar pensar no assunto.
ou poderíamos,
ainda, recorrer à projeção - incapazes de aceitar que temos um problema, projetamos a questão inconscientemente nos outros e os culpamos pelo nosso sofrimento: "É, estou péssimo. Mas não sou eu quem está com o problema. É outra pessoa. Se não fosse aquele maldito chefe me atormentando o tempo todo [oùmeu sócio me ignorando'
ou...], tudo estaria bem."
O sofrimento somente pode ser evitado temporariamente. No entanto, como uma doença que se deixa sem tratamento (ou talvez que seja tratada superficialmente com medicamentos que apenas mascaram os sintomas mas não curam a condição original), o mal invariavelmente supura e se agrava. A euforia causada pelas drogas ou pelo álcool sem dúvida alivia nossa dor por um tempo; mas, com ouso contínuo, os danos físicos que atingem nosso corpo e o dano social às nossas vidas podem resultar em sofrimento muito maior do que a insatisfação difusa ou a aguda doer emocional que nos levaram a essas substâncias para começar. As defesas psicológicas internas, como a negação om a repressão, podem atuar como um escudo e nos proteger da sensação de dor por um período um pouco maior,
Im
mas mesmo assim elas não fazem com que o sofrimento desapareça.
Randall perdeu o pai, com câncer, há pouco mais de um ano. Era muito amigo do pai, e na época todos ficaram surpresos ao ver como ele aceitou bem a morte.
- É claro que estou triste - explicava ele, com estoicismo na voz. - Mas no fundo estou bem. Vou sentir falta dele, mas a vida continua. E seja como for, agora não posso me concentrar na falta que ele me faz. Preciso organizar o enterro e me encarregar do espólio para minha mãe... Mas vai dar tudo certo - dizia ele a todos, em tom tranqüilizador.
Um ano mais tarde, porém, pouco depois de se completar um ano da morte do pai, Randall começou a mergulhar em espiral numa grave depressão.
- Simplesmente não consigo entender o que está causando essa depressão -
explicou-me quando veio me ver. - Tudo parece estar indo bem neste exato momento.
Não pode ser a morte do meu pai. Ele morreu há mais de um ano, e eu já aceitei sua morte.
Com pouquíssima terapia, no entanto, tornou-se claro que, no esfor~o de manter as emoções sob rigoroso controle, a fim dèser forte", ele nunca havia lidado plenamente com seus sentimentos de perda e dor. Esses sentimentos continuaram a crescer até que finalmente se manifestaram como uma depressão arrasadora, à qual ele se viu forçado a dar atenção.
No caso de Randall, sua depressão desapareceu com bastante rapidez à medida que concentramos a atenção na dor e nos sentimentos de perda, e que ele pôde encarar e vivenciar sua dor plenamente. Às vezes, porém, nossas es-
tratégias inconscientes no sentido de evitar encarar nossos problemas são mais arraigadas - são mecanismos de defesa profundamente entranhados que podem se incorporar
à nossa personalidade e que são difíceis de extrair.
A maioria de nós tem um amigo, conhecido ou parente, por exemplo, que evita problemas projetando-os nos outros e atribuindo a culpa a eles - acusando os outros de defeitos que, na realidade, pertencem a ele. Esse é sem dúvida um método eficaz para eliminar problemas, e muitos desses indivíduos estão condenados a toda uma vida de infelicidade enquanto continuarem seguindo esse padrão de comportamento.
0 Dalai-Lama explicou em detalhes sua abordagem ao sofrimento humano - uma abordagem que em última análise inclui uma crença na possibilidade de nos libertarmos do sofrimento, mas que parte da aceitação do sofrimento como um fato natural da existência humana, aliada à coragem de encarar nossos problemas de frente.- No dia-a-dia da nossa vida, as situações difíceis fatalmente irão acontecer. Os maiores problemas na nossa vida são aqueles que inevitavelmente somos forçados a enfrentar, como a velhice, a doença e a morte. Procurar evitar nossos problemas ou simplesmente não pensar neles pode proporcionar um alívio temporário, mas na minha opinião há uma abordagem melhor. Se enfrentarmos diretamente nosso sofrimento, estaremos em melhor posição para apre-
ciar a profundidade do problema e sua natureza. Na guerra, enquanto permanecermos na ignorância do status e da capacidade bélica do inimigo, estaremos totalmente despreparados e paralisados pelo medo. Porém, se conhecermos a capacidade bélica do inimigo, que tipos de armas ele possui e assim por diante, nesse caso estaremos em posição muito melhor quando travarmos combate. Da mesma forma, se enfrentarmos nossos problemas em vez de evitá-los, estaremos em melhor posição para lidar com
eles.
Esse modo de enfocar nossos problemas era nitidamente razoável, mas eu quis aprofundar um pouco mais a questão.- É, mas e se enfrentássemos um problema de frente e descobríssemos que não há solução para ele? É algo bem difícil de encarar.
- Mas ainda assim acho que é melhor encarar essa realidade - respondeu ele, em tom marcial. - Por exemplo, poderíamos considerar negativos e indesejáveis aspecto como a velhice e a morte; e poderíamos simplesmente ten-. tar nos esquecer da sua existência. Mas com o tempo elegi acabam ocorrendo de qualquer modo. E se estivemos evi._ tando pensar nesses acontecimentos, quando chegar o diã em que ocorram, tudo virá como um choque, causando umã insuportável perturbação mental.
No entanto, se dedicarmos algum tempo a pensar na velhice, na morte e em outras tristezas, nossa mente estará muito mais estável quando elas surgirem, já que estaremos familiarizados com esses pre_ blemas e tipos de sofrimento, e teremos previsto que ocoL-
reriam.
w=.
"É por isso que acredito que possa ser útil uma preparação antecipada através da familiarização com os tipos de sofrimento que poderíamos enfrentar.
Voltando a usar ~a analogia do combate, refletir sobre o sofrimento pode ser encarado como um exercício militar. Pessoas que nunca ouviram falar em guerra, armas, bombardeios e similares poderiam desmaiar se precisassem travar combate. No entanto, através de treinamento militar, a mente poderia se familiarizar com o que pudesse ocorrer; de modo que, se eclodisse uma guerra, não seria tão difícil encará-la."
- Bem, dá para entender como a familiarização com os tipos de sofrimento que poderíamos enfrentar teria algum ,valor na redução do medo e da apreensão, mas ainda me parece que certos dilemas não apresentam nenhuma opção além da possibilidade do sofrimento. Como podemos evitar a preocupação nessas circunstâncias?
- Um dilema como o quê, por exemplo?
Parei para refletir um pouco.
- Bem, digamos que uma mulher esteja grávida e que um exame do líquido amniótico ou uma ultra-sonografia revele que a criança terá um grave defeito de nascença.
Descobrem que a criança terá alguma deficiência mental ou física de extrema gravidade.
Portanto, é 'óbvio que a mulher seja tomada pela ansiedade por não saber o que fazer. Ela pode resolver agir diante da situação e fazer um aborto, para poupar o bebê de toda uma vida de sofrimento; mas nesse caso ela pode passar por um sentimento de enorme perda e dor; e talvez tenha outros sentimentos, como a culpa. Ou ainda, ela pode optar por deixar a natureza seguir seu curso e ter o bebê.
Nesse caso, porém, ela pode ter
de encarar toda uma vida de dificuldades e sofrimento para
- Se abordamos esses problemas a partir da perspectiva ocidental ou da budista, esses tipos de dilema são extremamente difíceis - respondeu ele, num tom algo melancólico. - Nesse seu exemplo sobre a decisão de abortar o feto com um problema genético... ninguém sabe no fundo o que seria melhor a longo prazo. Mesmo que uma criança nasça com uma deficiência, talvez a longo prazo isso seja melhor para a mãe, para a família ou para a própria criança. Mas existe também a possibilidade de que, levando-se em conta as conseqüências futuras, talvez fosse melhor abortar.
Talvez essa solução fosse mais positiva no final das contas. Enfim, quem decide?
É muito difícil. Mesmo do ponto de vista do budismo, esse tipo de decisão fica além da nossa capacidade racional. - Ele fez uma pausa e acrescentou. - Na minha opinião, porém, a formação e as crenças da pessoa teriam um papel no modo pelo qual cada indivíduo poderia reagir a esse tipo de situação complicada...
Ficamos algum tempo sentados em silêncio. Afinal ele falou, abanando a cabeça.
- Quando refletimos sobre os tipos de sofrimento aos quais estamos sujeitos, podemos nos preparar mentalmente para esses fatos com antecedência até certo ponto, relembrando-nos de que podemos deparar com esses tipos de dilema na nossa vida. Podemos, portanto, nos preparar em termos mentais. Não deveríamos, entretanto, ignorar o fato de que essa atitude não ameniza a situação. Ela pode nos ajudar a lidar mentalmente com a situação, a reduzir
o medo e assim por diante, mas não ameniza o problema em si. Por exemplo, se vai nascer uma criança com um defeito congênito, por mais que se tenha pensado sobre isso com antecedência, ainda assim é preciso descobrir uma forma de lidar com a situação. E isso continua sendo difícil.
Enquanto ele dizia essas palavras, havia uma nota de tristeza na sua voz - mais do que uma nota, talvez um acorde. Mas a melodia que a acompanhava não era de desesperança. Por um minuto inteiro, o Dalai-Lama permaneceu mais uma vez calado, olhando pela janela como se dali estivesse contemplando o mundo inteiro.
Depois,
prosseguiu.
- Não há como evitar o fato de que o sofrimento faz parte da vida. E naturalmente temos uma tendência a não apreciar nosso sofrimento e nossos problemas.
Creio, porém, que em geral as pessoas não consideram que a própria natureza da nossa existência seja caracterizada pelo sofrimento... - De repente, o Dalai-Lama começou a rir. Ou seja, no dia do nosso aniversário as pessoas costumam dizer "Feliz aniversário!", quando na realidade o dia do nosso nascimento foi o dia do nascimento do sofrimento. Só que ninguém diz "Feliz dia-do-nascimento-do-sofrimento!" -
comentou ele em tom de brincadeira.
- Ao aceitar que o sofrimento faz parte da nossa existência diária, poderíamos começar pelo exame dos fatores que normalmente fazem surgir sentimentos de insatisfação e infelicidade mental. Em geral, por exemplo, nós nos sentimos felizes se nós mesmos, ou pessoas que nos são chegadas, recebemos elogios, temos acesso à fama, à fortuna e a outras coisas agradáveis. E nos sentimos infelizes e insatisfeitos se não obtemos esses sinais de sucesso ou se eles
vão para as mãos de algum rival nosso. Se observarmos o dia-a-dia de uma vida normal, porém, , com freqüência descobriremos que são vários fatores e condições que causam dor, sofrimento e insatisfação, ao passo que as condições que fazem surgir a alegria e a felicidade são raras em comparação. Temos de passar por isso, quer gostemos quer não. E, gomo essa . é a realidade da nossa existência, talvez precisemos modificar nossa atitude diante do sofrimento. Nossa atitude diante do sofrimento passa a ser muito importante porque ela pode afetar nosso modo de lidar com o sofrimento quando ele surgir. Ora, nossa atitude habitual consiste numa intensa aversão e intolerância à nossa dor e sofrimento. Entretanto, se pudermos transformar nossa atitude diante do sofrimento, adotar uma postura que nos permita urna maior tolerância quanto a ele, isso poderá ajudarem mito a neutralizar sentimentos de infelicidade, insatisfação e desgosto.
"No meu caso pessoal, a prática mais forte e mais eficaz para ajudar a tolerar o sofrimento consiste em ver e entender que o sofrimento é a natureza essencial da Samsara*, da existência não iluminada. Ora, quando passamos por alguma dor física ou qualquer outro problema, naturalmen-
Samsara (sânscrito) é um (-estado da existência caracterizado por infinitos ciclos de vida, morte e renascimento. Esse termo também se refere ao estado normal da nossa existência diária, que é caracterizado pelo sofrimento. Todos os seres permanecem nesse estado, impulsionados por registros cármicos de atos passados e de estados mentais negativos, caracterizados pela "ilusão", até quee cada um elimine da mente todas as tendências negativas e atinja um estado de liberdade.
te naquele instante há uma sensação de queixa, porque o sofrimento é muito forte. Há um sentimento de rejeição associado ao sofrimento, como se não devêssemos estar passando por aquilo. Naquele instante, porém, se pudermos encarar a situação de outro ângulo e perceber que este corpo... - ele deu um tapa no braço gomo demonstração
- é a própria base do sofrimento, isso reduz aquele sentimento de rejeição... aquele sentimento de que de algum modo não merecemos sofrer, de que somos vítimas.
Portanto, uma vez que compreendamos e aceitemos essa realidade, passaremos a vivenciar o sofrimento como algo que é perfeitamente natural.
"Logo, por exemplo, quando lidamos com o sofrimento pelo qual passou o povo tibetano, por um lado, poderíamos observar a situação e nos sentir arrasados, perguntando a nós mesmos: `Como é que foi acontecer uma coisa dessas?' Já de outro ângulo poderíamos refletir sobre o fato de que o Tibete também se encontra no meio da Samsara - disse ele, com uma risada -, da mesma forma que o planeta e a galáxia inteira. - Ele riu novamente.
- Por isso, seja como for, nosso modo de perceber a vida como um todo influencia nossa atitude diante do sofrimento. Por exemplo, se nosso enfoque básico é o de que o sofrimento é negativo, precisa ser evitada a todo custo e, em certo sentido, é um sinal de fracasso, essa postura acrescentará um nítido componente psicológico de ansiedade e intolerância quando enfrentarmos circunstâncias difíceis, uma sensação de estar arrasado. Por outro lado, se nosso enfoque básico aceitar que o sofrimento é uma parte natural da existência, isso indubitavelmente nos tornará
mais tolerantes diante das adversidades da vida. E, sem um certo grau de tolerância para com o sofrimento, nossa vida passa a ser insuportável. É como passar uma noite péssima. Essa noite parece eterna; parece que não vai terminar nunca.
- A meu ver, quando o senhor diz que a natureza implícita da existência é caracterizada pelo sofrimento, que em sua essência ela é insatisfatória, isso me sugere uma visão bastante pessimista, na realidade bem desanimadora - comentei. O
Dalai-Lama rapidamente esclareceu sua posição.
- Quando falo da natureza insatisfatória da existência, é preciso entender que isso se insere no contexto do caminho budista como um todo. Essas reflexões precisam ser compreendidas no seu contexto adequado, que é dentro das coordenadas do caminho budista. Se não se tiver essa visão do sofrimento dentro do seu contexto adequado, concordo que existe um perigo, ou mesmo uma probabilidade, de que esse tipo de abordagem seja considerado equivocadamente como bastante pessimista e negativo.
Conseqüentemente, é importante compreender a postura básica do budismo diante de toda a questão do sofrimento. Isso nós encontramos nos próprios ensinamentos públicos do Buda. O primeiro ponto
que ele ensinou foi o princípio das Quatro Nobres Verdades, a primeira das quais é a Verdade do Sofrimento. E, nesse princípio, dá-se muita ênfase à conscientização da natureza sofredora da nossa existência.
"O que temos de ter em mente é que a razão pela qual é tão importante refletir sobre o sofrimento está na possibilidade de uma saída, de uma alternativa.
Existe a possibilidade de nos liberarmos do sofrimento. Com a eliminação
das causas do sofrimento, é possível alcançar um estado de Liberação, um estado imune ao sofrimento. De acordo com o pensamento budista, as causas primeiras do sofrimento são a ignorância, a ganância e o ódio. Esses são considerados os `três venenos da mente'. Esses termos têm conotações específicas quando usados dentro de um contexto budista. Por exemplo, a ìgnorância' não se refere a uma falta de informação, como o termo é usado no sentido corriqueiro, mas se refere, sim, a um equívoco fundamental de percepção da verdadeira natureza do eu e de todos os fenômenos. Quando geramos uma percepção profunda da verdadeira natureza da realidade e eliminamos estados mentais aflitivos, tais como a ganância e o ódio, podemos atingir um estado mental totalmente purificado, livre do sofrimento. Dentro de um contexto budista, quando refletimos sobre o fato de que nossa existência normal do dia-adia é caracterizada pelo sofrimento, isso serve para nos estimular a adotar práticas que eliminem as causas primeiras do nosso sofrimento. Se não fosse assim, se não houvesse esperança, nem nenhuma possibilidade de nos livrarmos do sofrimento, a simples reflexão
sobre o sofrimento seria apenas uma atividade mórbida e totalmente negativa.
Enquanto ele falava, comecei a perceber como refletir sobre nossa "natureza sofredora"
poderia influenciar nossa aceitação das inevitáveis tristezas da vida e poderia até mesmo ser um método valioso para pôr nossos problemas diários numa perspectiva adequada. Comecei também a me dar conta de como o sofrimento poderia chegar mesmo
a
ser visto num contexto mais amplo, como parte de um caminho espiritual maior, especialmente tendo em vista o paradigma budista, que reconhece a possibilidade de purificação da mente e de que se acabe por alcançar um estado em que não mais haja sofrimento. No entanto, afastando-me dessas importantes especulações filosóficas, eu estava curioso por saber como o Dalai-Lama lidava com o sofrimento num nível mais pessoal, como ele enfrentava, por exemplo, a morte de um ser amado.
Quando visitei Dharamsala pela primeira vez muitos anos atrás, conheci o irmão mais velho do Dalai-Lama, Lobsang Samden. Gostei muito dele e me entristeci ao saber da sua morte repentina há alguns anos.
- Imagino que a morte do seu irmão Lobsang tenha sido um golpe para o senhor... -
disse eu, sabendo que ele e o Dalai-Lama eram muito íntimos.
- Foi.
fato.
- Eu só gostaria de saber como o senhor lidou com o
- Naturalmente, fiquei muito, muito triste quando soube da sua morte -disse ele, baixinho.
- E como o senhor lidou com esse sentimento de tristeza? Quer dizer, houve alguma coisa específica que o ajudou a superá-lo?
-Não sei -disse ele, pensativo. -Senti aquela tristeza por algumas semanas, mas aos poucos ela se dissipou. Mesmo assim, havia uma sensação de remorso...
- Remorso?
- É. Eu estava viajando quando ele morreu; e acho que, se estivesse lá, talvez houvesse alguma coisa que eu teria podido fazer para ajudar. Por isso, sinto esse remorso.
Uma vida inteira de contemplação da inevitabilidade do sofrimento humano pode ter desempenhado um papel para ajudar o Dalai-Lama a aceitar sua perda, mas ela não gerou um indivíduo frio e desprovido de emoções, com uma severa resignação diante do sofrimento. A tristeza na sua voz revelava um homem de profunda sensibilidade
humana. Ao mesmo tempo, a franqueza e honestidade da sua atitude, totalmente desprovida de autocomiseração ou de auto-recriminação, transmitiam a impressão inconfundível
de um homem que aceitara plenamente sua perda.
Naquele dia, nossa conversa se estendera até o final da tarde. Lâminas de luz dourada, entrando pelas venezianas de madeira, avançavam lentamente pela sala que ia escurecendo. Percebi uma atmosfera melancólica a impregnar o ambiente e soube que nossa conversa estava chegando ao final. Mesmo assim, eu esperava fazer-lhe perguntas mais detalhadas sobre a questão da perda, para ver se ele teria outros conselhos sobre como sobreviver à morte de um ente querido, que não fosse a simples aceitação da inevitabilidade do sofrimento humano.
Quando eu estava a ponto de me estender nesse assunto, porém, ele me pareceu algo perturbado; e eu percebi uma sombra de exaustão nos seus olhos. Logo, seu secretário entrou em silêncio e me lançou O Olhar. Aprimorado em anos de prática, ele indicava que estava na hora de eu ir embora.
- É... - disse o Dalai-Lama, em tom de desculpas - talvez devêssemos encerrar...
estou um pouco cansado.
No dia seguinte, antes que eu tivesse oportunidade de voltar ao assunto nas nossas conversas particulares, a questão foi levantada na sua palestra ao público.
- O senhor tem alguma sugestão sobre como lidar com uma brande perda pessoal, como a perda de um filho? - perguntc,u um membro da platéia, em evidente sofrimento.
- Até certo ponto - respondeu o Dalai-Lama, com um tom ~uave de compaixão -
isso depende das crenças pessoais do indivíduo. Se as pessoas acreditam na reencarnaÇão,
em conformidade com isso há algum modo de reduzir a tris:eza ou a preocupação. Elas podem consolar-se com o fato de que seu ente querido venha a renascer.
`Para aquelas pessoas que não acreditam na reencarnaçãp creio que ainda existem alguns métodos simples para ajudar a lidar com a perda. Para começar, elas poderiam considerar que, caso se preocupem demais, permitindo que vejam dominadas pela sensação de perda e tristeza, e caso persistam nessa sensação de ser dominadas, isso não só seria destrutivo e prejudicial para elas, acabando com sua saúde, mas também não traria nenhum benefício à pessoa ciue tivesse falecido.
"No meu caso, por exemplo, perdi meu mestre mais respeitado, minha mãe e também um dos meus irmãos. Naturalnente, quando eles faleceram, senti muita, muita tristeza. Então eu não parava de pensar que de nada adiantava tanta aflição; e que, se eu de fato amava aquelas pessoas,, precisava cumprir seus desejos com a mente serena. E eu me esforço ao máximo para fazer isso. Portanto, minha opinião, se perdemos alguém que nos é muito querido, essa é a forma correta de abordar a situação. Vejam bem, o melhor modo de guardar uma lembrança daquela pesscoa, a melhor recordação, é ver se conseguimos realizar os desejos daquela pessoa.
"Naturalmente, de início, os sentimentos de dor e ansiedade são a reação humana natural a uma perda. No entanto, se permitirmos que esses sentimentos de perda e aflição perdurem, surge um perigo. Se esses sentimentos não forem controlados, poderão levar a uma espécie de ensimesmamento. Uma situação em que o foco de atenção passa a ser o próprio eu. E quando isso acontece, somos dominados pela sensação da perda e temos a impressão de que só nós estamos passando por aquilo.
Instala-se a depressão. Mas, na realidade, existem outros que estarão passando pelo mesmo tipo de experiência. Portanto, se nos descobrimos aflitos demais, pode ajudar pensar em outras pessoas que vivem tragédias semelhantes ou até mesmo piores.
Uma vez que percebamos isso, não nos sentiremos mais isolados, como se tivéssemos sido selecionados especialmente. Isso pode nos proporcionar algum tipo de conforto."
Embora a dor e o sofrimento sejam vivenciados por todos os seres humanos, muitas vezes tive a sensação de que as pessoas criadas em algumas culturas orientais parecem ter uma tolerância e aceitação maiores diante do sofrimento. Em parte, isso pode decorrer das suas crenças, mas talvez seja por ser o sofrimento mais visível em nações mais pobres, como a índia, do que em países mais prósperos. A fome, a pobreza, a doença e a morte apresentam-se aos olhos de todos. Quando uma pessoa envelhece ou adoece, ela não é marginalizada, despachada para asilos para receber os cuidados de profissionais da saúde: essas pessoas permanecem na comunidade e são tratadas pela família.
.tue merecem que lhes aconteçam coisas crenças podem ter uma influência importante
.. se levar uma vida mais feliz e mais saudável. No entanto, o inevitável surgimento do sofrimento solapa essas crenças e pode dificultar a continuidade dessa vida feliz e eficaz. Nesse contexto, um trauma relativamente insignificante pode ter um impacto psicológico enorme já que a pessoa perde a fé nas suas crenças essenciais a respeito de um mundo justo e benevolente. Disso resulta uma intensificação do sofrimento.
Não há dúvidas de que, com a tecnologia crescente, o nível geral de conforto físico aumentou para muitos na sociedade ocidental. É nesse ponto que ocorre uma mudança crítica na percepção. Como o sofrimento se torna menos visível, ele não é mais visto como parte da natureza fundamental dos seres humanos - mas, sim, como uma anomalia, um sinal de que algo deu terrivelmente errado, um indício de
"colapso" de algum sistema, uma violação da nossa garantia de direito à felicidade!
Esse tipo de linha de pensamento apresenta riscos ocultos. Se pensarmos no sofrimento como algo antinaturxl, algo que não deveríamos estar vivenciandc, não será um grande salto começar a procurar por alguém a quem pos~aamos culpar pelo nosso sofrimento. Se me sinto infeliz, é porque devo ser a "vítima" de alguém ou de algo - uma
:Ridéia que infelizmente é bastante comum no Ocidente. Seja o governo, o sistema educacional, pais violentos, uma "família desajustada", o outro sexo ou nos so parceiro insensível. Ou ainda pode ser que voltemos a culpa para dentro: há algo de errado comigo, sou vítima de alguma enfermidade, ou de genes defeituosos, talvez. No
°" entanto, o risco envolvido em continuarmos a atribuir culpa e a manter a postura de vítima é a perpetuação do nosso sofrimento - com sentimentos persistentes de raiva, frustra çãG e ressentimento.
Naturalmente, o desejo de nos livrarmos do sofrimento -~ o objetivo legítimo de cada ser humane. É o coroláriodo nosso desejo de sermos felizes. Portanto, é perfeitamente apropriado que pesquisemos as causas da nossa infelicidade e façamos o que for possível para aliviar nossos problemas, procurando por soluções em todos os níveis $lcbal, da sociedade, da família e do indivíduo. Porém, enQutnto encararmos o sofrimento como um estado antinatumliuma condição anormal que tememos, evitamos e rejeitarios, nunca erradicaremos as causas do sofrimento para ter a levar uma vida feliz.
foi ficando mais alta, mais furiosa e mais cheia de veneno, enquanto ele repassava queixas e mais queixas contra a exmulher ao longo dos vinte minutos seguintes.
A sessão estava chegando ao final. Percebendo que ele estava só ganhando ímpeto e que poderia facilmente continuar a falar daquele jeito por horas, tentei redirecioná-lo.
- Bem, a maioria das pessoas tem dificuldade para se ajustar a um divórcio recente; e sem dúvida esse é um assunto do qual poderemos tratar em sessões futuras
- disse eu, em tom conciliador. - Por sinal, há quanto tempo está divorciado?
- Há dezessete anos, completos em maio.
No último capítulo, examinamos a importância de aceitar o sofrimento como um fato natural da existência humana. Embora alguns tipos de sofrimento sejam inevitáveis, outros são criados pela própria pessoa. Estudamos, por exemplo, como a recusa a aceitar o sofrimento como parte natural da vida pode levar a que a pessoa se considere uma eterna vítima e culpe os outros pelos seus problemas
pode servir a um objetivo limitado. Ela pode acrescentar dramaticidade e uma certa emoção à nossa vida, ou despertar atenção e solidariedade nos outros. Mas isso parece não compensar a infelicidade que continuamos a suportar.
Ao falar sobre como aumentamos nosso próprio sofrimento, o Dalai-Lama deu uma explanação.
- Podemos ver que há muitas formas pelas quais contribuímos ativamente para nossa própria experiência de sofrimento e inquietação mental. Embora em geral as próprias aflições emocionais e mentais possam surgir naturalmente, com freqüência é nosso reforço dessas emoções negativas que as torna muito mais graves. Por exemplo, se sentimos raiva ou ódio por uma pessoa, há menos probabilidade de que essa emoção atinja um nível muito intenso se nós a deixarmos de lado. Porém, se pensarmos nas deslealdades que nos teriam sido feitas, nas formas pelas quais fomos tratados injustamente, e se não pararmos de remoer essas coisas o tempo todo, isso alimenta o ódio. Essa atitude confere ao ódio muito poder e intensidade.
Naturalmente, o mesmo pode se aplicar a algum apego que tenhamos por uma determinada
pessoa. Podemos nutrir esse sentimento pensando em como a pessoa é linda; e, enquanto não paramos de pensar nas qualidades projetadas que vemos na pessoa, o apego
vai ficando cada vez mais forte. Isso demonstra, entretanto, como nós podemos, através do pensamento e da familiaridade constante, tornar nossas emoções mais fortes e intensas.
"Também costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sensíveis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e às vezes levando as coisas para
um lado muito pessoal. Nossa tendência é a de levar fatos ínfimos muito a sério e ampliá-los de modo totalmente desproporcional, ao mesmo tempo que permanecemos indiferentes ao que é realmente importante, àqueles fatos que têm efeitos profundos na nossa vida além de conseqüências e implicações duradouras.
"Por isso, creio que o fato de sofrermos ou não depende em grande parte de como reagimos a uma determinada situação. Por exemplo, digamos que tenhamos descoberto que alguém está falando mal de nós pelas nossas costas. Se reagirmos a essa informação de que alguém está falando mal de nós, a esse fato negativo, com uma sensação de mágoa ou raiva, somos nós mesmos que estamos destruindo nossa paz de espírito.
Nossa dor é nossa própria criação pessoal. Por outro lado, se nos contivermos para não reagir de modo negativo, se deixarmos que a calúnia se dissipe como um vento silencioso que passa por trás da nossa cabeça, estaremos nos protegendo daquela sensação de mágoa, daquela sensação de agonia. Logo, embora nem sempre sejamos capazes de evitar situações difíceis, podemos modificar a intensidade do nosso sofrimento
pela escolha de como reagiremos à situação."
"Também costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sensíveis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e às vezes levando as coisas para um lado muito pessoal... "Com essas palavras, o Dalai-Lama reconhece a origem de muitas irritações do dia-a-dia que podem se acumular de modo a representar uma importante
sofrimento. Alguns terapeutas às vezes chamam esse processo de personalização da dor
- a tendência a estreitar nosso campo de visão psicológica, interpretando ou confundindo tudo o que ocorre em termos do seu impacto sobre nós.
Uma noite eu estava jantando com um colega de trabalho num restaurante. Oserviço no restaurante acabou se revelando muito lento; e, desde o momento em que nos sentamos, meu colega começou a se queixar.
- Veja só! Aquele garçom parece uma lesma! Onde é que ele pensa que está? Acho que está nos ignorando de propósito!
Embora nenhum de nós dois tivesse qualquer compromisso urgente, as queixas do meu colega quanto à lentidão do serviço continuaram a aumentar ao longo da refeição e se expandiram numa ladainha de reclamações sobre a comida, a louça, os talheres e qualquer outro detalhe que não fosse do seu agrado. Ao final da refeição, o garçom nos ofereceu duas sobremesas de cortesia, com uma explicação.
- Peço desculpas pela demora do serviço hoje - disse, em tom sincero -, mas estamos com falta de pessoal. Houve um falecimento na família de um dos cozinheiros, e ele não veio hoje. Além disso, um dos auxiliares avisou que estava doente na última hora. Espero que a demora não tenha causado nenhum inconveniente...
- Mesmo assim, nunca mais vou voltar aqui - resmungou entre dentes meu colega, com irritação, enquanto 0 garçom se afastava.
Esse é um pequeno exemplo de como contribuímos para nosso próprio sofrimento quando levamos para o lado
pessoal cada situação irritante, como se ela tivesse sido intencionalmente dirigida a nós.
Nesse caso, o resultado foi apenas uma refeição desagradável, uma hora de aborrecimento. Porém, quando esse tipo de raciocínio passa a ser um modelo geral de relacionamento com o mundo e se estende a cada comentário feito por nossa família ou amigos, ou mesmo a acontecimentos na sociedade como um todo, ele pode se tornar uma fonte importante da nossa infelicidade.
Ao descrever as implicações mais amplas desse tipo de raciocínio limitado, Jacques Lusseyran fez uma vez uma observação perspicaz. Lusseyran, cego desde os oito anos de idade, foi o fundador de um grupo de resistência na Segunda Guerra Mundial. Acabou sendo capturado pelos alemães e encarcerado no campo de concentração
de Buchenwald. Mais tarde, ao relatar suas experiências no campo, Lusseyran afirmou:
"... Percebi então que a infelicidade chega a cada um de nós porque acreditamos ser o centro do universo, porque temos a triste convicção de que só nós sofremos ao ponto da intensidade insuportável. A infelicidade é sempre se sentir cativo na própria pele, no próprio cérebro."
"MAS NÃO É JUSTO!"
No nosso dia-a-dia, os problemas surgem invariavelmente. No entanto, os problemas em si não causam automaticamente o sofrimento. Se conseguirmos lidar diretamente
com nosso problema e voltar nossas energias para descobrir uma solução, por exemplo, o problema pode ser trans sformado num desafio.
Porém, se acrescentarmos à receit,ta uma sensação de que nosso problema é "injusto", estaremos juntando um ingrediente que pode se tornar um poderos<;o combustível para a geração de inquietação mental e sofriimento emocional. E então não só passamos a ter dois pro)blemas em vez de um, mas essa sensação de "injustiça"' nos perturba, nos corrói e nos rouba a energia necessária para resolver o problema original.
Levantando essa questão com o Dalai-Lama um dia d.e manhã, fiz-lhe uma pergunta. .
- Como podemos lidar com o sentimento de injustiça que tantas vezes nos atormenta quando surgem problemas>?
- Pode haver uma variedade de modos para lidar com o sentimento de que nosso sofrimento não é justo. Já falei da importância de aceitar o sofrimento como um fato natural da existência humana. E creio que, sob certos aspectos, os tibetanos poderiam estar em melhor posição pari aceitar a realidade dessas situações difíceis já pelo seu passado. Eles atribuirão a situação a atos negativos cometidos nesta vide ou numa vida anterior; e assim existe para eles um maio grau de aceitação. Já vi algumas famílias nos nossos povoados na índia, em situações dificílimas: vivendo em cordições miseráveis e, ainda por cima, com filhos cegos do dois olhos ou às vezes com deficiência mental. E de algun modo essas senhoras ainda conseguem cuidar deles, ci zendo simplesmente que é o carena dos filhos, que é se. destino.
"Ao mencionar o carena, creio ser importante salienta e compreender que às vezes, em decorrência de uma con-
preensão falha da dou~rina do carma, há uma tendência a culpar o carma por t'a(l° e a procurar isentar a pessoa da responsabiliyade ou d~ necessidade de ter iniciativa pessoal. Seria pãrfeitam2nte fácil dizer: Ìsso é devido ao meu carma, meu carena pas'ado negativo, e o que eu posso fazer? Não há solução!' essa é uma compreensão totalmente equivocada , porque, embora nossas experiências sejam conseqüências elos nossos atos passados, isso não quer dizer qye o indivl(duo não tenha nenhuma escolha ou que não haja nenhum espaço para a iniciativa de mudança, para concretizar mud,4r~ças positivas. E isso vale para todos os setores da vida. Não deveríamos nos tornar passivos, nem procurar nos eximir da necessidade de tomar iniciativas pessoais com base no raciocínio de que tudo resulta do carena, porque,
;e compf~endermos corretamente o conceito do carena, enenderen'lc:)s que carena significa àção'. O carma é um prc,cesso m.ulito atuante. E, quando falamos no càrma, ou ação, esialmos falando da própria ação cometida pelo sujeito, nesses caso por nós mesmos, no passado. Portanto, está em gran,die parte nas nossas mãos no presente o tipo de i-,curo qu," surgirá. Ele será determinado pelo tipo de iniciáiva que aldotarmos agora.
"Portanto, ° carme não deveria ser compreendido em termos de un tipo de fiorça estática, passiva; mas, sim, deveria ser enc:~ado corv'I(° um processo em movimento. Isso indica haver um imp~,
,)?nante papel para o indivíduo de-
sempenhar n determOrnação do curso do processo cármico. Por exen-:)lo, mes%nn° um simples ato ou um simples
propósito, coro o de ssatisfazer nossa necessidade de alimento... Para realizar cesse mero objetivo, precisamos de
uma ação de nossa parte. Precisamos procurar alimentos e depois precisamos ingeri-los.
Isso dlemonstra que mesmo para o ato mais simples, mesmo um objetivo fácil é atiilgido por meio da ação..."
- Bem, reduzir a sensação de injustiça com a aceitaçao de que ela resulta do nosso carma pode ser eficaz para os budistas - aparteei. - E aqueles que mão acreditam na doatrina do carma? Muitos no Ocidente, por exemplo...
- As pessoas que acreditam na, idéia de um Criador, de um Deus, podem aceitar circunstâncias árduas com mais facilidade, encarando-as como partes da criação ou dos desígnios de Deus. Elas podem sentir qL-ie, apesar de a situaçio parecer muito negativa, Deus é todo-poderoso e muito misericordioso; de modo que pode hamer algurm significaco, alguma importância, por trás da situação, de que não damos conta. Creio que esse tipo de 1fé pode apoiá-las e audá-las durante períodos de sofrimento.
- E aqueles que não acreditam rnem na doutrina do carma, nem na idéia de um Deus Criador?
- Para um descrente... - o Dal,.ai-Lama ponderou l,or alguns minutos antes de responder - ...talvez pudesse ajudar um enfoque prático, científico. Na minha opinião, os cientistas geralmente consideram mmito importante exaninar um problema com objetividadie, para estudá-lo sem grande envolvimento emocional. Com esse tipo de aboriagem, podemos encarar o problema com a seguinte atitude: "se houver um meio de combatê-lo,, então lutes, mesmo que seja preciso recorrer à justiça!"
- Ele-- deu uma risada. - ~ntão, se descobrirmos que não há .meios de vencer, pc-lemos simplesmente deixar para lá.
"Uma análise objetiva de situações difíceis ou problemáticas pode ser muito importante porque com essa abordagem com freqüência descobrimos que nos bastidores pode haver outros fatores em jogo. Se sentimos que estamos sendo tratados com injustiça pelo nosso chefe no trabalho, pode haver outros fatores atuando. Ele pode estar irritado com alguma outra coisa, uma discussão com a mulher naquela manhã, ou algo semelhante, e seu comportamento pode não ter nada a ver conosco particularmente; pode nem ter sido especificamente dirigido a nós. Naturalmente, ainda precisamos enfrentar a situação, qualquer que ela possa ser, mas pelo menos, com esse enfoque, podemos não sofrer aquela ansiedade adicional que acompanharia a situação."
- Será que esse tipo de abordagem "científica", na qual analisamos a situação com objetividade, também não poderia nos ajudar a descobrir formas pelas quais nós mesmos podemos estar contribuindo para o problema? E isso não poderia ajudar a reduzir a sensação de injustiça associada à situação difícil?
- É mesmo! - respondeu ele, com entusiasmo. - Isso decididamente faria uma diferença. Em geral, se examinarmos com cuidado qualquer situação dada, com uma atitude honesta e imparcial, perceberemos que, em grande parte, nós também somos responsáveis pelo desenrolar dos acontecimentos.
"Por exemplo, muita gente culpou Saddam Hussein pela Guerra do Golfo. Mais tarde, em várias ocasiões, dei expressão ao meu sentimento de que essa era uma injustiça. Nessas circunstâncias, eu no fundo sinto até um pouco
de pena de Saddam Hussein. É claro que ele é um ditador, e sem dúvida há muitos outros aspectos negativos nele. Se examinarmos a situação por alto, é fácil atribuir toda a culpa a ele. Afinal é um ditador, totalitário, e até mesmo seu olhar é um pouco assustador! - Ele deu uma risada. - Mas, sem o exército, sua capacidade de fazer algum mal é limitada; e, sem equipamento bélico, aquele poderoso exército não tem como funcionar. Todo esse equipamento militar não se produz sozinho, a partir do nada! Portanto,~quando examinamos a questão desse modo, vemos que muitas nações estão envolvidas.
"Logo", prosseguiu o Dalai-Lama, "costuma ser nossa tendência normal culpar os outros, fatores externos, por nossos problemas. Além disso, costumamos procurar por uma causa única, para depois tentar nos eximir da responsabilidade. Parece que, sempre que estão envolvidas emoções fortes, há uma tendência a surgir uma disparidade entre a aparência das coisas e como elas realmente são. Nesse caso, se nos aprofundarmos mais e analisarmos a situação com muito cuidado, veremos que Saddam Hussein
é parte da origem do problema, é um dos fatores, mas há também outras condições que contribuíram para a situação. Uma vez que nos demos conta disso, desaparece automaticamente
nossa atitude anterior de que ele é a única causa, e vem à tona a realidade da situação.
"Essa prática envolve um modo holístico de encarar as coisas, com a percepção de que são muitos os acontecimentos que contribuem para uma situação. Por exemplo, nosso caso com os chineses. Ali também, há uma grande contribuição da nossa parte.
Creio que talvez nossa geração
possa ter contribuído para a situação; mas decididamente as gerações que nos antecederam foram na minha opinião muito negligentes, pelo menos até algumas gerações
passadas. É por isso que acredito que nós, tibetanos, contribuímos para essa trágica situação. Não é justo pôr toda a culpa na China. No entanto, são tantos os aspectos.
Embora possamos ter sido um fator que contribuiu para a situação, é claro que isso não quer dizer que a culpa seja exclusivamente nossa. Por exemplo, os tibetanos nun nca se renderam completamente à opressão chinesa. Houve uma resistência contínua.
Por causa dessa resistência, os chineses elaboraram uma nova política: a transferência de grandes contingentes de chineses para o Tibete, para que a população tibetana se torne insignificante, os tibetanos se sintam deslocados e o movimento pela liberdade não possa ser eficaz. Nesse caso, não podemos dizer que a resistência tibetana é culpada ou responsável pela política chinesa."
- Quando o senhor está procurando sua própria contribuição para uma situação, o que dizer daquelas situações que evidentemente não ocorrem por culpa sua, aquelas com as quais o senhor não tem nada a ver, até mesmo situações relativamente insignificantes do dia-a-dia, tais como quando alguém lhe diz uma mentira intencional?
- perguntei.
- É claro que de início posso ter uma sensação de decepção quando alguém não é sincero comigo; mas mesmo nesse caso, se eu examinasse melhor a situação, poderia descobrir que de fato seu motivo para esconder algo de mim pode não resultar de uma intenção má. Pode ser que a pessoa simplesmente não confiasse totalmente em mim. Por isso, às vezes, quando me sinto decepcionado com esse mo
A ARTE DA FELICIDADE
tipo de incidente, procuro encará-lo de outro ângulo. Penso que talvez a pessoa não tenha querido confiar totalmente em mim porque eu não sou capaz de guardar segredo.
Minha natureza geralmente tem a tendência a ser muito franca, e por isso a tal pessoa poderia ter concluído que eu não sou a pessoa certa que conseguiria manter algo em segredo, que eu talvez não seja capaz disso como muitas pessoas esperariam que eu fosse. Em outras palavras, não sou digno da plena confiança dessa pessoa em decorrência da minha natureza pessoal. Portanto, se olharmos por esse ângulo, eu consideraria que a causa teve como origem meu próprio defeito.
Mesmo partindo do Dalai-Lama, esse argumento pareceu um pouco forçado -
descobrir "nossa própria contribuição" para a falta de sinceridade do outro. No entanto, enquanto ele falava, havia na sua voz uma franqueza genuína, que sugeria que de fato essa era uma técnica que ele já havia usado com bons resultados práticos na sua vida pessoal para ajudar a lidar com a adversidade. Ao aplicar essa técnica à nossa própria vida, naturalmente, talvez não tenhamos tanto sucesso na busca da nossa própria contribuição para uma situação problemática. Porém, quer tenhamos sucesso quer não, mesmo o esforço honesto de procurar por nossa própria contribuição para um problema permite uma certa mudança de enfoque que ajuda a derrubar os padrões mesquinhos de pensamento conducentes ao destrutivo sentimento da injustiça, que é a origem de tanta insatisfação em nós mesmos e no mundo.
mo
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
A CULPA
Produtos de um mundo imperfeito, todos nós somos imperfeitos. Cada um de nós fez algo de errado. Há coisas que lamentamos - coisas que fizemos ou que deveríamos ter feito. Reconhecer nossos erros com um verdadeiro sentido de remorso pode servir para nos manter na linha na vida e pode nos estimular a corrigir nossos erros quando possível e dar os passos necessários para agir corretamente no futuro. Porém, se permitirmos que nosso remorso degenere, transformando-se em culpa excessiva, se nos agarrarmos à lembrança das nossas transgressões passadas com uma contínua atitude de censura e ódio a nós mesmos, isso não leva a nenhum objetivo, a não ser o de representar uma fonte implacável de autopunição e de sofrimento induzido por nós mesmos.
Durante uma conversa anterior na qual mencionamos rapidamente a morte do seu irmão, percebi que o Dalai-Lama falou de alguns remorsos relacionados à morte do irmão.
Curioso por saber como ele lidava com sentimentos de remorso e possivelmente com sentimentos de culpa, voltei ao assunto numa conversa posterior.
- Quando estávamos falando da morte de Lobsang, o senhor mencionou remorsos.
Houve outras situações na sua vida que o levaram a sentir remorso?
- Houve, sim. Por exemplo, havia um monge mais velho que vivia como eremita.
Ele costumava vir me ver para receber ensinamentos, apesar de eu considerar que ele no
181
A ARTE DA FELICIDADE
fundo era maí~rs capaz db que eu e que só me visitava como uma espeecie de formalidade. Seja como for, ele v fio me procurar unm dia e mf perguntou acerca de uma
determinada praticai esotérica de alto nível. Comentei desprEOcupadamente (:que essa seria uma prática difícil e que tilvez fosse mais 1 bem execitada por alguém mais jovem, que pela tradição e=ra uma pritica que deveria ser iniciada curante a adolesccência. Mas tarde descobri que o mongese matara a fim doe renascer num corpo mais jovem para Poder melhor reaalizar a pratica...
- Mas isso' é terrível! - comentei, surpreso com a his:ória. - Deve ter
O Dalai-L - Como o' senhor lidou com esse sentimento de re morso? Como acabou se livrando dele?
O Dalai-Lima refletia em silêncio por um bom tempo antes de responder.
- Não me' livrei dele. Ele ainda existe. - Parou no;amente antes d,e acrescentar. -
Mas, muito embora esse sentimento de remorso ainda esteja aqui, ele não está as3ociado a nenhuma sensação de peso ou de algo que me impeça de avançar. Não seria útil para ninguém se eu permitisse que esse remorso me acabrunhasse, que fosse apenas uma fonte de desânimo e depressão sem nenhuma finalidade, ou que atrapalhasse meu modo de levar a vida dardo
o melhor de Fnrm.
Naquele momento, de um modo muito visceral, recebi mais uma vez ° impacto da possibilidade muito real de um ser humano encarar de frente as tragédias da vida e de reagir com emoèao, mesmo com um remorso profundo, mas 182
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
sem mergulhar no excesso de culpa ou desprezo por si mesmo. A possibilidade de um ser humano aceitar plenamente a si mesmo, inteiro com suas limitações, fraquezas e equívocos de julgamento. A possibilidade de reconhecer uma situação negativa pelo que ela é e reagir com emoção, mas sem exagero. O Dalai-Lama lamentava sinceramente
o incidente que descrevera mas assumia esse remorso com dignidade e leveza. E, embora o assumisse, ele nunca permitiu que o peso desse remorso o atrapalhasse, preferindo,
sim, seguir adiante e concentrar sua atenção em ajudar os outros da melhor forma possível.
Às vezes, eu me pergunto se a capacidade de viver sem se entregar a uma culpa autodestrutiva não é em parte cultural. Quando relatei minha conversa com o Dalai-Lama a respeito do remorso a um amigo que é um estudioso do Tibete, ele me disse que, com efeito, o idioma tibetano nem mesmo tem um termo equivalente à palavra
"culpa", embora tenha palavras que significam "remorso", "arrependimento" ou
"lamento", com um sentido de "retificar as coisas no futuro". Qualquer que possa ser o componente cultural, porém, acredito que, com o questionamento dos nossos modos habituais de pensar e com o cultivo de uma perspectiva mental diferente baseada nos princípios descritos pelo Dalai-Lama, qualquer um de nós pode aprender a viver sem o estigma da culpa, que não faz nada a não ser causar a nós mesmos um sofrimento desnecessário.
183
A ARTE DA FELICIDADE
A RESISTÊNCIA À MUDANÇA
A culpa surge quand,:) nos convencemos de termos cometido um erro irreparável.
A tortura da culpa consiste em pensar que qualquer problema seja permanente.
Entretanto, como não existe nada que não mude, também a dor cede - não há problema que persista. Esse é o aspecto positivo da mudança. O negativo é que nós oferecemos resistência à mudança em quase todos os campos da vida. O primeiro passo para nos livrarmos do sofrimento é investigar uma das causas principais: a resistência à mudança.
- É de extrema importância investigar as causas e origens do sofrimento, como ele surge - explicou o DalaiLama, ao descrever a natureza sempre mutante da vida. É preciso iniciar o processo avaliando a natureza impermanente e transitória da nossa existência. Todos os objetos, acontecimentos e fenômenos são dinâmicos, mudam a cada instante; nada permanece estático. Meditar sobre a nossa circulação sangüínea poderia ajudar a firmar essa idéia: o sangue está em fluxo constante, erre movimento; nunca fica parado. Essa natureza de mudanças momentâneas dos fenômenos é como um mecanismo inerente a eles. E, como faz parte da natureza de todos
os fenômenos a mudança a cada momento, isso nos indica que a todas as coisas falta a capacidade de perdurar, falta a capacidade de permanecer. E, já que todas as coisas são sujeitas à mudança, nada existe numa condição permanente, nada consegue manter-se igual por sua própria força independente. Desse modo, todas as coisas estão sob a influência de outros fatores. Ou seja, a qualquer momento, por mais prazerosa ou agra-
fiável que possa ser nossa experiência, ela gessará. Isso passa a ser a origem de uma categoria do sofrimento conhecida no budismo como o "sofrimento da mudança".
conceito de impermanência desempenha um papel crucial no pensamento budista e a cc:)contemplação da impermanência é uma prática essencial. A contemplação da impermanência atende a duas funções de vital importância dentro do caminho budista
Num nível convencional, ou num sentido corriqueiro, quem pratica o budismo contemplasua própria impermanência - o fato de que a vida é frágil e de que nunca sabeqos quando iremos morrer. Quando se associa essa reflexão a uma crenlça na raridade da existência humana e na possibilidade cite se alcançar um estado de Liberação espiritual, de se estar livre do sofrimento e dos intermináveis ciclos de reencarnaç=ão, essa contemplação serve para aumentar a dEterminaçãd do praticante para usar seu tempo com maior proveito, dedücando-se às práticas espirituais que propiciarão essa Liberação. Num nível mais profundo, o da contemplação dos aspectos mais sutis da impermanência, da natureza impermanente de todos os fenômenos, tem início a bisca do praticante pela compreensão da verdadeira natureza da realidade e, através dessa compreensão, pela dissipação da ignorância, que é a origem primordial do nosso sofrimento.
Portanto, embora a contempladção da impermanência tenha um enorme significado dentro de um contexto budista, surge a pergunta: sera que a contttemplação e compreensão da impermanência tê-ii alguma aaPlicação prática no dia-
18O
A ARTE DA FELICIDADE
a-dia também dos não-budistas? Se encararmos o conceito de "impermanência" a partir do ponto de vista da "mudança", a resposta é um absoluto "sim". Afinal de contas, quer encaremos a vida de uma perspectiva budista, quer de uma perspectiva ocidental, permanece o fato de que a vida é transformação. E na medida em que nos recusemos a aceitar esse fato e ofereçamos resistência às naturais mudanças da vida, continuaremos a perpetuar nosso próprio
sofrimento.
A aceitação da mudança pode ser um importante fator na redução de uma boa proporção do sofrimento que criamos para nós mesmos. É muito freqüente, por exemplo,
que causemos nosso próprio sofrimento, recusamos a nos desapegar do passado. Se definirmos nossa própria imagem em termos da aparência que tínhamos no passado ou em termos do que costumávamos conseguir fazer e não conseguimos agora, é bastante seguro supor que não vamos ficar mais felizes quando envelhecermos. Às vezes,
quanto mais tentamos nos agarrar ao passado, mais grotesca e deformada torna-se nossa vida.
Embora a aceitação da inevitabilidade da mudança, como princípio geral, possa nos ajudar a lidar com muitos problemas, assumir um papel mais ativo, por meio do aprendizado específico sobre as mudanças normais na vida, pode prevenir uma proporção ainda maior da ansiedade rotineira que é a causa de muitos dos nossos problemas.
Com uma revelação do valor do reconhecimento das mudanças normais na vida, uma mãe de primeira viagem falou de uma visita que fizera às duas horas da manhã
à emergência de um hospital.
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A TRANSANSFORMQAÇÀO DO SOFIRIMENTO
- Qual lhe pa' parece sser o problema? 1
perguntou o pe-
diatra.
- MEU FILHIr~HINHO! IESTÁ COM ALGUM PROBLEMA! gritou ela, nervosá°sa. - Achho que ele está engasgando ou algo parecido. A língu~gua não ppára de sair da
beca. Ele só fica esticando a língua laa para fora... o tempo tpcjo... como se quisesse cuspir alguiguma coisa, mas a boca está vazia...
Depois de ar algumas > perguntas e u M rápido exame, o médico tranqüiliAizou-a.
- Não há cor°m que sse preocupar. Quando um bebê vai crescendo, ele de desenvolve uma percepçâp maior do próprio corpo e do que ae o corpoo pode fazer. Sei filho acabou de descobrir a língngua.
Margaret, uma-ia jornalisbta de trinta e um anos, exemplifica a importância c crítica de'
compreender e aceitar a mudança no contexto dele um rellacionamento pessoal.
Ela me procurou queixancndo-se de°_ uma leve ansìedade, que atribuía à dificuldade d de se ajustar a um recente divórcio.
- Achei qulue poderÍia ser uma boa idéia fazer algumas sessões só parra converrsar com alguérh , explicou -, para me ajudar a de eixar o passado para trás e fazer a transição de volta à vida dJe solteiras. Para ser franca, isso me deixa um pouco nervossa...
Pedi-lhe qque descrcevesse as circunstâncias do divórcio.
- Acho qcue teria de? descrevê-lo como um divórcio amigável. Não hcc°uve gramdes brigas, nem nada semelhante. Meu ex-marido e eu termos bons empregos. de modo que não tivemos problemas
com a questão financeira. Temos um m7
filho, mas ele parece ter se ajustado bem ao divórcio; e meu ex-marido e eu firmamos um acordo paria custódia conjunta que está funcionando bem...
- O que eu queria era saber o que :levou ao divórcio.
- Bem... acho que simplesmente perdemos a paixão suspirou ela. - Parecia que aos poucos o romantismo foi desaparecendo; simplesmente não tínhamos mais a mesma intimidade de quando nos casamos. Nós dois estávamos ocupados com nossos empregos e nosso filho, e só parecíamos estar nos afastando. Experimentamos algumas sessões de aconselhamento conjugal, mas elas de nada adiantaram. Ainda nos dávamos bem, mas era como se fôssemos irmãos. Não parecia amor; não parecia um casamento de verdade. De qualquer modo, chegamos à conclusão de que seria melhor partir para o divórcio.. Simplesmente estava faltando alguma coisa.
Depois de passar duas sessões delineando o problema, decidimos por uma psicoterapia breve, voltada especificamente para ajudá-la a reduzir a ansiedade e a ajustar-se às recentes mudanças na sua vida. No todo, ela era uma pessoa inteligente e equilibrada em termos emocionais. Reagiu muito bem a uma terapia breve e fez uma transição tranqüila de volta à vida de solteira.
Apesar de um evidente carinho mútuo, estava claro que Margaret e o marido interpretaram a mudança no grau da paixão como um sinal de que o casamento deveria terminar. Infelizmente, é com extrema freqüência que entendemos uma diminuição da paixão como um sinal da existência de um problema fatal no relacionamento. E, na maior parte das vezes, o primeiro indício de mudança no nosso
relacionamento pode gerar uma sensação cie pânico, uma impressão de que algo deu terrivelmente errado. Talvez não tenhamos escolhido o parceiro certo, no final das contas. Nosso companheiro simplesmente não parece ser a pessoa pela qual nos apaixonamos. Surgem desavenças - podemos estar a fim de sexo, e nosso parceiro estar cansado; podemos querer ver um filme especial, rnas ele não se interessa pelo filme ou está sempre ocupado. Por isso, concluímos que tudo está acabado. Afinal, não há como ignorar o fato de estarmos nos afastando. As coisas simplesmente não são mais as mesmas. Talvez devêssemos nos divorciar.
E o que fazemos então? Especialistas em relacionamentos produzem livros em massa, com receitas que nos dizem exatamente o que fazer quando a paixão e a chama do romantismo começam a fraquejar. Eles oferecem uma enorme variedade de sugestões destinadas a ajudar a reaquecer o romance - refaça sua programação de modo que
dê prioridade ao tempo para atividades românticas, planeje escapadas de fim de semana ou jantares românticos, elogie seu parceiro, aprenda a ter uma conversa significativa.
Às vezes, isso ajuda. Às vezes, não.
No entanto, antes de declarar o relacionamento morto, uma das coisas mais benéficas que podemos fazer quando nos damos conta de uma mudança é simplesmente tirar uma distância, avaliar a situação e nos armar com o maior conhecimento possível sobre os padrões normais de mudança em relacionamentos.
Com o desenrolar da nossa vida, passamos da tenra infância para a infância, a maturidade e a velhice. Aceitamos
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essas mudanças no desenv-olvimento individual como uma progressão natural. Um relacionamento, entretanto, é também um sistema vivo binário, composto de dois organismos que interagem nur~11 ambier--- te. E, na qualidade d= sistema vivo, é igualmente natural e correto que o relacionamento passe per estágio S. Em qualquer relacionamento há diferentes dinensôes de intimid.:ade -física, emocional e intelectual.
O contato corporal, o compartilhar de emcçôes, de pensamentos, e a troca de ídéias são todas formas legítimas de ligação com fqtaeles que amamos. É norm~jl que o equilíbrio tenha um rhovimento cíclico: às vezes a intimidade física diminui mas a intimidade emocional pode aumentar; em outras ocasiões não temos vontade de trocar palavras mas só de receber um abraço. Se tivermos nossas atenções voltadas para essa questão, podemos nos alegrar com o desabrochar da paixão num relacionamento;
mas, se ela arrefecer, em vez de sentir preocupação ou raiva, podemos nos abrir para novas formas de intimidade que podem ser igualmente satisfatórias - ou talvez mais. Podemos apreciar nosso cônjuge Como companheiro, ter um amor mais estável, um laço mais profundo.
Em seu livro, Intimate Behavior, Desmond Morris descreve as mudanças normais que ocorrem na necessidade de intimidade de am ser huizlano. Ele sugere que cada um de nós passa repetidamente por três estágios: do "me abrace", do "me solte' e do "me deixe em paz". o ciclo torna.se aparente pela primeira ver no início da vida, quando a criança passa da fase do "abraço", característica da tenra infância, para a fase da "independência", quando a criança começa a explorar o mundo, a engatinhar, caminhar e all- rançar algurrt:~4 independência e autonomia com relação à mãe. Isso faz parte do desenvolvimento e crescimento normal. Essas fascs~ no entanto, não seguem sempre na mesma direção. I~-~n várias etapas, a criança pode sentir alguma ansiedade quando o sentimento de separação se torna forte demais, e nesses casos ela volta para a mãe em busca de carinho e aconchego. Na adolescência, a "rejeição" passa a ser a fase predominante à medida que a criança luta para formar uma ìGlentidade individual.
Embora possa ser difícil ou dolore)~a para os pais, a maioria dos especialistas reconhece e5~a fase como normal e necessária na transição da infârxGia para a maturidade.
Mesmo dentro dessa fase, ainda lxá uma mistura das outras. Enquanto em casa o adolescente está gritando "Me deixa em paz!" para os pais, suas necessidades do
"abraço
apertado" podem estar sendo satisfeitas por uma forte identificação com o grupo.
Tambémi nos relacionamentos de adultos, ocorre o mesmo fluxo. Os níveis de intimidade variam, com períodos de maior intimidade se alternando com períodos de maior afastalrriento. Isso também faz parte do ciclo normal de crescimento e desenvolvimento. Para atingir nosso pleno potencial) como seres humanos, precisamos ser capazes de contrabalançar nossas necessidades de união e intimidade comi eeríodos em que precisamos nos voltar para dentro, comi orna sensação de autonomia, para crescer e evoluir como indivíduos.
À medida que cheguemos a entender isso, não mais reagiremos c'°m horror ou pânico quando nos dermos conta de que estannOs "nos afastando" do nosso parceiro, da mesma forma que não entraríamos em pânico enquanto esti-
Talvez o> casamento de Margaret pudesse ter sido sal
,,,,,,-,do a maré se afastar da costa. É claro qufe vo pela aceittação da mudança natural no relacionamento
véssemos oL ái5'tanciamento emocional crescente pode inl= e pela criaçãio de um novo relacionamento com base ern
às vezes ur~1' problemas num relacionamento (uma raiva ré'
rios ~ ~, por exemplo), e até podem ocorrer fatores que mão fossem a paixão e o romance.
dicar sérios porérl, a história não termina aqui. Dois primida eri'y 5 _ desses casos, medidas tais como a terapia anos depois da minha última sessão com Margaret, deparei
rompinient ~ liciuíto úteis. Porém, o ponto principal a ter e~m com ela por ,acaso nurn shopping (a situação de deparar com podem ser e um distanciamento crescente não signifiFa um ex-paciente num contexto social invariavelmente faz
u
mente é 4 ~,y~ente uma hecatombe. Ele também pode fazer com que eu,, como a maioria dos terapeutas, me sinta urn
aiItomatiG W ciclo que volta a redefinir o relacionamento are de t ~. que pode resgatar ou até mesmo superaf a pouco cono:rangido).
p a
de outra far ue existia no passado. - Como tem passado? - perguntei.
ea
intimidad o o ato de aceitação, de reconhecimento de que - Não poderia estar melhor! - exclamou ela. - No mês
t
portada e uma parte natural das nossas interaç~5es passado, meu ex-maré o e eu voltamos a nos casar.
a muda nutras, pode desempenhar um papel importante - Verdade?
com os 5 relacionamentos. Podemos descobrir que é
na- - Verdade, e está indo às mil maravilhas. É claro que o que podemos estar nos senlin- nós continuLmos a nos ver por causa da custódia conjunta.
nos nos ato momento em q p Seja como for, no início foi difícil mas depois do divórcio,
quele e~ ecepcionados, como se algo tivesse tr ~ó de algum modo a pressão sumiu. Nós não tínhamos mais do mais ofiarnento, que pode ocorrer uma p atos do rela1~i Esses períodos de transição podem ser por expectativas. E descobrimos que no fundo gostamos um
o. do outro e rios amamos. As coisas ainda não são iguais ao formaç~'eti.i que o verdadeiro amor começa a amadurecer cruciais Nosso relacionamento pode nãs are carnmais baçã do que eram quando nos casamos pela primeira vez, mas isso gi florir- o intensa, na visão do outro como da parece não ater importância.
Estamos realmente felizes, jun-
na paia ou na sensação de que estamos em fusão°m
tos. A impressão é que tudo está certo.
a°' orem, agora estamos num< Po Em compensação, p o outro' que podemos realmente começar a conhecer o sição e a per o outro como ele é, um indivíduo isoado,
outro efeitos e fraquezas talvez, mas um ser humano c°mo d uando chegamos a esse 1°nto
com lesmas. É somente q nós onde os assumir um compromisso autêntico, um=°m-
que pisso com o crescimento de outro ser humano - um
proa' 5, erdadeiro amor.
le ato e
p
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