A 'TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
Capítulo 10
A MUDANÇA DE PERSPECTIVA
leia os demais capítulos aqui:
http://paleoyogacorrida.blogspot.com/2019/03/o-direito-felicidade.html
após isso medite usando as técnicas da tradição:
http://paleoyogacorrida.blogspot.com/2019/03/7-tecnicas-de-meditacao-e-por-que.html
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Uma vez um discípulo de um filósofo grego recebeu ordens do seu Mestre para durante três anos dar dinheiro a todos os que o insultassem. Quando esse período de provação terminou, o Mestre lhe disse, "Agora você pode ir a Atenas para aprender a Sabedoria." Quando o discípulo estava entrando em Atenas, encontrou um certo sábio que ficava sentado junto ao portão insultando todos os que iam e vinham. Ele também insultou o discípulo, que deu uma boa risada. "Por que você ri quando eu o insulto?'° perguntou o sábio. "Porque durante três anos eu paguei por isso, e agora você me deu a mesma coisa por nada", respondeu :) discípulo. "Entre na cidade", disse o sábio. "Ela é toda sua..."
0s Padres do Deserto do século IV, um grupo de excêntricos que se retirou para os desertos em torno de Scete para uma vida de sacrifício e oração, ensinavarn essa história para ilustrar o valor do sofrimento e das agruras. Entretanto, não haviam sido apenas as agruras que abriram ao discípulo a "cidade da sabedoria". O fator primordial que lhe permitiu lidar com tanta eficácia com uma situação difícil foi sua capacidade de mudar de perspectiva, de encarar a situação a partir de um outro ângulo.
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A capacidade de mudar de perspectiva pode ser um dos instrumentos mais poderosos e eficazes de que dispomos para nos ajudar a resolver os problemas diários da vida. O Dalai-Lama explicou.
- A capacidade de encarar os acontecimentos a partir de pontos doe vista diferentes pode ser muito útil. Assim, com essa prática, podemos usar certas experiências, certas tragédias, para desenvolver uma tranqüilidade na mente. É preciso entender que todos os fenômenos, todos os acontecimentos, apresentam aspectos diferentes.
Tudo tem uma natureza relativa. Por exemplo, no meu próprio caso, eu perdi meu país.
Dessa perspectiva, trata-se de uma tragédia, e há fatos ainda piores. Há muita destruição ocorrendo no nosso país. Isso é muito negativo. Porém, se eu encarar o mesmo acontecimento de outro ângulo, percebo que, na qualidade de refugiado, tenho outro enfoque. Como sou refugiado, não há nenhuma necessidade de formalidades, cerimônia, protocolo. Se tudo estivesse normal, se as coisas estivessem nos eixos, em grande parte das ocasiões, nós apenas representamos, fingimos. Mas, quando estamos passando por situações desesperadas, não há tempo para fingir. Portanto, a partir desse ângulo, essa trágica experiência me foi muito útil. Além disso, ser refugiado cria um monte de novas oportunidades para eu me encontrar com muita gente.
Pessoas de diferentes tradições religiosas, de diferentes posições sociais, pessoas que eu poderia não ter conhecido se tivesse permanecido no meu país. Por isso, nesse sentido, essa experiência foi muito, muito valiosa.
"Parece que muitas vezes, quando surgem problemas, nosso enfoque se estreita.
Toda a nossa atenção pode estar
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A ARTE DA FELICIDADE
concentrada na preocupação com o problema, e nós podemos ter a sensação de que somos os únicos a passar por tais dificuldades. Isso pode levar a um ensimesmamento que pode fazer com que o problema pareça mais sério. Quando isso acontece, creio que ver as coisas de uma perspectiva mais ampla pode decididamente ajudar... se nos dermos conta, por exemplo, de que existem muitas outras pessoas que passaram por experiências semelhantes e até mesmo piores. Essa prática de mudança de perspectiva pode até mesmo ajudar em certas doenças ou quando sentimos dor. Na hora em que a dor surge, naturalmente costuma ser muito difícil, naquele exato momento, seguir práticas formais de meditação para acalmar a mente. No entanto, se fizermos comparações, se encararmos nossa situação a partir de uma perspectiva diferente, de algum
modo alguma coisa acontece. Quando se olha apenas para aquele acontecimento isolado, ele parece ser cada vez maior. Se focalizarmos muito de perto, com muita intensidade,
quando ocorre um problema, ele parece incontrolável. Porém, se compararmos aquele acontecimento com algum outro acontecimento de importância, se avaliarmos o mesmo problema com algum distanciamento, ele irá nos parecer menor e menos avassalador."
Pouco antes de uma sessão com o Dalai-Lama, encontreime por acaso com um administrador de uma instituição na qual eu costumara trabalhar. Durante meu período de
trabalho na sua instituição, tivemos uma série de confrontos porque eu acreditava que ele estava comprometendo o aten-
A TRANSFORMAÇÃO DO SOFRIMENTO
dimento aos pacientes ao privilegiar considerações financeiras. Havia algum tempo que eu não o via; mas, assim que percebi sua presença, todas as nossas discussões voltaram em enxurrada, e eu pude sentir a raiva e o ódio se acumulando no meu íntimo.
Quando fui encaminhado à suíte do Dalai-Lama para nossa sessão mais tarde naquele mesmo dia, eu já estava consideravelmente mais calmo, mas ainda me sentia um pouco perturbado.
- Digamos que alguém nos deixe com raiva - comecei. - Nossa reação natural a sermos feridos, nossa reação imediata, é sentir raiva. Mas em muitos casos, não se trata apenas de sentir raiva na hora em que somos feridos. Poderíamos pensar no acontecimento mais tarde, até mesmo muito mais tarde, e cada vez que pensássemos nele sentiríamos toda aquela raiva novamente. Como o senhor sugeriria que lidássemos com esse tipo de situação?
O Dalai-Lama assentiu, pensativo, e olhou para mim. Eu me perguntei se ele percebia que eu não estava apresentando o tópico por motivos exclusivamente acadêmicos.
- Se você encarar por um ângulo diferente, sem dúvida a pessoa que lhe despertou essa raiva terá uma porção de aspectos positivos, de qualidades positivas.
Se olhar com cuidado, também descobrirá que o ato que o deixou com raiva também lhe propiciou certas oportunidades, algo que, de outro modo, não teria sido possível, mesmo do seu próprio ponto de vista. Portanto, com esforço, você conseguirá ver muitos ângulos diferentes num mesmo acontecimento. Isso o ajudará.
- E se procurarmos os ângulos positivos numa pessoa ou num acontecimento e não conseguirmos encontrar nenhum?
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A ARTE DA FELICIDADE
- Nesse caso, creio que estaríamos lidando com uma situação na qual poderia ser necessário fazer algum esforço. Dedicar algum tempo a procurar com seriedade por um ângulo diferente para encarar a situação. Não apenas de forma superficial. Mas de modo aguçado e direto. Precisamos recorrer a todo o nosso poder de raciocínio e examinar a situação com a maior objetividade possível. Por exemplo, poderíamos refletir sobre o fato de que quando estamos realmente irados com alguém temos a tendência a perceber essa pessoa como alguém com 100% de qualidades negativas.
Exatamente da mesma forma que, quando somos atraídos por alguém, nos inclinamos a considerar que essa pessoa tem 100% de qualidades positivas. No entanto, essa percepção não corresponde à realidade. Se nosso amigo, que consideramos tão maravilhoso,
nos fizesse um mal intencional de algum modo, de repente nós perceberíamos com nitidez que ele não era de fato composto exclusivamente por qualidades positivas.
Da mesma forma, se nosso inimigo, aquele que odiamos, vier a nos implorar o perdão com sinceridade e continuar a nos demonstrar benevolência, é improvável que continuemos
a encará-lo como totalmente mau. Portanto, mesmo quando estamos com raiva de alguém que imaginamos não ter absolutamente nenhuma qualidade positiva, a realidade é
que ninguém é inteiramente mau. Se procurarmos com bastante afinco, descobriremos que essa pessoa deve ter algumas boas qualidades. Logo, a tendência a considerar que alguém é totalmente negativo tem origem na nossa própria percepção, baseada na nossa própria projeção mental, em vez de derivar da verdadeira natureza do indivíduo.
"Da mesma forma, uma situação que de início pareça ser 100% negativa pode ter alguns aspectos positivos. Vias para mim, mesmo que tenhamos descoberto um ângulo positivo para uma situação nociva, só isso não costuma ser suficiente. Ainda é preciso fortalecer essa ideia. Talvez precisemos nos recordar desse ângulo positivo muitas vezes, até que aos poucos nossa impressão mude. Em geral, uma vez que já nos encontremos numa situação difícil, não é possível mudar nossa atitude com a mera adoção de um pensamento específico uma vez ou duas. Trata-se, sirr,, de um processo de aprendizado de novos pontos de vista, de treinamento e familiarização com eles, que nos permiie lidar com a dificuldade."
O Dalai-Lama refletiu por um momen:o e, fiel à sua habitual postura pragmática, acrescentou.
- Se, entretanto, apesar dos nossos esforços, não descobrimos nenhum ângulo ou perspectiva positiva para o ato de uma pessoa, nesse caso, pelo menos por um tempo, a melhor atitude a tomar pode ser a de simplesm°nte tentar esquecer a situação.
Inspirado pelas palavras do Dalai-Lama, mais tarde naquela noite procurei descobrir alguns "ângulos positivos" no administrador, enfoques de acordo com os quais ele não fosse " 100% mau". Não foi difícil. Eu sabia que ele era um pai amoroso, por exemplo, que procurava criar os filhos da melhor maneira possível. E tive de admitir que meus confrontos com ele em última análise me beneficiaram - sua contribuição havia sido fundamental para minha decisão 199
de abandonar o trabalho naquela instituição, o que acabou me levando para um emprego mais satisfatório. Embora essas reflexões não produzissem em mim uma estima imediata pelo homem, era inquestionável que elas amenizaram meus sentimentos de ódio, com um esforço surpreendentemente pequeno. Em breve, o Dalai-Lama apresentaria
uma lição ainda mais profunda: como transformar completamente nossa atitude diante dos nossos inimigos e aprender a valorizá-los.
O principal método do Dalai Lama de transformar nossa atitude sobre nossos inimigos envolve uma análise sistemática e racional de nossa resposta costumeira àqueles que nos prejudicam. Ele explicou:
Vamos começar examinando nossa atitude característica em relação aos nossos rivais. De um modo geral, é claro, não desejamos coisas boas para nossos inimigos. Mas mesmo que seu inimigo seja infeliz através de suas ações, o que há para você ser tão alegre? Se você pensar com cuidado, como pode haver algo mais infeliz do que isso? Carregar o fardo de tais sentimentos de hostilidade e má vontade. E você realmente quer ser assim?
“Se nos vingarmos do inimigo, isso cria uma espécie de ciclo vicioso. Se você revidar, a outra pessoa não vai aceitar isso - ele ou ela vai retaliar contra você, e então você fará o mesmo, então continuará. E especialmente quando isso acontece no nível da comunidade, pode continuar de geração em geração. O resultado é que ambos os lados sofrem. Então, todo o propósito da vida se estraga. Você pode ver isso nos campos de refugiados, onde o ódio é cultivado em direção a outro grupo. Isso acontece desde a infância. Isso é muito triste. Então, raiva ou ódio é como um gancho de pescador. É muito importante garantirmos que não seremos pegos por esse gancho.
“Agora, algumas pessoas consideram que o ódio forte é bom para o interesse nacional. Eu acho que isso é muito negativo. É muito míope. Contrariar esse modo de pensar é a base do espírito de não-violência e compreensão ”.
Tendo desafiado nossa atitude característica em relação ao inimigo, o Dalai Lama passou a oferecer uma maneira alternativa de ver o inimigo, uma nova perspectiva que poderia ter um impacto revolucionário na vida de alguém. Ele explicou:
“No budismo em geral, muita atenção é dada às nossas atitudes em relação aos nossos rivais ou inimigos. Isso ocorre porque o ódio pode ser o maior obstáculo para o desenvolvimento da compaixão e da felicidade. Se você pode aprender a desenvolver paciência e tolerância em relação aos seus inimigos, então tudo fica muito mais fácil - sua compaixão para com todos os outros começa a fluir naturalmente.
“Então, para um praticante espiritual, os inimigos têm um papel crucial. A meu ver, compaixão é a essência de uma vida espiritual. E para que você se torne totalmente bem sucedido em praticar amor e compaixão, a prática de paciência e tolerância é indispensável. Não há fortaleza semelhante à paciência, assim como não há aflição pior que o ódio. Portanto, é preciso exercer os melhores esforços para não abrigar ódio contra o inimigo, mas usar o encontro como uma oportunidade para melhorar a prática de paciência e tolerância.
“De fato, o inimigo é a condição necessária para praticar a paciência. Sem a ação do inimigo, não há possibilidade de paciência ou tolerância surgir. Nossos amigos normalmente não nos testam e oferecem a oportunidade de cultivar paciência; somente nossos inimigos fazem isso. Assim, deste ponto de vista, podemos considerar nosso inimigo como um grande mestre e reverenciá-lo por nos dar esta preciosa oportunidade de praticar a paciência.
“Agora existem muitas, muitas pessoas no mundo, mas relativamente poucas com quem interagimos, e menos ainda que nos causam problemas. Então, quando você se deparar com tal chance de praticar paciência e tolerância, você deve tratá-la com gratidão. É raro. Assim como, inesperadamente, encontrou um tesouro em sua própria casa, você deve ser feliz e grato ao seu inimigo por proporcionar aquela preciosa oportunidade. Porque se você quiser ter sucesso em sua prática de paciência e tolerância, que são fatores críticos na neutralização de emoções negativas, isso se deve à combinação de seus próprios esforços e também à oportunidade proporcionada por seu inimigo.
“É claro que alguém ainda pode sentir: 'Por que eu deveria venerar meu inimigo, ou reconhecer sua contribuição, porque o inimigo não tinha intenção de me dar esta preciosa oportunidade de praticar paciência, nenhuma intenção de me ajudar? E não só eles não têm desejo ou intenção de me ajudar, mas eles têm uma intencional intenção maliciosa de me prejudicar! Portanto, é apropriado odiá-los - eles definitivamente não são dignos de respeito. ”Na verdade, é de fato a presença desse estado de ódio odioso no inimigo, a intenção de nos ferir, que torna a ação do inimigo única. Caso contrário, se for apenas o ato real de nos ferir, odiaríamos os médicos e os consideraríamos inimigos, porque às vezes eles adotam métodos que podem ser dolorosos, como a cirurgia. Mas ainda assim, não consideramos esses atos como prejudiciais ou os atos de um inimigo, porque a intenção por parte do médico era nos ajudar. Portanto, é exatamente essa intenção intencional de nos prejudicar que torna o inimigo único e nos dá essa preciosa oportunidade de praticar a paciência ”.
A sugestão do Dalai Lama de venerar os inimigos por causa das oportunidades de crescimento que eles proporcionam pode ser um pouco difícil de engolir no começo. Mas a situação é análoga a uma pessoa que procura tonificar e fortalecer o corpo através do treinamento com pesos. Naturalmente, a atividade de levantar é desconfortável no início - os pesos são pesados. Uma linha, suores, lutas. No entanto, é o próprio ato de lutar contra a resistência que, em última instância, resulta em nossa força. Aprecia-se um bom equipamento de peso não por prazer imediato, mas pelo benefício final que se recebe.
Talvez até mesmo as afirmações do Dalai Lama sobre a “raridade” e “preciosidade” de O Inimigo sejam mais do que apenas nalizações imaginárias. Quando ouço meus pacientes descreverem suas dificuldades com os outros, isso fica bem claro - quando se trata disso, a maioria das pessoas não tem legiões de inimigos e antagonistas com quem eles estão lutando, pelo menos em um nível pessoal. Geralmente o conflito é confinado apenas a algumas pessoas. Um chefe, talvez, ou um colega de trabalho, um ex-cônjuge, um irmão. Desse ponto de vista, o Inimigo é verdadeiramente “raro” - nosso suprimento é limitado. E é a luta, o processo de resolver o conflito com o Inimigo - aprendendo, examinando, encontrando maneiras alternativas de lidar com eles - que, em última instância, resulta em crescimento, percepção e um resultado psicoterapêutico bem-sucedido.
Imagine como seria se passássemos pela vida sem encontrar um inimigo ou qualquer outro obstáculo, desde o berço até a morte todos que conhecíamos nos mimavam, nos seguravam, nos alimentavam com a mão (comida suave e fácil, fácil de digerir), divertiu-nos com caras engraçadas e um ocasional ruído de "goo-goo". Se desde a infância fomos transportados em uma cesta (mais tarde, talvez em uma ninhada), nunca encontrando nenhum desafio, nunca testamos - em suma, se todos continuassem a nos tratar como um bebê. Isso pode parecer bom no começo. Nos primeiros meses de vida, pode ser apropriado. Mas, se persistisse, só poderia resultar em uma espécie de massa gelatinosa, uma monstruosidade na verdade - com o desenvolvimento mental e emocional da vitela. É a própria luta da vida que nos faz quem somos. E são nossos inimigos que nos testam, nos fornecem a resistência necessária para o crescimento.
ESTA ATITUDE A PRÁTICA?
A prática de abordar nossos problemas racionalmente e aprender a ver nossos problemas ou inimigos a partir de perspectivas alternativas certamente parecia uma busca que valeu a pena, mas fiquei imaginando até que ponto isso poderia realmente trazer uma transformação fundamental de atitude. Lembrei-me de uma vez ter lido em uma entrevista que uma das práticas espirituais diárias do Dalai Lama era a recitação de uma oração, Os Oito Versos da Formação da Mente, escrita no século XI pelo santo tibetano Langri Thangpa. Ele lê, em parte:
Sempre que me associo a alguém, posso me considerar o mais baixo entre todos e manter o outro supremo no fundo do meu coração! ...
Quando vejo seres de natureza perversa, pressionados por violentos pecados e aflições, posso abraçar esses raros como se eu tivesse encontrado um precioso tesouro! ...
Quando outros, por inveja, me tratam mal com abuso, calúnia e coisas do tipo, que eu sofra a derrota e ofereça a vitória aos outros! ...
Quando aquele a quem eu me beneficiei com grande esperança, me deixa muito mal, posso vê-lo como meu supremo Guru!
Em resumo, eu posso, direta e indiretamente, oferecer benefício e felicidade a todos os seres; que eu possa secretamente tomar sobre mim o sofrimento e o sofrimento de todos os seres! ...
Depois de ler sobre isso, perguntei ao Dalai Lama: “Sei que você contemplou muito essa oração, mas você realmente acha que isso é aplicável nos dias de hoje? Quero dizer, foi escrito por um monge que vivia em um monastério - um cenário onde a pior coisa que pode acontecer é alguém fofocando sobre você ou dizendo mentiras sobre você ou talvez um soco ou tapa ocasional. Nesse caso, pode ser fácil "oferecer a vitória" a eles - mas, na sociedade atual, a "mágoa" ou o mau tratamento que alguém recebe dos outros pode incluir estupro, tortura, assassinato, etc. A partir desse ponto de vista, a atitude na oração Realmente não parece aplicável. Eu me senti um pouco presunçosa, tendo feito uma observação que eu achava que era bastante adequado, o velho bon mot.
O Dalai Lama ficou em silêncio por vários momentos, com a testa franzida em pensamentos, e depois disse: "Pode haver algo no que você está dizendo." Ele então passou a discutir casos em que pode haver alguma modificação nessa atitude, onde pode ser necessário tomar fortes contramedidas para a agressão de outros para evitar danos a si mesmo ou a outros.
Mais tarde naquela noite, pensei na nossa conversa. Dois pontos emergiram vividamente. Primeiro, fiquei impressionado com a sua extraordinária prontidão para dar uma nova olhada em suas próprias crenças e práticas - neste caso, demonstrando a disposição de reavaliar uma oração acalentada que sem dúvida fundiu com seu próprio ser através de anos de repetição. O segundo ponto foi menos inspirador. Eu fui dominado por um senso de minha própria arrogância! Ocorreu-me que sugeri a ele que a oração poderia não ser apropriada porque não estava de acordo com as duras realidades do mundo de hoje. Mas não foi até mais tarde que eu refleti sobre quem eu estava falando - um homem que havia perdido um país inteiro como resultado de uma das invasões mais brutais da história. Um homem que viveu no exílio por quase quatro décadas, enquanto uma nação inteira colocou suas esperanças e sonhos de liberdade sobre ele. Um homem com um profundo senso de responsabilidade pessoal, que escutou com compaixão um fluxo contínuo de refugiados que derramam suas histórias do assassinato, estupro, tortura e degradação do povo tibetano pelos chineses. Mais de uma vez eu vi o olhar de infinito carinho e tristeza em seu rosto enquanto ele ouvia esses relatos, frequentemente contados por pessoas que cruzavam o Himalaia a pé (uma jornada de dois anos) apenas para vislumbrá-lo.
E essas histórias não são apenas de violência física. Muitas vezes eles envolviam a tentativa de destruir o espírito do povo tibetano. Um refugiado tibetano me contou certa vez sobre a “escola” chinesa que ele deveria frequentar quando criança, no Tibete. As manhãs eram dedicadas à doutrinação e ao estudo do "pequeno livro vermelho" do presidente Mao. As tardes eram dedicadas a relatar vários trabalhos de casa. A lição de casa foi geralmente concebida para erradicar o espírito profundamente enraizado do budismo entre o povo tibetano. Por exemplo, sabendo da proibição budista contra a morte e da crença de que toda criatura vivente é igualmente um "ser senciente" precioso, um professor da escola atribuiu a seus alunos a tarefa de matar algo e levá-lo à escola no dia seguinte. Os alunos foram classificados. Cada animal morto recebia um certo valor pontual - uma mosca valia um ponto, um verme - dois, um rato - cinco, um gato - dez e assim por diante. (Quando eu contei essa história para um amigo recentemente, ele balançou a cabeça com um olhar de repugnância, e meditou: "Eu me pergunto quantos pontos o aluno receberia por matar o maldito professor?")
Através de suas práticas espirituais, como a recitação dos oito versos sobre a formação da mente, o Dalai Lama foi capaz de chegar a um acordo com a realidade desta situação ainda continuar a campanha ativamente para a liberdade e os direitos humanos no Tibete por quarenta anos . Ao mesmo tempo, ele manteve uma atitude de humildade e compaixão em relação aos chineses, que inspiraram milhões em todo o mundo. E aqui estava eu, sugerindo que essa oração pode não ser relevante para as “realidades” do mundo de hoje. Ainda fico vermelho de constrangimento sempre que penso nessa conversa.
DESCOBRINDO NOVAS PERSPECTIVAS
Ao tentar aplicar o método de mudança de perspectiva do Dalai Lama sobre "o inimigo", aconteceu de eu me deparar com outra técnica uma tarde. Durante o curso de preparação deste livro, participei de alguns ensinamentos do Dalai Lama na Costa Leste. Quando voltei para casa, peguei um voo sem escalas de volta para Phoenix. Como de costume, eu tinha reservado um assento no corredor. Apesar de ter acabado de frequentar os ensinamentos espirituais, eu estava de mau humor quando embarquei no avião lotado. Então descobri que tinha sido erroneamente atribuído a um assento no centro - imprensado entre um homem de proporções generosas que tinha o hábito irritante de enfiar o antebraço grosso no meu braço do braço e uma mulher de meia-idade de quem eu gostava imediatamente porque, Eu decidi, ela usurpara meu assento no corredor. Havia algo sobre essa mulher que realmente me incomodava - sua voz um pouco estridente demais, suas maneiras um pouco muito imperial, não tenho certeza. Logo após a decolagem, ela começou a falar continuamente com o homem sentado em frente a ela. O homem acabou por ser seu marido, e eu “galantemente” me ofereci para trocar lugares com ele. Mas eles não teriam isso - ambos queriam assentos no corredor. Eu fiquei mais irritado. A perspectiva de cinco horas sólidas sentadas ao lado dessa mulher parecia insuportável.
Percebendo que eu estava reagindo tão fortemente a uma mulher que eu nem conhecia, decidi que devia ser “transferência” - ela deve, subconscientemente, me lembrar de alguém da minha infância - os velhos sentimentos de ódio não resolvidos. em direção a minha mãe ou algo assim. Eu acumulei meu cérebro, mas não consegui chegar a um provável candidato - ela simplesmente não me lembrava ninguém do meu passado.
Ocorreu-me então que esta era a oportunidade perfeita para praticar o desenvolvimento da paciência. Então, comecei a técnica de visualizar meu inimigo no meu assento no corredor como um benfeitor querido, colocado ao meu lado para me ensinar paciência e tolerância. Eu imaginei que isso deveria ser um estalo - afinal de contas, como "inimigos", você não poderia ficar mais ameno do que isso - eu tinha acabado de conhecer essa mulher, e ela realmente não tinha feito nada para me prejudicar. Após cerca de vinte minutos, desisti - ela ainda me incomodava! Resignei-me a ficar irritada pelo resto do vôo. De mau humor, eu olhei para uma de suas mãos que estava furtivamente invadindo meu braço. Eu odiava tudo sobre essa mulher. Eu estava olhando distraidamente para a unha do polegar quando me ocorreu: Eu odeio essa miniatura? Na verdade não. Foi apenas uma miniatura comum. Não digna de nota. Em seguida, olhei para o olho dela e perguntei a mim mesmo: Será que eu realmente odeio esse olho? Sim eu fiz. (Claro, sem uma boa razão - que é a mais pura forma de ódio). Eu me concentrei mais perto. Eu odeio esse aluno? Não. Eu odeio essa córnea, essa íris ou essa esclera? Não. Então, eu realmente odeio esse olho? Eu tinha que admitir que não. Eu senti que estava em algo. Eu me movi para um nó, um dedo, uma mandíbula, um cotovelo. Com alguma surpresa, percebi que havia partes dessa mulher que eu não odiava. Concentrar-se em detalhes, em detalhes, em vez de generalizações excessivas, permitiu uma sutil mudança interna, um abrandamento. Essa mudança de perspectiva abriu uma brecha no meu preconceito, apenas grande o suficiente para olhar para ela como simplesmente outro ser humano. Como eu estava sentindo isso, ela de repente se virou para mim e começou uma conversa. Não me lembro sobre o que conversamos - na maior parte era conversa fiada -, mas no final do voo minha raiva e aborrecimento se dissiparam. Com certeza, ela não era minha nova melhor amiga, mas também não era mais a usuária malvada do meu assento no corredor - apenas outro ser humano, como eu, andando pela vida o melhor que podia.
UMA MENTE DE FORNECIMENTO
A capacidade de mudar a perspectiva, a capacidade de ver os problemas de uma pessoa "de diferentes ângulos" é nutrida por uma qualidade de mente flexível. O benefício final de uma mente flexível é que ela nos permite abraçar toda a vida - estar totalmente vivo e humano. Após um longo dia de palestras públicas em Tucson uma tarde, o Dalai Lama voltou para sua suíte de hotel. Enquanto caminhava lentamente de volta ao seu quarto, um banco de nuvens de chuva magenta atravessou o céu, absorvendo a luz da tarde e enviando as Montanhas Catalinas em profundo alívio, toda a paisagem uma vasta paleta de tons roxos. O efeito foi espetacular. O ar quente, carregado com a fragrância de plantas do deserto, de sálvia, uma umidade, uma brisa inquieta, mantendo a promessa de uma tempestade sonora descontrolada. O Dalai Lama parou. Por vários momentos ele calmamente examinou o horizonte, observando o panorama inteiro, finalmente comentando sobre a beleza do cenário. Ele seguiu em frente, mas depois de alguns passos parou novamente, inclinando-se para examinar um pequeno botão de alfazema em uma pequena planta. Ele tocou-o suavemente, notando sua forma delicada, e perguntou em voz alta sobre o nome da planta. Fiquei impressionado com a facilidade com que sua mente funcionava. Sua percepção pareceu mover-se tão facilmente de contemplar a paisagem completa para se concentrar em um único botão, uma apreciação simultânea da totalidade do ambiente, bem como dos mínimos detalhes. Uma capacidade para abranger todas as facetas e todo o espectro da vida.
Cada um de nós pode desenvolver essa mesma maleabilidade mental. Isso acontece, pelo menos em parte, diretamente através de nossos esforços para ampliar nossa perspectiva e deliberadamente experimentar novos pontos de vista. O resultado final é uma consciência simultânea do quadro geral e de nossas circunstâncias individuais. Essa visão dupla, uma visão simultânea do "Grande Mundo" e do nosso próprio "Pequeno Mundo", pode atuar como uma espécie de triagem, ajudando-nos a separar o que é importante na vida do que não é.
No meu caso, foi preciso um pouco de estímulo gentil pelo Dalai Lama, durante nossas conversas, antes de começar a sair da minha própria perspectiva limitada. Por natureza e treinamento, sempre tive a tendência de abordar problemas do ponto de vista da dinâmica individual - processos psicológicos ocorrendo puramente dentro do domínio da mente. Perspectivas sociológicas ou políticas nunca me interessaram muito. Em uma discussão com o Dalai Lama, comecei a questioná-lo sobre a importância de alcançar uma perspectiva mais ampla. Tendo tomado várias xícaras de café mais cedo, minha conversa começou a ficar animada e comecei a falar sobre a capacidade de mudar a perspectiva como um processo interno, uma busca solitária, baseada apenas na decisão consciente de um indivíduo de adotar uma visão diferente.
No meio do meu discurso animado, o Dalai Lama finalmente interrompeu para me lembrar: “Quando se fala em adotar uma perspectiva mais ampla, isso inclui cooperar com outras pessoas. Quando você tem crises globais por natureza, como o ambiente ou problemas da estrutura econômica moderna, isso exige um esforço coordenado e coordenado entre muitas pessoas, com um senso de responsabilidade e compromisso. Isso é mais abrangente do que uma questão individual ou pessoal ”.
Eu estava aborrecido por ele estar se arrastando no assunto do mundo enquanto eu tentava me concentrar no assunto do indivíduo (e essa atitude, eu tenho vergonha de admitir, sobre o próprio tópico de ampliar o ponto de vista de alguém!).
“Mas nesta semana,” eu insisti, “em nossas conversas e em suas palestras públicas, você falou muito sobre a importância de efetuar uma mudança pessoal a partir de dentro, através da transformação interna. Por exemplo, você falou sobre a importância de desenvolver a compaixão, um coração caloroso, de superar a raiva e o ódio, cultivando a paciência e a tolerância ... ”
"Sim. Evidentemente, a mudança deve vir de dentro do indivíduo. Mas quando você está buscando soluções para problemas globais, você precisa ser capaz de abordar esses problemas do ponto de vista do indivíduo, bem como do nível da sociedade como um todo. Então, quando você está falando sobre ser flexível, sobre ter uma perspectiva mais ampla e assim por diante, isso requer a capacidade de abordar problemas de vários níveis: o nível individual, o nível da comunidade e o nível global.
“Agora, por exemplo, na palestra na universidade na outra noite, falei sobre a necessidade de reduzir a raiva e o ódio através do cultivo de paciência e tolerância. Minimizar o ódio é como o desarmamento interno. Mas, como também mencionei naquela palestra, esse desarmamento interno deve ser acompanhado pelo desarmamento externo. Isso eu acho que é muito, muito importante. Felizmente, depois que o império soviético entrou em colapso, pelo menos por enquanto, não há mais ameaça de holocausto nuclear. Então, acho que este é um bom momento, um começo muito bom - não devemos perder essa oportunidade! Agora acho que devemos fortalecer a força genuína da paz. Paz real - não apenas a ausência de violência ou ausência de guerra. A simples ausência de guerra pode ser produzida por armas - como a dissuasão nuclear. Mas uma mera ausência de guerra não é uma paz mundial genuína e duradoura. A paz deve desenvolver-se na confiança mútua. E como as armas são o maior obstáculo para o desenvolvimento da confiança mútua, acho que chegou a hora de descobrir como se livrar dessas armas. Isso é muito importante. Claro, não podemos conseguir isso durante a noite. Eu acho que a maneira realista é passo a passo. Mas, de qualquer forma, acho que devemos deixar claro nosso objetivo final: o mundo inteiro deve ser desmilitarizado. Então, em um nível, deveríamos estar trabalhando para desenvolver a paz interior, mas ao mesmo tempo é muito importante trabalhar em prol do desarmamento externo e também da paz, fazendo uma pequena contribuição da maneira que pudermos. Essa é nossa responsabilidade.
A IMPORTÂNCIA DO PENSAMENTO FLEXÍVEL
Há uma relação recíproca entre uma mente flexível e a capacidade de mudar a perspectiva: Uma mente flexível e flexível nos ajuda a abordar nossos problemas de uma variedade de perspectivas e, inversamente, tentando deliberadamente examinar objetivamente nossos problemas sob uma variedade de perspectivas. visto como um tipo de treinamento de flexibilidade para a mente. No mundo de hoje, a tentativa de desenvolver um modo de pensar flexível não é simplesmente um exercício auto-indulgente para intelectuais ociosos - pode ser uma questão de sobrevivência. Mesmo em escala evolutiva, as espécies que foram mais flexíveis, mais adaptáveis às mudanças ambientais, sobreviveram e prosperaram. A vida hoje é caracterizada por mudanças súbitas, inesperadas e por vezes violentas. Uma mente flexível pode nos ajudar a reconciliar as mudanças externas que estão acontecendo ao nosso redor. Também pode nos ajudar a integrar todos os nossos conflitos internos, inconsistências e ambivalência. Sem cultivar uma mente flexível, nossa visão se torna frágil e nossa relação com o mundo se torna caracterizada pelo medo. Mas ao adotar uma abordagem flexível e maleável da vida, podemos manter nas condições mais inquietas e turbulentas. É através de nossos esforços para alcançar uma mente flexível que podemos nutrir a resiliência do espírito humano.
Ao conhecer o Dalai Lama, fiquei impressionado com a extensão de sua flexibilidade, sua capacidade de ter uma variedade de pontos de vista. Seria de esperar que o seu papel único como provavelmente o budista mais reconhecido do mundo possa colocá-lo na posição de ser um defensor da fé.
Com isso em mente, perguntei-lhe: "Você já se viu sendo muito rígido em seu ponto de vista, estreito demais em seu pensamento?"
"Hmm ..." ele ponderou por um momento antes de responder decisivamente. "Não, eu não penso assim. Na verdade, é exatamente o oposto. Às vezes sou tão flexível que sou acusado de não ter uma política consistente. Ele deu uma gargalhada forte. "Alguém virá até mim e apresentará uma certa idéia, e eu vou ver a razão do que eles estão dizendo e concordando, dizendo-lhes: Oh, isso é ótimo!" ... Mas então a próxima pessoa vem com o oposto ponto de vista, e eu vou ver a razão em que eles estão dizendo também e concordo com eles também. Às vezes, sou criticado por isso e tenho que ser lembrado: "Estamos comprometidos com esse curso de ação, então, por enquanto, vamos apenas ficar de lado."
A partir dessa afirmação, pode-se ter a impressão de que o Dalai Lama é indeciso, sem princípios orientadores. Na verdade, isso não poderia estar mais longe da verdade. O Dalai Lama claramente tem um conjunto de crenças básicas que atuam como substrato para todas as suas ações: Uma crença na bondade subjacente de todos os seres humanos. Uma crença no valor da compaixão. Uma política de bondade. Um senso de sua comunhão com todas as criaturas vivas.
Ao falar da importância de ser flexível, maleável e adaptável, não pretendo sugerir que nos tornamos como camaleões - absorvendo qualquer novo sistema de crenças que por acaso estivermos por perto na época, mudando nossa identidade, absorvendo passivamente cada idéia de que estamos expostos. Etapas mais altas de crescimento e desenvolvimento dependem de um conjunto subjacente de valores que podem nos guiar. Um sistema de valores que pode fornecer continuidade e coerência às nossas vidas, através das quais podemos medir nossas experiências. Um sistema de valores que pode nos ajudar a decidir quais objetivos realmente valem a pena e quais são insignificantes.
A questão é: como podemos consistentemente e firmemente manter este conjunto de valores subjacentes e ainda assim permanecer flexíveis? O Dalai Lama parece ter conseguido isso primeiro reduzindo seu sistema de crenças a alguns fatos fundamentais: 1) Eu sou um ser humano. 2) Eu quero ser feliz e não quero sofrer. 3) Outros seres humanos, como eu, também querem ser felizes e não querem sofrer. Enfatizar o terreno comum que ele compartilha com os outros, ao invés das diferenças, resulta em um sentimento de conexão com todos os seres humanos e leva à sua crença básica no valor da compaixão e do altruísmo. Usando a mesma abordagem, pode ser tremendamente recompensador simplesmente levar algum tempo para refletir sobre nosso próprio sistema de valores e reduzi-lo a seus princípios fundamentais. É a capacidade de reduzir nosso sistema de valores a seus elementos mais básicos, e viver a partir desse ponto de vista, que nos permite a maior liberdade e flexibilidade para lidar com a vasta gama de problemas que nos confrontam diariamente.
ENCONTRANDO EQUILÍBRIO
Desenvolver uma abordagem flexível à vida não é apenas fundamental para nos ajudar a lidar com os problemas cotidianos - ela também se torna a base de um elemento-chave de uma vida feliz: o equilíbrio.
Acomodando-se confortavelmente em sua cadeira uma manhã, o Dalai Lama explicou o valor de levar uma vida equilibrada.
“Uma abordagem equilibrada e hábil da vida, tomando cuidado para evitar extremos, torna-se um fator muito importante na condução da existência cotidiana. É importante em todos os aspectos da vida. Por exemplo, ao plantar uma muda de uma planta ou uma árvore, em seu estágio inicial, você precisa ser muito hábil e gentil. Muita umidade irá destruí-lo, muita luz solar irá destruí-lo. Muito pouco também irá destruí-lo. Então, o que você precisa é de um ambiente muito equilibrado, onde a muda possa ter um crescimento saudável. Ou, para a saúde física de uma pessoa, muito ou pouco de qualquer coisa pode ter efeitos destrutivos. Por exemplo, muita proteína eu acho ruim, e muito pouco é ruim.
“Essa abordagem gentil e hábil, tomando cuidado para evitar extremos, também se aplica ao crescimento mental e emocional saudável. Por exemplo, se nos vemos nos tornando arrogantes, cheios de importância pessoal com base nas conquistas ou qualidades supostas ou reais, o antídoto é pensar mais sobre os próprios problemas e sofrimentos, contemplando os aspectos insatisfatórios da existência. Isso ajudará você a reduzir o nível de seu estado de espírito elevado, trazendo-lhe mais à terra. E, pelo contrário, se você achar que refletir sobre a natureza insatisfatória da existência, sofrimento e dor e assim por diante, faz você se sentir bastante sobrecarregado pela coisa toda, então, novamente, há o perigo de ir para o outro extremo. Nesse caso, você pode ficar completamente desencorajado, desamparado e deprimido, pensando que "Oh, eu não posso fazer nada, eu não tenho valor".
Sob tais circunstâncias, é importante ser capaz de elevar sua mente, refletindo sobre suas conquistas, o progresso que você fez até agora, e suas outras qualidades positivas, para que você possa elevar sua mente e sair desse estado de desanimado ou desmoralizado. mente. Então, o que é necessário aqui é um tipo de abordagem muito equilibrada e habilidosa.
“Essa abordagem não apenas é útil para a saúde física e emocional, mas também se aplica ao crescimento espiritual de uma pessoa. Agora, por exemplo, a tradição budista inclui muitas técnicas e práticas diferentes. Mas é muito importante ser muito habilidoso na aplicação das várias técnicas e não ser excessivamente extremo. É preciso também uma abordagem equilibrada e hábil. Ao empreender a prática budista, é importante ter uma abordagem coordenada, combinando o estudo e o aprendizado com as práticas de contemplação e meditação. Isso é importante para que não haja desequilíbrios entre o aprendizado acadêmico ou intelectual e a implementação prática. Caso contrário, existe o perigo de que muita intelectualização mate as práticas mais contemplativas. Mas, então, muita ênfase na implementação prática sem estudo matará o entendimento. Então tem que haver um equilíbrio ...
Depois de um momento de reflexão, ele acrescentou: “Então, em outras palavras, a prática de Dbarma, verdadeira prática espiritual, é de certa forma como um estabilizador de voltagem. A função do estabilizador é evitar picos de energia irregulares e, ao invés disso, fornecer uma fonte estável e constante de energia. ”
“Você enfatiza a importância de evitar extremos”, insertei, “mas não vai aos extremos, o que proporciona a excitação e o entusiasmo da vida? Ao evitar todos os extremos da vida, sempre escolhendo o "caminho do meio", isso não leva apenas a uma existência suave e incolor?
Shakinghis cabeça não, ele respondeu: “Eu acho que você precisa entender a fonte ou base do comportamento extremo. Tomemos por exemplo a busca de bens materiais - abrigo, móveis, roupas e assim por diante. Por um lado, a pobreza pode ser vista como uma espécie de extremo e temos todo o direito de nos esforçar para superar isso e assegurar nosso conforto físico. Por outro lado, luxo demais, buscar riqueza excessiva é outro extremo. Nosso objetivo final em buscar mais riqueza é um sentimento de satisfação, de felicidade. Mas a própria base de buscar mais é um sentimento de não ter o suficiente, um sentimento de descontentamento. Esse sentimento de descontentamento, de querer mais e mais e mais, não se origina da desejabilidade inerente dos objetos que estamos buscando, mas sim do nosso próprio estado mental.
“Então, acho que nossa tendência a ir ao extremo é muitas vezes alimentada por um sentimento subjacente de descontentamento. E, claro, pode haver outros fatores que levam a extremos. Mas acho importante reconhecer que, embora extremos possam parecer atraentes ou "excitantes" superficialmente, na verdade podem ser prejudiciais. Há muitos exemplos dos perigos de ir a extremos, de comportamento extremo. Acho que ao examinar essas situações, você poderá ver que a conseqüência de ir a extremos é que você mesmo acabará sofrendo. Por exemplo, em escala planetária, se nos engajamos em pesca excessiva, sem a devida consideração pelas conseqüências a longo prazo, sem um senso de responsabilidade, isso resulta em esgotamento da população de peixes ... Ou comportamento sexual. É claro que há o impulso sexual biológico para a reprodução e assim por diante, e a satisfação que se obtém da atividade sexual. Mas se o comportamento sexual se torna extremo, sem a devida responsabilidade, isso leva a muitos problemas, abusos ... como abuso sexual e incesto. ”
"Você mencionou que, além de um sentimento de descontentamento, pode haver outros fatores que levam a extremos ..."
"Sim, certamente." Ele assentiu.
"Você pode dar um exemplo?"
"Acho que a mentalidade estreita pode ser outro fator que leva a extremos".
“Mentalidade limitada no sentido de ...?”
“O exemplo da pesca excessiva que leva ao esgotamento da população de peixes seria um exemplo de pensamento limitado, no sentido de que se está olhando apenas a curto prazo e ignorando o quadro mais amplo. Aqui, pode-se usar a educação e o conhecimento para ampliar a perspectiva de uma pessoa e tornar-se menos estreita no ponto de vista da pessoa. ”
O Dalai Lama pegou seu rosário de uma mesa lateral, esfregando-o entre as mãos enquanto pensava silenciosamente sobre o assunto em discussão. Olhando de relance para o rosário, ele subitamente continuou: - De muitas maneiras, penso que atitudes tacanhas levam a um pensamento extremo. E isso cria problemas. Por exemplo, o Tibete foi uma nação budista por muitos séculos. Naturalmente, isso resultou em tibetanos sentindo que o budismo era a melhor religião e uma tendência a sentir que seria bom se toda a humanidade se tornasse budista. A ideia de que todos deveriam ser budistas é bastante extrema. E esse tipo de pensamento extremo só causa problemas. Mas agora que saímos do Tibete, tivemos a chance de entrar em contato com outras tradições religiosas e aprender sobre elas. Isso resultou em aproximar-se da realidade - realçando que entre a humanidade existem tantas disposições mentais diferentes. Mesmo se tentássemos tornar todo o mundo budista, seria impraticável. Através de um contato mais próximo com outras tradições, você percebe as coisas positivas sobre elas. Agora, quando confrontado com outra religião, inicialmente um sentimento positivo, um sentimento confortável, surgirá. Sentiremos que essa pessoa encontra uma tradição diferente, mais adequada, mais eficaz, e isso é bom! Então é como ir a um restaurante - todos nós podemos nos sentar em uma mesa e pedir pratos diferentes de acordo com o gosto de cada um. Podemos comer pratos diferentes, mas ninguém discute sobre isso!
“Então, acho que ao ampliarmos deliberadamente nossa perspectiva, podemos frequentemente superar o tipo de pensamento extremo que leva a tais conseqüências negativas.”
Com esse pensamento, o Dalai Lama escorregou seu rosário ao redor de seu pulso, deu um tapinha amável na minha mão e levantou-se para terminar a discussão.
ENCONTRANDO SIGNIFICADO EM DOR E SOFRIMENTO
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Victor Frankl, um psiquiatra judeu preso pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, disse uma vez: "O homem está pronto e disposto a suportar qualquer sofrimento tão logo e enquanto ele pode ver um significado nele." Frankl usou sua experiência brutal e desumana. nos campos de concentração para entender como as pessoas sobreviveram às atrocidades. Observando de perto quem sobreviveu e quem não o fez, ele determinou que a sobrevivência não se baseava na juventude ou na força física, mas sim na força derivada do propósito e na descoberta de significado em sua vida e experiência.
Encontrar significado no sofrimento é um método poderoso de nos ajudar a lidar mesmo nos momentos mais difíceis de nossas vidas. Mas encontrar significado em nosso sofrimento não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, o sofrimento parece ocorrer de forma aleatória, insensata e indiscriminada, sem nenhum significado, muito menos um significado proposital ou positivo. E enquanto estamos no meio da nossa dor e sofrimento, toda a nossa energia está focada em fugir dela. Durante períodos de crise aguda e tragédia, parece impossível refletir sobre qualquer significado possível por trás de nosso sofrimento. Nesses momentos, muitas vezes há pouco que podemos fazer, mas resistir. E é natural ver nosso sofrimento como sem sentido e injusto, e pensar: “Por que eu?” Felizmente, porém, em tempos de relativa facilidade, períodos antes ou depois de experiências agudas de sofrimento, podemos refletir sobre o sofrimento, buscando desenvolver um entendimento. do seu significado. E o tempo e o esforço que gastamos buscando significado no sofrimento trarão grandes recompensas quando as coisas ruins começarem a acontecer. Mas, para colher essas recompensas, devemos começar nossa busca de sentido quando as coisas estão indo bem. Uma árvore com raízes fortes pode suportar a tempestade mais violenta, mas a árvore não pode criar raízes assim como a tempestade aparece no horizonte.
Então, por onde começamos em nossa busca por significado no sofrimento? Para muitas pessoas, a busca começa com sua tradição religiosa. Embora as diferentes religiões possam ter formas diferentes de entender o significado e o propósito do sofrimento humano, toda religião mundial oferece estratégias para responder ao sofrimento com base em suas crenças subjacentes. Nos modelos budistas e hindus, por exemplo, o sofrimento é resultado de nossas próprias ações negativas do passado e é visto como um catalisador para a busca da libertação espiritual.
Na tradição judaico-cristã, o universo foi criado por um Deus bom e justo, e mesmo que o seu plano mestre possa ser misterioso e indecifrável às vezes, nossa fé e confiança em Seu plano nos permitem tolerar nosso sofrimento mais facilmente, confiando, como o Talmud diz, “Tudo o que Deus faz, Ele faz o melhor”. A vida ainda pode ser dolorosa, mas como a dor que uma mulher experimenta no parto, confiamos que a dor será superada pelo bem supremo que ela produz. O desafio dessas tradições reside no fato de que, diferentemente do parto, o bem final muitas vezes não é revelado a nós. Ainda assim, aqueles com uma forte fé em Deus são sustentados por uma crença no propósito final de Deus para nosso sofrimento, como um sábio Hassídico aconselha: “Quando um homem sofre, ele não deve dizer: 'Isso é ruim! Isso é ruim! 'Nada que Deus impõe ao homem é ruim. Mas tudo bem dizer: "Isso é amargo! Isso é amargo! ”Entre os remédios, há alguns que são feitos com ervas amargas.” Assim, da perspectiva judaico-cristã, o sofrimento pode servir a muitos propósitos: pode testar e potencialmente fortalecer nossa fé, pode nos aproximar de Deus em um caminho muito fundamental e íntimo, ou pode afrouxar os laços com o mundo material e nos fazer apegar a Deus como nosso refúgio.
Embora a tradição religiosa de uma pessoa possa oferecer uma ajuda valiosa para encontrar significado, mesmo aqueles que não subscrevem uma cosmovisão religiosa podem, após cuidadosa reflexão, encontrar significado e valor por trás de seu sofrimento. Apesar do desagrado universal, há pouca dúvida de que nosso sofrimento pode testar, fortalecer e aprofundar a experiência da vida. O Dr. Martin Luther King Jr. disse certa vez: “O que não me destrói, me fortalece”. E, embora seja natural recuar do sofrimento, o sofrimento também pode nos desafiar e, às vezes, até mesmo trazer o melhor de nós. Em O Terceiro Homem, o autor Graham Green observa: “Na Itália, durante trinta anos sob os Bórgia, eles tiveram guerra, terror, assassinato e derramamento de sangue - mas eles produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça, eles têm amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz, e o que produziram? O relógio cuco.
Enquanto às vezes o sofrimento pode nos fortalecer, nos fortalecer, outras vezes pode ter valor funcionando de maneira oposta - para nos suavizar, para nos tornar mais sensíveis e gentis. A vulnerabilidade que experimentamos em meio ao nosso sofrimento pode nos abrir e aprofundar nossa conexão com os outros. O poeta William Wordsworth afirmou certa vez: "Um profundo sofrimento humanizou minha alma". Ao ilustrar esse efeito humanizador do sofrimento, um conhecido, Robert, vem à mente. Robert foi o CEO de uma corporação de muito sucesso. Vários anos atrás, ele sofreu um grave revés financeiro que desencadeou uma grave depressão imobilizadora. Nós nos encontramos um dia durante as profundezas de sua depressão. Eu sempre soube que Robert era o modelo de confiança e entusiasmo, e fiquei alarmado ao vê-lo com um ar tão desanimado. Com intensa angústia em sua voz, Robert relatou: “Este é o pior que já senti em minha vida. Eu simplesmente não consigo me mexer. Eu não sabia que era até mesmo possível me sentir tão sobrecarregado, sem esperança e fora de controle. ”Depois de discutir suas dificuldades por um tempo, encaminhei-o a um colega para o tratamento de sua depressão.
Várias semanas depois, encontrei a esposa de Robert, Karen, e perguntei como estava indo. “Ele está muito melhor graças. O psiquiatra que você recomendou prescreveu uma medicação antidepressiva que está ajudando muito. É claro que ainda vai demorar um pouco para que possamos resolver os problemas com os negócios, mas ele está se sentindo muito melhor agora e vamos ficar bem ... ”
"Estou muito feliz em ouvir isso."
Karen hesitou por um momento, depois confidenciou: - Sabe, odiei vê-lo passar por essa depressão. Mas de certa forma, acho que foi uma bênção. Uma noite, durante um ataque de depressão, ele começou a chorar incontrolavelmente. Ele não conseguia parar. Eu acabei apenas segurando ele em meus braços por horas enquanto ele chorava, até que ele finalmente adormeceu. Em vinte e três anos de casamento, essa é a primeira vez que algo assim aconteceu ... e para ser honesto, nunca me senti tão perto dele na minha vida. E mesmo que sua depressão seja melhor agora, as coisas são diferentes de alguma forma. Algo parecia se abrir ... e esse sentimento de proximidade ainda está lá. O fato de que ele compartilhou seu problema e nós passamos por isso juntos de alguma forma mudou nosso relacionamento, nos fez muito mais próximos ”.
Ao procurar maneiras pelas quais o sofrimento pessoal pode adquirir significado, voltamos novamente ao Dalai Lama, que ilustrou como o sofrimento pode ser colocado em prática no contexto do caminho budista.
“Na prática budista, você pode usar seu sofrimento pessoal de uma maneira formal para aumentar sua compaixão - usando-o como uma oportunidade para a prática de Tong-Len. Esta é uma prática de visualização Mahayana na qual se visualiza mentalmente a tomada da dor e do sofrimento do outro e, por sua vez, dá a eles todos os seus recursos, boa saúde, fortuna e assim por diante. Eu darei instruções sobre esta prática em maior detalhe mais tarde. Assim, ao praticar esta prática, quando você sofre de doença, dor ou sofrimento, você pode usar isso como uma oportunidade pensando: "Que meu sofrimento seja um substituto para o sofrimento de todos os outros seres sencientes. Experimentando isso, posso ser capaz de salvar todos os outros seres sencientes que podem ter que passar por sofrimentos semelhantes. ”Então você usa o seu sofrimento como uma oportunidade para a prática de levar o sofrimento dos outros sobre si mesmo.
“Aqui, eu deveria apontar uma coisa. Se, por exemplo, você fica doente e pratica essa técnica, pensando: "Que minha doença aja como substituta de outras pessoas que sofrem de doenças semelhantes", e você visualiza a doença, o sofrimento e a saúde, Não estou sugerindo que você ignore sua própria saúde. Ao lidar com doenças, antes de tudo, é importante tomar medidas preventivas para que você não sofra dessas doenças, como tomar todas as medidas de precaução, como adotar a dieta correta ou o que for. E quando você fica doente, é importante não ignorar a necessidade de tomar os medicamentos apropriados e todos os outros métodos convencionais.
“Contudo, uma vez que você adoeça, práticas como Tong-Len podem fazer uma diferença significativa em como você responde à situação da doença em termos de sua atitude mental. Em vez de reclamar da sua situação, sentir pena de si mesmo e sentir-se oprimido pela ansiedade e preocupação, você pode, de fato, salvar-se de outras dores e sofrimentos mentais ao adotar a atitude correta. Praticar a meditação de Tong-Len, ou "dar e receber", pode não necessariamente ter sucesso em aliviar a dor física real ou levar a uma cura em termos físicos, mas o que ela pode fazer é protegê-la de sofrimento psicológico, sofrimento e angústia adicionais desnecessários . Você pode pensar: 'Eu, experimentando essa dor e esse sofrimento, poderei ajudar outras pessoas e salvar outras pessoas que tenham que passar pela mesma experiência'. Então, seu sofrimento assume um novo significado, pois é usado como base para o sofrimento. uma prática religiosa ou espiritual. E, além disso, também é possível, nos casos de alguns indivíduos praticando essa técnica, que em vez de se arrependerem e se entristecerem com a experiência, a pessoa possa vê-la como uma espécie de privilégio. A pessoa pode percebê-lo como uma espécie de oportunidade e, de fato, ser feliz porque essa experiência particular o tornou mais rico ”.
“Você menciona que o sofrimento pode ser usado na prática de Tong-Len. E antes você discutiu o fato de que a contemplação intencional de nossa natureza sofrida antecipadamente pode ser útil para evitar que nos tornemos sobrecarregados quando surgem situações difíceis ... no sentido de desenvolver uma maior aceitação do sofrimento como parte natural da vida ... "
"Isso é muito verdade ...", o Dalai Lama assentiu.
“Existem outras maneiras pelas quais o nosso sofrimento pode ser visto como tendo algum significado, ou pelo menos a contemplação do nosso sofrimento como tendo algum valor prático?”
"Sim", ele respondeu, "definitivamente. Acho que antes mencionamos que dentro da estrutura do caminho budista, refletir sobre o sofrimento tem uma tremenda importância porque, ao perceber a natureza do sofrimento, você desenvolverá maior determinação para pôr fim às causas do sofrimento e aos atos prejudiciais que levam ao sofrimento. . E isso aumentará seu entusiasmo por se engajar nas ações e ações saudáveis que levam à felicidade e à alegria ”.
"E você vê algum benefício de refletir sobre o sofrimento dos não-budistas?"
“Sim, acho que pode ter algum valor prático em algumas situações. Por exemplo, refletir sobre o seu sofrimento pode reduzir sua arrogância, seu sentimento de vaidade. É claro, ”ele riu com entusiasmo,“ isso pode não ser visto como um benefício prático ou uma razão convincente para alguém que não considera a arrogância ou o orgulho uma falha ”.
Tornando-se mais sério, o Dalai Lama acrescentou: “Mas, de qualquer maneira, acho que há um aspecto em nossa experiência de sofrimento que é de vital importância. Quando você está ciente de sua dor e sofrimento, isso ajuda você a desenvolver sua capacidade de empatia, a capacidade que permite que você se relacione com os sentimentos e sofrimentos de outras pessoas. Isso aumenta sua capacidade de compaixão para com os outros. Então, como uma ajuda para nos ajudar a nos conectar com os outros, pode ser visto como tendo valor.
“Então,” concluiu o Dalai Lama, “olhando para o sofrimento dessas maneiras, nossa atitude pode começar a mudar; nosso sofrimento pode não ser tão inútil e ruim quanto pensamos ”.
Lidando com a dor física
Refletindo sobre o sofrimento durante os momentos mais calmos de nossas vidas, quando as coisas estão relativamente estáveis e indo bem, muitas vezes podemos descobrir um valor e um significado mais profundos em nosso sofrimento. Às vezes, porém, podemos ser confrontados com tipos de sofrimento que parecem não ter propósito, sem qualidades redentoras. A dor física e o sofrimento parecem pertencer a essa categoria. Mas existe uma diferença entre a dor física, que é um processo fisiológico, e o sofrimento, que é nossa resposta mental e emocional à dor. Assim, surgem as perguntas: pode encontrar um propósito subjacente e significado por trás de nossa dor modificar nossa atitude sobre isso? E uma mudança de atitude pode diminuir o grau em que sofremos quando estamos fisicamente feridos?
Em seu livro Pain: o dom que ninguém quer, o Dr. Paul Brand explora o propósito e o valor da dor física. Dr. Brand, um renomado cirurgião de mão e especialista em hanseníase, passou seus primeiros anos na Índia, onde, como filho dos missionários, estava cercado por pessoas que viviam em condições de extrema dificuldade e sofrimento. Notando que a dor física parecia ser esperada e tolerada muito mais do que no Ocidente, o Dr. Brand ficou interessado no sistema de dor no corpo humano. Eventualmente, ele começou a trabalhar com pacientes de lepra na Índia e fez uma descoberta notável. Ele descobriu que a devastação causada pela lepra e as horríveis desfigurações não se deviam ao organismo causador do apodrecimento da carne, mas sim porque a doença causava a perda da sensação de dor nos membros. Sem a proteção da dor, os pacientes com hanseníase não tinham o sistema para avisá-los de danos nos tecidos. Assim, o Dr. Brand observou pacientes caminhando ou correndo em membros com pele quebrada ou até ossos expostos; isso causou deterioração contínua. Sem dor, às vezes eles colocariam as mãos no fogo para recuperar alguma coisa. Ele notou uma total indiferença pela autodestruição. Em seu livro, o Dr. Brand relatou história após história dos efeitos devastadores da vida sem sensação de dor - dos ferimentos repetitivos, de casos de ratos roendo dedos das mãos e pés enquanto o paciente dormia pacificamente.
Depois de uma vida trabalhando com pacientes que sofrem de dor e aqueles que sofrem de dor, Dr. Brand gradualmente passou a ver a dor não como o inimigo universal visto no Ocidente, mas como um sistema biológico notável, elegante e sofisticado que nos adverte. de danos ao nosso corpo e, portanto, nos protege. Mas por que a experiência da dor deve ser tão desagradável? Ele concluiu que o muito desagradável da dor, a parte que odiamos, é o que o torna tão eficaz em nos proteger e nos alertar sobre perigos e ferimentos. A qualidade desagradável da dor força todo o organismo humano a resolver o problema. Embora o corpo tenha movimentos reflexivos automáticos que formam uma camada externa de proteção e nos afastam rapidamente da dor, é a sensação de desagrado que galvaniza e compele o organismo inteiro a participar e agir. Ele também deixa a experiência na memória e serve para nos proteger no futuro.
Da mesma forma que encontrar significado em nosso sofrimento pode nos ajudar a lidar com os problemas da vida, o Dr. Brand acha que a compreensão do propósito da dor física pode diminuir nosso sofrimento quando a dor surge. Em vista dessa teoria, ele oferece o conceito de “seguro contra dor”. Ele sente que podemos nos preparar para a dor com antecedência, enquanto estamos saudáveis, obtendo uma visão da razão pela qual a temos e tomando tempo para refletir sobre o que seria a vida. seja sem dor. Entretanto, como a dor aguda pode demolir a objetividade, devemos refletir sobre essas coisas antes que a dor aconteça. Mas se pudermos começar a pensar na dor como uma “fala que seu corpo está apresentando sobre um assunto que é de vital importância para você, da maneira mais eficaz de obter sua atenção”, então nossa atitude sobre a dor começará a mudar. E à medida que nossa atitude sobre a dor muda, nosso sofrimento diminuirá. Como declara o Dr. Brand: "Estou convencido de que a atitude que cultivamos com antecedência pode determinar como o sofrimento nos afetará quando ocorrer." Ele acredita que podemos até desenvolver gratidão diante da dor. Podemos não ser gratos pela experiência da dor, mas podemos ser gratos pelo sistema de percepção da dor.
Não há dúvida de que nossa atitude e perspectiva mental podem afetar fortemente o grau em que sofremos quando estamos sofrendo fisicamente. Digamos, por exemplo, que dois indivíduos, um trabalhador da construção civil e um pianista de concerto, sofram a mesma lesão no dedo. Embora a quantidade de dor física possa ser a mesma para ambos os indivíduos, o operário pode sofrer muito pouco e, de fato, regozijar-se se a lesão resultar em um mês de férias remuneradas que ele precisava, enquanto a mesma lesão poderia resultar em intenso sofrimento ao pianista que via o brincar como sua principal fonte de alegria na vida.
A ideia de que nossa atitude mental influencia nossa capacidade de perceber e suportar a dor não se limita a situações teóricas como essa; foi demonstrado por muitos estudos e experimentos científicos. Pesquisadores que examinam esta questão começaram por traçar os caminhos de como a dor é percebida e vivenciada. A dor começa com um sinal sensorial - um alarme que dispara quando as terminações nervosas são estimuladas por algo que é percebido como perigoso. Milhões de sinais são enviados através da medula espinhal até a base do cérebro. Esses sinais são então resolvidos e uma mensagem é enviada para áreas mais altas do cérebro, relatando a dor. O cérebro então ordena as mensagens pré-selecionadas e decide uma resposta. É nesse estágio que a mente pode atribuir valor e significado à dor e intensificar ou modificar nossa percepção da dor; nós convertemos a dor em sofrimento na mente. Para diminuir o sofrimento da dor, precisamos fazer uma distinção crucial entre a dor da dor e a dor que criamos por nossos pensamentos sobre a dor. Medo, raiva, culpa, solidão e desamparo são respostas mentais e emocionais que podem intensificar a dor. Assim, ao desenvolver uma abordagem para lidar com a dor, podemos trabalhar nos níveis mais baixos da percepção da dor, usando as ferramentas da medicina moderna, como medicamentos e outros procedimentos, mas também podemos trabalhar nos níveis mais altos, modificando nossa perspectiva. e atitude.
Muitos pesquisadores examinaram o papel da mente na percepção da dor. Pavlov chegou a treinar cães para superar o instinto de dor ao associar um choque elétrico a uma recompensa alimentar. O pesquisador Ronald Melzak levou os experimentos de Pavlov um passo adiante. Ele criou filhotes de terrier escoceses em um ambiente acolchoado no qual eles não encontrariam as pancadas normais e os arranhões do crescimento. Esses cães não conseguiram aprender respostas básicas à dor; eles não reagiram, por exemplo, quando suas patas foram espetadas com um alfinete, ao contrário de seus companheiros de ninhada que gritavam de dor quando picados. Com base em experimentos como esses, ele concluiu que muito do que chamamos de dor, incluindo a resposta emocional desagradável, foi aprendido, e não instintivo. Outros experimentos com seres humanos, envolvendo hipnose e placebos, também demonstraram que, em muitos casos, as funções cerebrais superiores podem anular os sinais de dor dos estágios inferiores da via da dor. Isso indica como a mente pode freqüentemente determinar como percebemos a dor e ajuda a explicar as descobertas interessantes de pesquisadores como o Dr. Richard Sternback e Bernard Tursky da Harvard Medical School (e mais tarde reafirmada em um estudo da Dra. Maryann Bates et al.) observaram que houve diferenças significativas entre os diferentes grupos étnicos em sua capacidade de perceber e suportar a dor.
Assim, parece que a afirmação de que nossa atitude a respeito da dor pode influenciar o grau em que sofremos não é simplesmente baseada em especulações filosóficas, mas é respaldada por evidências científicas. E se nossa investigação sobre o significado e o valor da dor resultar em uma mudança de atitude em relação à dor, nossos esforços não serão desperdiçados. Ao procurar descobrir um propósito subjacente de nossa dor, o Dr. Brand faz um aditivo observação fascinante e crítica. Ele descreve muitos relatos de pacientes de lepra alegando: “É claro que posso ver minhas mãos e meus pés, mas de alguma forma eles não se sentem parte de mim. Parece que são apenas ferramentas ”. Assim, a dor não apenas nos adverte e nos protege, mas nos unifica. Sem sensação de dor em nossas mãos ou pés, essas partes não parecem mais pertencer ao nosso corpo.
Da mesma forma que a dor física unifica nosso senso de ter um corpo, podemos conceber a experiência geral do sofrimento agindo como uma força unificadora que nos conecta com os outros. Talvez seja esse o significado final por trás do nosso sofrimento. É o nosso sofrimento que é o elemento mais básico que compartilhamos com os outros, o fator que nos unifica com todas as criaturas vivas.
Concluímos nossa discussão sobre o sofrimento humano com as instruções do Dalai Lama sobre a prática de Tong-Len, a que ele se referiu em nossa conversa anterior. Como ele explicará, o propósito desta meditação de visualização é fortalecer a compaixão de alguém. Mas também pode ser visto como uma ferramenta poderosa para ajudar a transmutar o sofrimento pessoal de alguém. Quando sofre qualquer forma de sofrimento ou sofrimento, pode-se usar essa prática para aumentar a compaixão, visualizando aliviar os outros que estão passando por sofrimento semelhante, absorvendo e dissolvendo seu sofrimento no seu próprio - um tipo de sofrimento por procuração.
O Dalai Lama apresentou essa instrução a uma grande audiência em uma tarde particularmente quente de setembro em Tucson. As unidades de ar condicionado do salão, lutando contra as altas temperaturas do deserto, foram finalmente superadas pelo calor adicional gerado por mil e seiscentos corpos. As temperaturas na sala começaram a subir, criando um nível geral de desconforto que era particularmente apropriado para a prática de uma meditação sobre o sofrimento.
“Para começar este exercício, primeiro visualize de um lado de você um grupo de pessoas que precisam desesperadamente de ajuda, aquelas que estão em um estado infeliz de sofrimento, aquelas que vivem sob condições de pobreza, privações e dor. Visualize esse grupo de pessoas de um lado de você claramente em sua mente. Então, do outro lado, visualize-se como a personificação de uma pessoa autocentrada, com uma atitude costumeira de egoísmo, indiferente ao bem-estar e às necessidades dos outros. E então entre esse grupo de pessoas que sofrem e essa representação egoísta de você se vê no meio, como um observador neutro.
“Em seguida, observe de que lado você está naturalmente inclinado. Você está mais inclinado a esse único indivíduo, a personificação do egoísmo? Ou seus sentimentos naturais de empatia alcançam o grupo de pessoas mais fracas que precisam? Se você olhar objetivamente, verá que o bem-estar de um grupo ou grande número de indivíduos é mais importante do que o de um único indivíduo.
“Depois disso, concentre sua atenção nas pessoas necessitadas e desesperadas. Direcione toda sua energia positiva para eles. Mentalmente, dê a eles seus sucessos, seus recursos, sua coleção de virtudes. E depois de ter feito isso, visualize-se assumindo o sofrimento, os problemas e todas as suas negatividades.
“Por exemplo, você pode visualizar uma criança inocente e faminta da Somália e sentir como você reagiria naturalmente a essa visão. Nesse caso, quando você experimenta um profundo sentimento de empatia pelo sofrimento daquele indivíduo, ele não se baseia em considerações como "Ele é meu parente" ou "Ela é minha amiga". Você nem conhece essa pessoa. Mas o fato de que a outra pessoa é um ser humano e você, você mesmo, é um ser humano, permite que sua capacidade natural de empatia surja e lhe permita alcançar. Assim, você pode visualizar algo assim e pensar: "Essa criança não tem capacidade própria para poder aliviar-se de seu estado atual de dificuldade ou sofrimento." Então, mentalmente, tome sobre si todo o sofrimento. da pobreza, da fome e do sentimento de privação, e mentalmente dão suas facilidades, riqueza e sucesso a essa criança. Assim, através da prática deste tipo de visualização "dar e receber", você pode treinar sua mente.
“Quando nos envolvemos nessa prática, às vezes é útil começar por imaginar seu próprio sofrimento futuro e, com uma atitude de compaixão, assumir seu próprio sofrimento futuro agora mesmo, com o desejo sincero de se libertar de todo sofrimento futuro. Depois de ganhar alguma prática em gerar um estado de espírito compassivo em relação a si mesmo, você pode então expandir o processo para incluir o sofrimento dos outros.
“Quando você faz a visualização de 'tomar conta de si', é útil visualizar esses sofrimentos, problemas e dificuldades na forma de substâncias venenosas, armas perigosas ou animais aterrorizantes - coisas cuja visão normalmente faz com que você estremeça. Portanto, visualize o sofrimento nessas formas e as absorva diretamente em seu coração.
“O propósito de visualizar essas formas negativas e assustadoras sendo dissolvidas em nossos corações é destruir nossas habituais atitudes egoístas que residem lá. No entanto, para aqueles indivíduos que podem ter problemas com a auto-imagem, auto-ódio, raiva em relação a si mesmos, ou baixa auto-estima, então é importante julgar por si mesmos se esta prática particular é apropriada ou não. Pode não ser.
Esta prática de Tong-Len pode tornar-se bastante poderosa se você combinar a ação e a recepção com a respiração; isto é, imagine "receber" ao inalar e "agir" ao exalar. Quando você faz essa visualização de forma eficaz, isso fará com que você sinta um leve desconforto. Essa é uma indicação de que está atingindo seu alvo - a atitude egoísta e egocêntrica que normalmente temos. Agora vamos meditar.
Na conclusão de suas instruções sobre Tong-Len, o Dalai Lama fez um ponto importante. Nenhum exercício específico irá apelar ou ser apropriado para todos. Em nossa jornada espiritual, é importante que cada um de nós decida se uma determinada prática é apropriada para nós. Às vezes, uma prática não nos atrai inicialmente e, antes que possa ser eficaz, precisamos entendê-la melhor. Este certamente foi o caso para mim quando eu segui as instruções do Dalai Lama sobre Tong-Len naquela tarde. Eu achei que tinha alguma dificuldade com isso - um certo sentimento de resistência - embora eu não pudesse colocar o dedo nisso no momento. Mais tarde naquela noite, no entanto, pensei sobre as instruções do Dalai Lama e percebi que meu sentimento de resistência se desenvolveu no início de sua instrução, no ponto em que ele concluiu que o grupo de indivíduos era mais importante do que o indivíduo individual. Era um conceito que eu ouvira antes, a saber, o axioma vulcano pregado por Spock em Star Trek: As necessidades de muitos superam as necessidades de um. Mas havia um ponto de discórdia nesse argumento. Antes de levar ao Dalai Lama, talvez não querendo parecer "apenas o número um", eu disse a um amigo que era um estudante de longa data do budismo.
"Uma coisa me incomoda ...", eu disse. “Dizer que as necessidades de um grande grupo de pessoas superam as de apenas uma pessoa faz sentido na teoria, mas na vida cotidiana não interagimos com as pessoas em massa. Nós interagimos com uma pessoa de cada vez, com uma série de indivíduos. Agora, nesse nível de um para um, por que as necessidades desse indivíduo superam as minhas? Eu também sou um único indivíduo ... Somos iguais ... ”
Meu amigo pensou por um momento. “Bem, isso é verdade. Mas eu acho que se você pudesse tentar considerar cada indivíduo como verdadeiramente igual a si mesmo - não mais importante, mas não menos -, acho que seria o suficiente para começar. ”
Eu nunca levantei a questão com o Dalai Lama.
“Você enfatiza a importância de evitar extremos”, insertei, “mas não vai aos extremos, o que proporciona a excitação e o entusiasmo da vida? Ao evitar todos os extremos da vida, sempre escolhendo o "caminho do meio", isso não leva apenas a uma existência suave e incolor?
Shakinghis cabeça não, ele respondeu: “Eu acho que você precisa entender a fonte ou base do comportamento extremo. Tomemos por exemplo a busca de bens materiais - abrigo, móveis, roupas e assim por diante. Por um lado, a pobreza pode ser vista como uma espécie de extremo e temos todo o direito de nos esforçar para superar isso e assegurar nosso conforto físico. Por outro lado, luxo demais, buscar riqueza excessiva é outro extremo. Nosso objetivo final em buscar mais riqueza é um sentimento de satisfação, de felicidade. Mas a própria base de buscar mais é um sentimento de não ter o suficiente, um sentimento de descontentamento. Esse sentimento de descontentamento, de querer mais e mais e mais, não se origina da desejabilidade inerente dos objetos que estamos buscando, mas sim do nosso próprio estado mental.
“Então, acho que nossa tendência a ir ao extremo é muitas vezes alimentada por um sentimento subjacente de descontentamento. E, claro, pode haver outros fatores que levam a extremos. Mas acho importante reconhecer que, embora extremos possam parecer atraentes ou "excitantes" superficialmente, na verdade podem ser prejudiciais. Há muitos exemplos dos perigos de ir a extremos, de comportamento extremo. Acho que ao examinar essas situações, você poderá ver que a conseqüência de ir a extremos é que você mesmo acabará sofrendo. Por exemplo, em escala planetária, se nos engajamos em pesca excessiva, sem a devida consideração pelas conseqüências a longo prazo, sem um senso de responsabilidade, isso resulta em esgotamento da população de peixes ... Ou comportamento sexual. É claro que há o impulso sexual biológico para a reprodução e assim por diante, e a satisfação que se obtém da atividade sexual. Mas se o comportamento sexual se torna extremo, sem a devida responsabilidade, isso leva a muitos problemas, abusos ... como abuso sexual e incesto. ”
"Você mencionou que, além de um sentimento de descontentamento, pode haver outros fatores que levam a extremos ..."
"Sim, certamente." Ele assentiu.
"Você pode dar um exemplo?"
"Acho que a mentalidade estreita pode ser outro fator que leva a extremos".
“Mentalidade limitada no sentido de ...?”
“O exemplo da pesca excessiva que leva ao esgotamento da população de peixes seria um exemplo de pensamento limitado, no sentido de que se está olhando apenas a curto prazo e ignorando o quadro mais amplo. Aqui, pode-se usar a educação e o conhecimento para ampliar a perspectiva de uma pessoa e tornar-se menos estreita no ponto de vista da pessoa. ”
O Dalai Lama pegou seu rosário de uma mesa lateral, esfregando-o entre as mãos enquanto pensava silenciosamente sobre o assunto em discussão. Olhando de relance para o rosário, ele subitamente continuou: - De muitas maneiras, penso que atitudes tacanhas levam a um pensamento extremo. E isso cria problemas. Por exemplo, o Tibete foi uma nação budista por muitos séculos. Naturalmente, isso resultou em tibetanos sentindo que o budismo era a melhor religião e uma tendência a sentir que seria bom se toda a humanidade se tornasse budista. A ideia de que todos deveriam ser budistas é bastante extrema. E esse tipo de pensamento extremo só causa problemas. Mas agora que saímos do Tibete, tivemos a chance de entrar em contato com outras tradições religiosas e aprender sobre elas. Isso resultou em aproximar-se da realidade - realçando que entre a humanidade existem tantas disposições mentais diferentes. Mesmo se tentássemos tornar todo o mundo budista, seria impraticável. Através de um contato mais próximo com outras tradições, você percebe as coisas positivas sobre elas. Agora, quando confrontado com outra religião, inicialmente um sentimento positivo, um sentimento confortável, surgirá. Sentiremos que essa pessoa encontra uma tradição diferente, mais adequada, mais eficaz, e isso é bom! Então é como ir a um restaurante - todos nós podemos nos sentar em uma mesa e pedir pratos diferentes de acordo com o gosto de cada um. Podemos comer pratos diferentes, mas ninguém discute sobre isso!
“Então, acho que ao ampliarmos deliberadamente nossa perspectiva, podemos frequentemente superar o tipo de pensamento extremo que leva a tais conseqüências negativas.”
Com esse pensamento, o Dalai Lama escorregou seu rosário ao redor de seu pulso, deu um tapinha amável na minha mão e levantou-se para terminar a discussão.
ENCONTRANDO SIGNIFICADO EM DOR E SOFRIMENTO
020
Victor Frankl, um psiquiatra judeu preso pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, disse uma vez: "O homem está pronto e disposto a suportar qualquer sofrimento tão logo e enquanto ele pode ver um significado nele." Frankl usou sua experiência brutal e desumana. nos campos de concentração para entender como as pessoas sobreviveram às atrocidades. Observando de perto quem sobreviveu e quem não o fez, ele determinou que a sobrevivência não se baseava na juventude ou na força física, mas sim na força derivada do propósito e na descoberta de significado em sua vida e experiência.
Encontrar significado no sofrimento é um método poderoso de nos ajudar a lidar mesmo nos momentos mais difíceis de nossas vidas. Mas encontrar significado em nosso sofrimento não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, o sofrimento parece ocorrer de forma aleatória, insensata e indiscriminada, sem nenhum significado, muito menos um significado proposital ou positivo. E enquanto estamos no meio da nossa dor e sofrimento, toda a nossa energia está focada em fugir dela. Durante períodos de crise aguda e tragédia, parece impossível refletir sobre qualquer significado possível por trás de nosso sofrimento. Nesses momentos, muitas vezes há pouco que podemos fazer, mas resistir. E é natural ver nosso sofrimento como sem sentido e injusto, e pensar: “Por que eu?” Felizmente, porém, em tempos de relativa facilidade, períodos antes ou depois de experiências agudas de sofrimento, podemos refletir sobre o sofrimento, buscando desenvolver um entendimento. do seu significado. E o tempo e o esforço que gastamos buscando significado no sofrimento trarão grandes recompensas quando as coisas ruins começarem a acontecer. Mas, para colher essas recompensas, devemos começar nossa busca de sentido quando as coisas estão indo bem. Uma árvore com raízes fortes pode suportar a tempestade mais violenta, mas a árvore não pode criar raízes assim como a tempestade aparece no horizonte.
Então, por onde começamos em nossa busca por significado no sofrimento? Para muitas pessoas, a busca começa com sua tradição religiosa. Embora as diferentes religiões possam ter formas diferentes de entender o significado e o propósito do sofrimento humano, toda religião mundial oferece estratégias para responder ao sofrimento com base em suas crenças subjacentes. Nos modelos budistas e hindus, por exemplo, o sofrimento é resultado de nossas próprias ações negativas do passado e é visto como um catalisador para a busca da libertação espiritual.
Na tradição judaico-cristã, o universo foi criado por um Deus bom e justo, e mesmo que o seu plano mestre possa ser misterioso e indecifrável às vezes, nossa fé e confiança em Seu plano nos permitem tolerar nosso sofrimento mais facilmente, confiando, como o Talmud diz, “Tudo o que Deus faz, Ele faz o melhor”. A vida ainda pode ser dolorosa, mas como a dor que uma mulher experimenta no parto, confiamos que a dor será superada pelo bem supremo que ela produz. O desafio dessas tradições reside no fato de que, diferentemente do parto, o bem final muitas vezes não é revelado a nós. Ainda assim, aqueles com uma forte fé em Deus são sustentados por uma crença no propósito final de Deus para nosso sofrimento, como um sábio Hassídico aconselha: “Quando um homem sofre, ele não deve dizer: 'Isso é ruim! Isso é ruim! 'Nada que Deus impõe ao homem é ruim. Mas tudo bem dizer: "Isso é amargo! Isso é amargo! ”Entre os remédios, há alguns que são feitos com ervas amargas.” Assim, da perspectiva judaico-cristã, o sofrimento pode servir a muitos propósitos: pode testar e potencialmente fortalecer nossa fé, pode nos aproximar de Deus em um caminho muito fundamental e íntimo, ou pode afrouxar os laços com o mundo material e nos fazer apegar a Deus como nosso refúgio.
Embora a tradição religiosa de uma pessoa possa oferecer uma ajuda valiosa para encontrar significado, mesmo aqueles que não subscrevem uma cosmovisão religiosa podem, após cuidadosa reflexão, encontrar significado e valor por trás de seu sofrimento. Apesar do desagrado universal, há pouca dúvida de que nosso sofrimento pode testar, fortalecer e aprofundar a experiência da vida. O Dr. Martin Luther King Jr. disse certa vez: “O que não me destrói, me fortalece”. E, embora seja natural recuar do sofrimento, o sofrimento também pode nos desafiar e, às vezes, até mesmo trazer o melhor de nós. Em O Terceiro Homem, o autor Graham Green observa: “Na Itália, durante trinta anos sob os Bórgia, eles tiveram guerra, terror, assassinato e derramamento de sangue - mas eles produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça, eles têm amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz, e o que produziram? O relógio cuco.
Enquanto às vezes o sofrimento pode nos fortalecer, nos fortalecer, outras vezes pode ter valor funcionando de maneira oposta - para nos suavizar, para nos tornar mais sensíveis e gentis. A vulnerabilidade que experimentamos em meio ao nosso sofrimento pode nos abrir e aprofundar nossa conexão com os outros. O poeta William Wordsworth afirmou certa vez: "Um profundo sofrimento humanizou minha alma". Ao ilustrar esse efeito humanizador do sofrimento, um conhecido, Robert, vem à mente. Robert foi o CEO de uma corporação de muito sucesso. Vários anos atrás, ele sofreu um grave revés financeiro que desencadeou uma grave depressão imobilizadora. Nós nos encontramos um dia durante as profundezas de sua depressão. Eu sempre soube que Robert era o modelo de confiança e entusiasmo, e fiquei alarmado ao vê-lo com um ar tão desanimado. Com intensa angústia em sua voz, Robert relatou: “Este é o pior que já senti em minha vida. Eu simplesmente não consigo me mexer. Eu não sabia que era até mesmo possível me sentir tão sobrecarregado, sem esperança e fora de controle. ”Depois de discutir suas dificuldades por um tempo, encaminhei-o a um colega para o tratamento de sua depressão.
Várias semanas depois, encontrei a esposa de Robert, Karen, e perguntei como estava indo. “Ele está muito melhor graças. O psiquiatra que você recomendou prescreveu uma medicação antidepressiva que está ajudando muito. É claro que ainda vai demorar um pouco para que possamos resolver os problemas com os negócios, mas ele está se sentindo muito melhor agora e vamos ficar bem ... ”
"Estou muito feliz em ouvir isso."
Karen hesitou por um momento, depois confidenciou: - Sabe, odiei vê-lo passar por essa depressão. Mas de certa forma, acho que foi uma bênção. Uma noite, durante um ataque de depressão, ele começou a chorar incontrolavelmente. Ele não conseguia parar. Eu acabei apenas segurando ele em meus braços por horas enquanto ele chorava, até que ele finalmente adormeceu. Em vinte e três anos de casamento, essa é a primeira vez que algo assim aconteceu ... e para ser honesto, nunca me senti tão perto dele na minha vida. E mesmo que sua depressão seja melhor agora, as coisas são diferentes de alguma forma. Algo parecia se abrir ... e esse sentimento de proximidade ainda está lá. O fato de que ele compartilhou seu problema e nós passamos por isso juntos de alguma forma mudou nosso relacionamento, nos fez muito mais próximos ”.
Ao procurar maneiras pelas quais o sofrimento pessoal pode adquirir significado, voltamos novamente ao Dalai Lama, que ilustrou como o sofrimento pode ser colocado em prática no contexto do caminho budista.
“Na prática budista, você pode usar seu sofrimento pessoal de uma maneira formal para aumentar sua compaixão - usando-o como uma oportunidade para a prática de Tong-Len. Esta é uma prática de visualização Mahayana na qual se visualiza mentalmente a tomada da dor e do sofrimento do outro e, por sua vez, dá a eles todos os seus recursos, boa saúde, fortuna e assim por diante. Eu darei instruções sobre esta prática em maior detalhe mais tarde. Assim, ao praticar esta prática, quando você sofre de doença, dor ou sofrimento, você pode usar isso como uma oportunidade pensando: "Que meu sofrimento seja um substituto para o sofrimento de todos os outros seres sencientes. Experimentando isso, posso ser capaz de salvar todos os outros seres sencientes que podem ter que passar por sofrimentos semelhantes. ”Então você usa o seu sofrimento como uma oportunidade para a prática de levar o sofrimento dos outros sobre si mesmo.
“Aqui, eu deveria apontar uma coisa. Se, por exemplo, você fica doente e pratica essa técnica, pensando: "Que minha doença aja como substituta de outras pessoas que sofrem de doenças semelhantes", e você visualiza a doença, o sofrimento e a saúde, Não estou sugerindo que você ignore sua própria saúde. Ao lidar com doenças, antes de tudo, é importante tomar medidas preventivas para que você não sofra dessas doenças, como tomar todas as medidas de precaução, como adotar a dieta correta ou o que for. E quando você fica doente, é importante não ignorar a necessidade de tomar os medicamentos apropriados e todos os outros métodos convencionais.
“Contudo, uma vez que você adoeça, práticas como Tong-Len podem fazer uma diferença significativa em como você responde à situação da doença em termos de sua atitude mental. Em vez de reclamar da sua situação, sentir pena de si mesmo e sentir-se oprimido pela ansiedade e preocupação, você pode, de fato, salvar-se de outras dores e sofrimentos mentais ao adotar a atitude correta. Praticar a meditação de Tong-Len, ou "dar e receber", pode não necessariamente ter sucesso em aliviar a dor física real ou levar a uma cura em termos físicos, mas o que ela pode fazer é protegê-la de sofrimento psicológico, sofrimento e angústia adicionais desnecessários . Você pode pensar: 'Eu, experimentando essa dor e esse sofrimento, poderei ajudar outras pessoas e salvar outras pessoas que tenham que passar pela mesma experiência'. Então, seu sofrimento assume um novo significado, pois é usado como base para o sofrimento. uma prática religiosa ou espiritual. E, além disso, também é possível, nos casos de alguns indivíduos praticando essa técnica, que em vez de se arrependerem e se entristecerem com a experiência, a pessoa possa vê-la como uma espécie de privilégio. A pessoa pode percebê-lo como uma espécie de oportunidade e, de fato, ser feliz porque essa experiência particular o tornou mais rico ”.
“Você menciona que o sofrimento pode ser usado na prática de Tong-Len. E antes você discutiu o fato de que a contemplação intencional de nossa natureza sofrida antecipadamente pode ser útil para evitar que nos tornemos sobrecarregados quando surgem situações difíceis ... no sentido de desenvolver uma maior aceitação do sofrimento como parte natural da vida ... "
"Isso é muito verdade ...", o Dalai Lama assentiu.
“Existem outras maneiras pelas quais o nosso sofrimento pode ser visto como tendo algum significado, ou pelo menos a contemplação do nosso sofrimento como tendo algum valor prático?”
"Sim", ele respondeu, "definitivamente. Acho que antes mencionamos que dentro da estrutura do caminho budista, refletir sobre o sofrimento tem uma tremenda importância porque, ao perceber a natureza do sofrimento, você desenvolverá maior determinação para pôr fim às causas do sofrimento e aos atos prejudiciais que levam ao sofrimento. . E isso aumentará seu entusiasmo por se engajar nas ações e ações saudáveis que levam à felicidade e à alegria ”.
"E você vê algum benefício de refletir sobre o sofrimento dos não-budistas?"
“Sim, acho que pode ter algum valor prático em algumas situações. Por exemplo, refletir sobre o seu sofrimento pode reduzir sua arrogância, seu sentimento de vaidade. É claro, ”ele riu com entusiasmo,“ isso pode não ser visto como um benefício prático ou uma razão convincente para alguém que não considera a arrogância ou o orgulho uma falha ”.
Tornando-se mais sério, o Dalai Lama acrescentou: “Mas, de qualquer maneira, acho que há um aspecto em nossa experiência de sofrimento que é de vital importância. Quando você está ciente de sua dor e sofrimento, isso ajuda você a desenvolver sua capacidade de empatia, a capacidade que permite que você se relacione com os sentimentos e sofrimentos de outras pessoas. Isso aumenta sua capacidade de compaixão para com os outros. Então, como uma ajuda para nos ajudar a nos conectar com os outros, pode ser visto como tendo valor.
“Então,” concluiu o Dalai Lama, “olhando para o sofrimento dessas maneiras, nossa atitude pode começar a mudar; nosso sofrimento pode não ser tão inútil e ruim quanto pensamos ”.
Lidando com a dor física
Refletindo sobre o sofrimento durante os momentos mais calmos de nossas vidas, quando as coisas estão relativamente estáveis e indo bem, muitas vezes podemos descobrir um valor e um significado mais profundos em nosso sofrimento. Às vezes, porém, podemos ser confrontados com tipos de sofrimento que parecem não ter propósito, sem qualidades redentoras. A dor física e o sofrimento parecem pertencer a essa categoria. Mas existe uma diferença entre a dor física, que é um processo fisiológico, e o sofrimento, que é nossa resposta mental e emocional à dor. Assim, surgem as perguntas: pode encontrar um propósito subjacente e significado por trás de nossa dor modificar nossa atitude sobre isso? E uma mudança de atitude pode diminuir o grau em que sofremos quando estamos fisicamente feridos?
Em seu livro Pain: o dom que ninguém quer, o Dr. Paul Brand explora o propósito e o valor da dor física. Dr. Brand, um renomado cirurgião de mão e especialista em hanseníase, passou seus primeiros anos na Índia, onde, como filho dos missionários, estava cercado por pessoas que viviam em condições de extrema dificuldade e sofrimento. Notando que a dor física parecia ser esperada e tolerada muito mais do que no Ocidente, o Dr. Brand ficou interessado no sistema de dor no corpo humano. Eventualmente, ele começou a trabalhar com pacientes de lepra na Índia e fez uma descoberta notável. Ele descobriu que a devastação causada pela lepra e as horríveis desfigurações não se deviam ao organismo causador do apodrecimento da carne, mas sim porque a doença causava a perda da sensação de dor nos membros. Sem a proteção da dor, os pacientes com hanseníase não tinham o sistema para avisá-los de danos nos tecidos. Assim, o Dr. Brand observou pacientes caminhando ou correndo em membros com pele quebrada ou até ossos expostos; isso causou deterioração contínua. Sem dor, às vezes eles colocariam as mãos no fogo para recuperar alguma coisa. Ele notou uma total indiferença pela autodestruição. Em seu livro, o Dr. Brand relatou história após história dos efeitos devastadores da vida sem sensação de dor - dos ferimentos repetitivos, de casos de ratos roendo dedos das mãos e pés enquanto o paciente dormia pacificamente.
Depois de uma vida trabalhando com pacientes que sofrem de dor e aqueles que sofrem de dor, Dr. Brand gradualmente passou a ver a dor não como o inimigo universal visto no Ocidente, mas como um sistema biológico notável, elegante e sofisticado que nos adverte. de danos ao nosso corpo e, portanto, nos protege. Mas por que a experiência da dor deve ser tão desagradável? Ele concluiu que o muito desagradável da dor, a parte que odiamos, é o que o torna tão eficaz em nos proteger e nos alertar sobre perigos e ferimentos. A qualidade desagradável da dor força todo o organismo humano a resolver o problema. Embora o corpo tenha movimentos reflexivos automáticos que formam uma camada externa de proteção e nos afastam rapidamente da dor, é a sensação de desagrado que galvaniza e compele o organismo inteiro a participar e agir. Ele também deixa a experiência na memória e serve para nos proteger no futuro.
Da mesma forma que encontrar significado em nosso sofrimento pode nos ajudar a lidar com os problemas da vida, o Dr. Brand acha que a compreensão do propósito da dor física pode diminuir nosso sofrimento quando a dor surge. Em vista dessa teoria, ele oferece o conceito de “seguro contra dor”. Ele sente que podemos nos preparar para a dor com antecedência, enquanto estamos saudáveis, obtendo uma visão da razão pela qual a temos e tomando tempo para refletir sobre o que seria a vida. seja sem dor. Entretanto, como a dor aguda pode demolir a objetividade, devemos refletir sobre essas coisas antes que a dor aconteça. Mas se pudermos começar a pensar na dor como uma “fala que seu corpo está apresentando sobre um assunto que é de vital importância para você, da maneira mais eficaz de obter sua atenção”, então nossa atitude sobre a dor começará a mudar. E à medida que nossa atitude sobre a dor muda, nosso sofrimento diminuirá. Como declara o Dr. Brand: "Estou convencido de que a atitude que cultivamos com antecedência pode determinar como o sofrimento nos afetará quando ocorrer." Ele acredita que podemos até desenvolver gratidão diante da dor. Podemos não ser gratos pela experiência da dor, mas podemos ser gratos pelo sistema de percepção da dor.
Não há dúvida de que nossa atitude e perspectiva mental podem afetar fortemente o grau em que sofremos quando estamos sofrendo fisicamente. Digamos, por exemplo, que dois indivíduos, um trabalhador da construção civil e um pianista de concerto, sofram a mesma lesão no dedo. Embora a quantidade de dor física possa ser a mesma para ambos os indivíduos, o operário pode sofrer muito pouco e, de fato, regozijar-se se a lesão resultar em um mês de férias remuneradas que ele precisava, enquanto a mesma lesão poderia resultar em intenso sofrimento ao pianista que via o brincar como sua principal fonte de alegria na vida.
A ideia de que nossa atitude mental influencia nossa capacidade de perceber e suportar a dor não se limita a situações teóricas como essa; foi demonstrado por muitos estudos e experimentos científicos. Pesquisadores que examinam esta questão começaram por traçar os caminhos de como a dor é percebida e vivenciada. A dor começa com um sinal sensorial - um alarme que dispara quando as terminações nervosas são estimuladas por algo que é percebido como perigoso. Milhões de sinais são enviados através da medula espinhal até a base do cérebro. Esses sinais são então resolvidos e uma mensagem é enviada para áreas mais altas do cérebro, relatando a dor. O cérebro então ordena as mensagens pré-selecionadas e decide uma resposta. É nesse estágio que a mente pode atribuir valor e significado à dor e intensificar ou modificar nossa percepção da dor; nós convertemos a dor em sofrimento na mente. Para diminuir o sofrimento da dor, precisamos fazer uma distinção crucial entre a dor da dor e a dor que criamos por nossos pensamentos sobre a dor. Medo, raiva, culpa, solidão e desamparo são respostas mentais e emocionais que podem intensificar a dor. Assim, ao desenvolver uma abordagem para lidar com a dor, podemos trabalhar nos níveis mais baixos da percepção da dor, usando as ferramentas da medicina moderna, como medicamentos e outros procedimentos, mas também podemos trabalhar nos níveis mais altos, modificando nossa perspectiva. e atitude.
Muitos pesquisadores examinaram o papel da mente na percepção da dor. Pavlov chegou a treinar cães para superar o instinto de dor ao associar um choque elétrico a uma recompensa alimentar. O pesquisador Ronald Melzak levou os experimentos de Pavlov um passo adiante. Ele criou filhotes de terrier escoceses em um ambiente acolchoado no qual eles não encontrariam as pancadas normais e os arranhões do crescimento. Esses cães não conseguiram aprender respostas básicas à dor; eles não reagiram, por exemplo, quando suas patas foram espetadas com um alfinete, ao contrário de seus companheiros de ninhada que gritavam de dor quando picados. Com base em experimentos como esses, ele concluiu que muito do que chamamos de dor, incluindo a resposta emocional desagradável, foi aprendido, e não instintivo. Outros experimentos com seres humanos, envolvendo hipnose e placebos, também demonstraram que, em muitos casos, as funções cerebrais superiores podem anular os sinais de dor dos estágios inferiores da via da dor. Isso indica como a mente pode freqüentemente determinar como percebemos a dor e ajuda a explicar as descobertas interessantes de pesquisadores como o Dr. Richard Sternback e Bernard Tursky da Harvard Medical School (e mais tarde reafirmada em um estudo da Dra. Maryann Bates et al.) observaram que houve diferenças significativas entre os diferentes grupos étnicos em sua capacidade de perceber e suportar a dor.
Assim, parece que a afirmação de que nossa atitude a respeito da dor pode influenciar o grau em que sofremos não é simplesmente baseada em especulações filosóficas, mas é respaldada por evidências científicas. E se nossa investigação sobre o significado e o valor da dor resultar em uma mudança de atitude em relação à dor, nossos esforços não serão desperdiçados. Ao procurar descobrir um propósito subjacente de nossa dor, o Dr. Brand faz um aditivo observação fascinante e crítica. Ele descreve muitos relatos de pacientes de lepra alegando: “É claro que posso ver minhas mãos e meus pés, mas de alguma forma eles não se sentem parte de mim. Parece que são apenas ferramentas ”. Assim, a dor não apenas nos adverte e nos protege, mas nos unifica. Sem sensação de dor em nossas mãos ou pés, essas partes não parecem mais pertencer ao nosso corpo.
Da mesma forma que a dor física unifica nosso senso de ter um corpo, podemos conceber a experiência geral do sofrimento agindo como uma força unificadora que nos conecta com os outros. Talvez seja esse o significado final por trás do nosso sofrimento. É o nosso sofrimento que é o elemento mais básico que compartilhamos com os outros, o fator que nos unifica com todas as criaturas vivas.
Concluímos nossa discussão sobre o sofrimento humano com as instruções do Dalai Lama sobre a prática de Tong-Len, a que ele se referiu em nossa conversa anterior. Como ele explicará, o propósito desta meditação de visualização é fortalecer a compaixão de alguém. Mas também pode ser visto como uma ferramenta poderosa para ajudar a transmutar o sofrimento pessoal de alguém. Quando sofre qualquer forma de sofrimento ou sofrimento, pode-se usar essa prática para aumentar a compaixão, visualizando aliviar os outros que estão passando por sofrimento semelhante, absorvendo e dissolvendo seu sofrimento no seu próprio - um tipo de sofrimento por procuração.
O Dalai Lama apresentou essa instrução a uma grande audiência em uma tarde particularmente quente de setembro em Tucson. As unidades de ar condicionado do salão, lutando contra as altas temperaturas do deserto, foram finalmente superadas pelo calor adicional gerado por mil e seiscentos corpos. As temperaturas na sala começaram a subir, criando um nível geral de desconforto que era particularmente apropriado para a prática de uma meditação sobre o sofrimento.
A prática de Tong-Len
“Esta tarde, vamos meditar sobre a prática de Tong-Len, 'Dar e Receber'. Essa prática é destinada a ajudar a treinar a mente, a fortalecer o poder natural e a força da compaixão. Isso é alcançado porque a meditação Tong-Len ajuda a neutralizar nosso egoísmo. Aumenta o poder e a força de nossa mente ao aumentar nossa coragem de nos abrirmos ao sofrimento dos outros.“Para começar este exercício, primeiro visualize de um lado de você um grupo de pessoas que precisam desesperadamente de ajuda, aquelas que estão em um estado infeliz de sofrimento, aquelas que vivem sob condições de pobreza, privações e dor. Visualize esse grupo de pessoas de um lado de você claramente em sua mente. Então, do outro lado, visualize-se como a personificação de uma pessoa autocentrada, com uma atitude costumeira de egoísmo, indiferente ao bem-estar e às necessidades dos outros. E então entre esse grupo de pessoas que sofrem e essa representação egoísta de você se vê no meio, como um observador neutro.
“Em seguida, observe de que lado você está naturalmente inclinado. Você está mais inclinado a esse único indivíduo, a personificação do egoísmo? Ou seus sentimentos naturais de empatia alcançam o grupo de pessoas mais fracas que precisam? Se você olhar objetivamente, verá que o bem-estar de um grupo ou grande número de indivíduos é mais importante do que o de um único indivíduo.
“Depois disso, concentre sua atenção nas pessoas necessitadas e desesperadas. Direcione toda sua energia positiva para eles. Mentalmente, dê a eles seus sucessos, seus recursos, sua coleção de virtudes. E depois de ter feito isso, visualize-se assumindo o sofrimento, os problemas e todas as suas negatividades.
“Por exemplo, você pode visualizar uma criança inocente e faminta da Somália e sentir como você reagiria naturalmente a essa visão. Nesse caso, quando você experimenta um profundo sentimento de empatia pelo sofrimento daquele indivíduo, ele não se baseia em considerações como "Ele é meu parente" ou "Ela é minha amiga". Você nem conhece essa pessoa. Mas o fato de que a outra pessoa é um ser humano e você, você mesmo, é um ser humano, permite que sua capacidade natural de empatia surja e lhe permita alcançar. Assim, você pode visualizar algo assim e pensar: "Essa criança não tem capacidade própria para poder aliviar-se de seu estado atual de dificuldade ou sofrimento." Então, mentalmente, tome sobre si todo o sofrimento. da pobreza, da fome e do sentimento de privação, e mentalmente dão suas facilidades, riqueza e sucesso a essa criança. Assim, através da prática deste tipo de visualização "dar e receber", você pode treinar sua mente.
“Quando nos envolvemos nessa prática, às vezes é útil começar por imaginar seu próprio sofrimento futuro e, com uma atitude de compaixão, assumir seu próprio sofrimento futuro agora mesmo, com o desejo sincero de se libertar de todo sofrimento futuro. Depois de ganhar alguma prática em gerar um estado de espírito compassivo em relação a si mesmo, você pode então expandir o processo para incluir o sofrimento dos outros.
“Quando você faz a visualização de 'tomar conta de si', é útil visualizar esses sofrimentos, problemas e dificuldades na forma de substâncias venenosas, armas perigosas ou animais aterrorizantes - coisas cuja visão normalmente faz com que você estremeça. Portanto, visualize o sofrimento nessas formas e as absorva diretamente em seu coração.
“O propósito de visualizar essas formas negativas e assustadoras sendo dissolvidas em nossos corações é destruir nossas habituais atitudes egoístas que residem lá. No entanto, para aqueles indivíduos que podem ter problemas com a auto-imagem, auto-ódio, raiva em relação a si mesmos, ou baixa auto-estima, então é importante julgar por si mesmos se esta prática particular é apropriada ou não. Pode não ser.
Esta prática de Tong-Len pode tornar-se bastante poderosa se você combinar a ação e a recepção com a respiração; isto é, imagine "receber" ao inalar e "agir" ao exalar. Quando você faz essa visualização de forma eficaz, isso fará com que você sinta um leve desconforto. Essa é uma indicação de que está atingindo seu alvo - a atitude egoísta e egocêntrica que normalmente temos. Agora vamos meditar.
Na conclusão de suas instruções sobre Tong-Len, o Dalai Lama fez um ponto importante. Nenhum exercício específico irá apelar ou ser apropriado para todos. Em nossa jornada espiritual, é importante que cada um de nós decida se uma determinada prática é apropriada para nós. Às vezes, uma prática não nos atrai inicialmente e, antes que possa ser eficaz, precisamos entendê-la melhor. Este certamente foi o caso para mim quando eu segui as instruções do Dalai Lama sobre Tong-Len naquela tarde. Eu achei que tinha alguma dificuldade com isso - um certo sentimento de resistência - embora eu não pudesse colocar o dedo nisso no momento. Mais tarde naquela noite, no entanto, pensei sobre as instruções do Dalai Lama e percebi que meu sentimento de resistência se desenvolveu no início de sua instrução, no ponto em que ele concluiu que o grupo de indivíduos era mais importante do que o indivíduo individual. Era um conceito que eu ouvira antes, a saber, o axioma vulcano pregado por Spock em Star Trek: As necessidades de muitos superam as necessidades de um. Mas havia um ponto de discórdia nesse argumento. Antes de levar ao Dalai Lama, talvez não querendo parecer "apenas o número um", eu disse a um amigo que era um estudante de longa data do budismo.
"Uma coisa me incomoda ...", eu disse. “Dizer que as necessidades de um grande grupo de pessoas superam as de apenas uma pessoa faz sentido na teoria, mas na vida cotidiana não interagimos com as pessoas em massa. Nós interagimos com uma pessoa de cada vez, com uma série de indivíduos. Agora, nesse nível de um para um, por que as necessidades desse indivíduo superam as minhas? Eu também sou um único indivíduo ... Somos iguais ... ”
Meu amigo pensou por um momento. “Bem, isso é verdade. Mas eu acho que se você pudesse tentar considerar cada indivíduo como verdadeiramente igual a si mesmo - não mais importante, mas não menos -, acho que seria o suficiente para começar. ”
Eu nunca levantei a questão com o Dalai Lama.
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