Acalmar os ânimos
“O sábio que está completamente satisfeito
Repousa em paz em todos os sentidos;
Nenhum desejo se prende a ele,
Cujo ardor foi resfriado, desprovido de combustível.
Todos os vínculos foram rompidos,
O coração foi conduzido para longe da dor;
Tranquilo, ele repousa com calma absoluta.
A mente encontra o caminho da paz.”
Buda (Cullavagga 6:4.4)
Como já vimos, o sistema nervoso simpático (SNS) e os hormônios ligados ao estresse “se inflamam” para ajudá-lo a ir atrás de oportunidades e a se proteger de ameaças. É certo que há sempre lugar para arrebatamentos saudáveis e para fortes resistências contra coisas prejudiciais, porém, estamos sobressaltados durante a maior parte do tempo – correndo atrás de algo ou lutando contra algum obstáculo. E é por isso que, nos sentimos coagidos, aturdidos, estressados, irritados, ansiosos ou deprimidos. Nem um pouco felizes, definitivamente. Temos de sossegar o espírito. Este capítulo abordará diversas maneiras para conseguir isso.
Se o seu corpo tivesse um departamento de incêndio, seria o sistema nervoso parassimpático (SNP). Portanto, é por ele que vamos começar.
COMO ATIVAR O SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO
O corpo tem inúmeros sistemas principais, como o endócrino (hormonal), o cardiovascular, o imunológico, o gastrintestinal e o nervoso. Para usar a ligação mente-corpo e baixar o estresse, acalmar os ânimos e conquistar saúde a longo prazo, qual é o ponto de entrada ideal em todos esses sistemas? É o sistema nervoso autônomo (SNA).
Isso porque o SNA – que é parte do sistema nervoso – se mistura com todos os outros sistemas e ajuda a regulá-los. E a atividade mental tem mais influência direta sobre o SNA do que qualquer outro sistema corporal. Quando você estimula o setor parassimpático do SNA, ondas calmantes, tranquilizantes e curadoras se propagam por seu corpo, cérebro e mente.
Vamos, então, explorar diversas formas de ativar o SNP.
Relaxamento
O relaxamento ativa os circuitos do SNP e, assim, o fortalece. Relaxar também acalma o sistema nervoso simpático “de luta ou fuga”, pois os músculos relaxados enviam respostas aos centros de alarme no cérebro dizendo que está tudo bem. Quando se está bem relaxado, é difícil sentirse estressado ou aborrecido (Benson 2000). Na verdade, o relaxamento pode até alterar o modo como seus genes são expressos e, consequentemente, reduzir os danos celulares do estresse crônico (Dusek et al. 2008).
É possível tirar proveito do relaxamento não apenas iniciando-o em situações estressantes específicas, mas também treinando o corpo “desconectado” para relaxar automaticamente; as técnicas a seguir podem ser usadas de ambos os jeitos. Aqui estão quatro delas:
- Relaxe a língua, os olhos e os músculos do maxilar.
- Sinta a tensão se esvair de seu corpo e desaparecer.
- Coloque as mãos sob água corrente morna.
- Examine seu corpo em busca de regiões que estejam tensas e relaxe-as.
RESPIRAÇÃO PELO DIAFRAGMA
Esta técnica leva um ou dois minutos. O diafragma é um músculo situado abaixo dos pulmões e que ajuda na respiração. Exercitá-lo ativamente é muito bom para reduzir a ansiedade.
Coloque a mão na altura do estômago, alguns centímetros abaixo do “A” formado pelo centro da caixa torácica. Olhe para baixo e respire normalmente, observando sua mão. Ela provavelmente se moverá um pouquinho, para cima e para baixo.
Mantendo a mão no mesmo lugar, respire de modo que ela seja movimentada para fora e para dentro, perpendicularmente ao peito. Experimente respirar com vigor, de modo que sua mão vá um centímetro ou mais para dentro e para fora a cada respiração.
Isso requer prática, então persista até conseguir. Depois, respire pelo diafragma sem usar a mão – assim, poderá usar esse método até em lugares públicos, se quiser.
RELAXAMENTO PROGRESSIVO
Quando dispuser de três a dez minutos, experimente o relaxamento progressivo, concentrando-se sistematicamente em diferentes partes do corpo, dos pés à cabeça ou vice-versa. Dependendo do tempo que tiver disponível, você pode se concentrar em grandes regiões do corpo – perna esquerda, perna direita – ou em áreas menores – pé esquerdo, pé direito, tornozelo esquerdo, tornozelo direito e assim por diante. O relaxamento progressivo pode ser feito com os olhos abertos ou fechados, mas aprender a fazê-lo com os olhos abertos ajudará você a relaxar mais profundamente se estiver com outras pessoas.
Para relaxar uma parte do corpo, basta trazê-la à consciência; por exemplo, neste exato momento, perceba as sensações na planta do pé esquerdo. Ou diga “relaxe” em sua mente ao ficar consciente dessa parte do corpo. Ou localize um ponto ou região nessa parte. O que funcionar melhor.
Para muita gente, o relaxamento progressivo é também um excelente método para adormecer.
Expiração extensa
Inspire o máximo que conseguir, prenda a respiração por alguns segundos e expire lentamente enquanto relaxa. A inalação extensa expande os pulmões, exigindo uma grande exalação para os pulmões voltarem a seu tamanho em repouso. Isso estimula o SNP, encarregado da expiração.
Toque nos lábios
Os lábios são dotados de fibras parassimpáticas; tocá-los, portanto, estimula o SNP. Esse ato também pode evocar a sensação calmante de estar comendo ou de quando era amamentado.
Consciência corporal
Pelo fato de o SNP ser primordialmente direcionado à manutenção do equilíbrio interno do corpo, trazer a atenção para dentro ativa as conexões parassimpáticas, desde que a atenção não se volte para a saúde. Experiências anteriores com consciência corporal (como ioga ou aula de controle do estresse) podem ajudar a estar completamente consciente de alguma coisa, em um dado momento, sem julgá-la nem resistir a ela. Simplesmente, prestar atenção nas sensações físicas.
Perceber o ato de respirar, por exemplo: o ar fresco entrando e o ar quente saindo, o peito e a barriga se expandindo e murchando. Ou a sensação de andar, tocar ou engolir. Até mesmo observar uma simples respiração do início ao fim – ou um único passo a caminho do trabalho – pode ser incrivelmente conscientizador e tranquilizante.
Imagens
Embora a atividade mental seja comumente associada ao pensamento verbal, a maior parte do cérebro, na verdade, se dedica a atividades não verbais, como o processamento de imagens mentais. As imagens acionam o hemisfério direito do cérebro e acalmam os diálogos interiores que poderiam provocar estresse.
Assim como no relaxamento, é possível recorrer a imagens para estimular o SNP ou fazer visualizações mais longas depois de desenvolver imagens que sirvam como um poderoso amparo para o bem-estar. Se a pessoa estiver estressada no trabalho, por exemplo, deve imaginar por alguns segundos um lago pacífico nas montanhas. Então, quando tiver mais tempo em casa, pode imaginar-se caminhando ao redor do lago e enriquecer seu filme mental com cheiros agradáveis de folhas de pinheiro ou o som de crianças rindo.
Equilíbrio dos batimentos cardíacos
O ritmo normal do coração sofre pequenas mudanças no intervalo entre cada batida; isso se chama variabilidade do ritmo cardíaco (VRC). Por exemplo, se o coração bate sessenta vezes por minuto, o tempo entre as batidas deve ser, em média, de um segundo. Só que o coração não é um metrônomo mecânico, e os intervalos entre as batidas mudam constantemente, podendo ser: 1 s; 1,05 s; 1,1 s; 1,15 s; 1,1 s; 1,05 s; 1 s; 0,95 s; 0,9 s; 0,85 s; 0,9 s; 0,95 s; 1 s; e assim por diante.
A VRC reflete a atividade do sistema nervoso autônomo. Por exemplo, o coração acelera um pouco na inspiração (ativação do SNS) e desacelera na expiração (excitação do SNP). O estresse, as emoções negativas e o envelhecimento reduzem a VRC, e pessoas com VRC relativamente baixa têm menor probabilidade de se recuperar após um infarto (Kristal-Boneh, et al. 1995).
Uma dúvida interessante é se a variabilidade do ritmo cardíaco é meramente um efeito dos altos e baixos do estresse e outros fatores ou se as mudanças na VRC são capazes, elas mesmas, de causardiretamente melhorias na saúde física e mental. Ainda não está comprovado, mas estudos revelam que aprender a aumentar a quantidade e a regularidade da VRC está associado à diminuição do estresse e à melhor saúde do sistema cardiovascular, das funções imunológicas e do humor (Luskin et al. 2002; McCraty, Atkinson e Thomasino 2003).
A VRC é um bom indicador da estimulação parassimpática e do bem-estar geral, e temos influência direta sobre ela. O Instituto HeartMath foi pioneiro nos estudos de VRC e desenvolveu inúmeras técnicas, as quais adaptamos para este exercício simples, composto de três partes:
- Respirar de modo que a inspiração e a expiração tenham a mesma duração; por exemplo, contar até três mentalmente enquanto inspira e até três enquanto expira.
- Ao mesmo tempo, imaginar ou sentir que está inalando e exalando pela região do coração.
- À medida que respira uniformemente pelo coração, trazer à mente uma emoção gostosa, sincera, como gratidão, bondade ou amor talvez pensando em um momento feliz, como brincar com as crianças ou com seu animal de estimação, apreciar as coisas boas da vida... Também pode-se imaginar esse sentimento passando através do coração como parte da respiração.
Experimente fazer isso por pelo menos um minuto – os resultados são surpreendentes.
Meditação
A prática da meditação ativa o SNP de diversas formas – tira a atenção de assuntos estressantes, relaxa e traz um estado de consciência ao corpo. Ao estimular o SNP e outras partes do sistema nervoso, a meditação regular:
- aumenta a massa cinzenta na ínsula (Hölzel et al. 2008; Lazar et al. 2005), no hipocampo (Hölzel et al. 2008; Luders et al. 2009) e no córtex pré-frontal (Lazar et al. 2005; Luders et al. 2009), reduz o desgaste cortical resultante do envelhecimento nas regiões pré-frontais fortalecidas pela meditação (Lazar et al. 2008) e melhora as funções psicológicas associadas com essas regiões, incluindo atenção (Carter et al. 2005; Tang et al. 2007), compaixão (Lutz, Brefczynski-Lewis et al. 2008) e empatia (Lazar et al. 2005);
- reforça a ativação de regiões frontais do lado esquerdo, o que melhora o humor (Davidson 2004);
- aumenta o poder e a amplitude de ondas cerebrais gama em meditadores tibetanos experientes (Lutz et al. 2004); as ondas cerebrais são as ondas elétricas fracas, mas mensuráveis, produzidas por grandes quantidades de neurônios que disparam ritmicamente em conjunto;
- diminui o cortisol, que está relacionado com o estresse (Tang et al. 2007);
- fortalece o sistema imunológico (Davidson et al. 2003; Tang et al. 2007);
- ajuda a melhorar diversos problemas clínicos, como doenças cardiovasculares, asma, diabetes tipo 2, tensão pré-menstrual (TPM) e dores crônicas (Walsh e Shapiro 2006);
- auxilia em muitos problemas psicológicos, como insônia, ansiedade, fobias e distúrbios alimentares (Walsh e Shapiro 2006).
Existem diversas tradições contemplativas e muitas maneiras de meditar. O quadro a seguir descreve uma meditação consciente (também conhecida como meditação da atenção plena) básica. O segredo para colher as recompensas da meditação é desenvolver uma prática diária, regular, mesmo que curta. Que tal assumir o compromisso pessoal de nunca ir dormir sem ter meditado naquele dia, mesmo que por apenas um minuto? Pense também em fazer parte de um grupo de meditação perto de casa.
Meditação da atenção plena
Escolher um local confortável em que seja possível se concentrar e não ser interrompido por ninguém. Não há problema em meditar em pé, caminhando ou deitado, mas muitas pessoas meditam sentadas em uma cadeira ou em uma almofada apropriada. Adotar uma postura ao mesmo tempo relaxada e alerta e manter a coluna razoavelmente ereta. Como sugere o pensamento zen, a mente deve ser como o condutor habilidoso de um cavalo: rédeas nem frouxas, nem curtas demais.
Meditar pelo tempo que desejar. Pode-se começar com períodos mais curtos, mesmo que de apenas cinco minutos. Sessões mais longas, de trinta a sessenta minutos, ajudam a meditar mais profundamente. É possível estabelecer um tempo logo no início ou simplesmente deixar correr. Dar uma espiada no relógio durante a meditação não é um crime, e programar um despertador é uma opção. Algumas pessoas acendem um incenso, finalizando a meditação logo que ele para de queimar. O importante é sentir-se à vontade para adaptar as sugestões a seguir.
Respire bem fundo e relaxe, com os olhos abertos ou fechados. Perceba os sons que vêm e vão e aceite-os como são. Neste momento reservado para meditar, renuncie a todas as preocupações, como se depositasse no chão uma mala muito pesada e se jogasse em uma poltrona confortável. Quando terminar a meditação, você poderá pegar essas preocupações de volta – se quiser!
Preste atenção nas sensações envolvidas na respiração. Não tente controlá-la; respire naturalmente. Sinta o ar fresco entrar e o ar morno sair do corpo. O peito e o abdômen vão se expandir e murchar.
Tente acompanhar as sensações de cada respiração do início ao fim. Se quiser, pode contá-las calmamente – conte até dez e comece novamente; se sua mente se perder, volte à primeira – ou marque-as silenciosamente como “inspire”, “expire”. É normal que a mente perca um pouco o rumo; quando isso acontecer, volte a se concentrar na respiração. Seja gentil consigo e respeite seu tempo. Veja se consegue ficar atento a dez respirações seguidas (geralmente um desafio no início). Quando a mente se assentar durante os primeiros minutos de meditação, explore a sensação de estar cada vez mais absorvido na respiração e de deixar todo o resto de lado. Abra-se para os prazeres simples da respiração. Com a prática, veja se consegue acompanhar a respiração, inspirando e expirando inúmeras vezes seguidas.
Usando a respiração como um tipo de âncora, esteja atento a qualquer outra coisa que passar por sua mente. Mantenha-se consciente de pensamentos e sentimentos, desejos e planos, imagens e lembranças – todos chegam e vão embora. Deixe que sejam o que realmente são, não se prenda a eles, não lute contra eles nem os admire. Dê um sentido de aceitação – e até de gentileza – a qualquer coisa que atravessar o caminho aberto da consciência.
Continue o relaxamento com a respiração, com uma sensação cada vez maior de paz. Perceba a natureza mutável das coisas que passam por sua mente. Note qual é a sensação de ser envolvido pelas coisas que passam pela consciência – e qual é a sensação de deixá-las ir embora. Esteja consciente da vasta e tranquilizadora consciência em si.
Quando desejar, finalize a meditação. Perceba como se sente e interiorize o bem proporcionado por ela.
PARA SE SENTIR MAIS SEGURO
Como visto no capítulo 2, o cérebro está sempre examinando o mundo interior e exterior em busca de ameaças. Quando alguma é detectada, seu sistema de reação ao estresse é acionado.
Ocasionalmente, esse estado de vigilância é justificado, mas, geralmente, é exagerado, compelido por reações da amígdala cerebelar e do hipocampo a eventos passados pouco prováveis de acontecer. A ansiedade resultante é desnecessária e desagradável e mune o corpo e a mente para reagir exageradamente a coisas sem importância.
Além disso, a vigilância e a ansiedade desviam a atenção da absorção consciente e contemplativa. Não é à toa que as orientações tradicionais para a meditação geralmente incentivem os praticantes a encontrar um local de reclusão protegido. Um exemplo é a descrição do despertar de Buda sentado ao pé da figueira sagrada (Árvore de Bodhi), que o amparava. A sensação de segurança envia ao cérebro a mensagem de que ele pode recolher as tropas de vigilância e colocá-las para trabalhar internamente a fim de aumentar a concentração e a percepção – ou, simplesmente, dar um descanso a elas.
Mas há dois pontos importantes a serem abordados antes da exploração de métodos específicos para nos sentirmos mais seguros. Primeiro: em nossa realidade não existe essa história de segurança absoluta. A vida está em constante transformação, carros atravessam faróis vermelhos, pessoas adoecem e nações inteiras lutam e se destroem mundo afora. Não há terreno estável, não há abrigo perfeito. Reconhecer essa verdade é sinal de sabedoria, e aceitá-la e seguir em frente com a própria vida é revigorante. Segundo: para algumas pessoas, sobretudo as que passaram por algum trauma, reduzir a ansiedade pode parecer ameaçador, pois baixar a guarda faz com que se sintam vulneráveis. Por isso, preferimos falar em “sentir-se mais seguro” a “sentir-se seguro”. E, por favor, adapte as técnicas seguintes às suas necessidades.
Relaxar o corpo
O relaxamento drena a ansiedade como quando destampamos o ralo da banheira. (Ver os métodos descritos anteriormente neste capítulo.)
Recorrer a imagens
As imagens do hemisfério direito do cérebro estão intimamente ligadas com o processamento emocional. Para se sentir mais seguro, podese visualizar figuras protetoras, como uma avó querida ou um anjo da guarda. Ou imaginarse envolvido por uma bolha de luz, como um campo de força. Em situações críticas, às vezes ouço a voz do Capitão Kirk (de Jornada nas estrelas) em minha mente: “Levantar escudos, Scotty!”
Relacionar-se com quem lhe dá apoio
Identifique amigos e parentes que se preocupem com você e passe mais tempo com eles. Quando não estiverem juntos, é possível se lembrar deles e absorver os bons sentimentos que isso proporciona. O companheirismo, mesmo quando apenas imaginado, aciona o circuito do cérebro envolvido no campo social e de relacionamentos. A proximidade física e emocional com cuidadores e outros membros do grupo era uma necessidade para a sobrevivência ao longo de nossa história evolutiva. Consequentemente, ativar o senso de proximidade provavelmente ajuda a pessoa a se sentir mais segura.
Ter consciência do medo
Ansiedade, pavor, apreensão, preocupação e mesmo pânico são estados mentais como quaisquer outros. Identifique o medo quando ele surgir, perceba as sensações que ele provoca no corpo, observe enquanto ele tenta convencê-lo de que deve ficar alarmado, acompanhe sua mudança de rumo e siga em frente. Como reforço, é possível descrever verbalmente para si o que se está sentindo, para melhorar a regulação do sistema límbico pelo lobo frontal (Hariri, Bookheimer e Mazziotta 2000; Lieberman et al. 2007). A consciência que contém o medo é por si só desprovida desse sentimento. É preciso manter-se afastado do medo, tranquilizandose no vasto espaço da consciência no qual ele é uma nuvem passageira.
Evocar protetores internos
Alimentadas pela rede distribuidora do sistema nervoso, subpersonalidades diferentes interagem de forma dinâmica para formar o eu, aparentemente maciço, mas, na verdade, fragmentado. Por exemplo, uma tríade bastante conhecida é a da criança interior/pai crítico/pai nutridor e a que com ela se relaciona, vítima/perseguidor/protetor. A subpersonalidade pai nutridor/protetor conforta, incentiva e acalma, opondo-se às vozes internas e externas críticas e degradantes. Não é bajuladora ou inventiva. É baseada na realidade, como um professor ou orientador íntegro, atencioso e direto que faz a pessoa se lembrar do que há de bom nela mesma e no mundo ao mesmo tempo em que afasta os mesquinhos.
Ao longo da vida, muitos de nós nos desapontamos com pessoas que deveriam ter nos protegido melhor. As maiores decepções em geral não são com pessoas que já nos magoaram, mas com aquelas de quem não esperávamos tal comportamento, com as quais sempre tivemos maior ligação, e por isso nos sentimos mais decepcionados. Sendo assim, é compreensível que o protetor interior não seja tão forte como poderia. Portanto, deve-se dar atenção especial à sensação de estar com pessoas fortes que se importam com você e o defendem, viver essa experiência e incorporá-la. Imagine ou escreva um diálogo entre uma subpersonalidade interior protetora e outra crítica ou inquietante – faça com que a primeira crie fortes argumentos em sua defesa.
Ser realista
Recorra a suas aptidões pré-frontais para avaliar: qual é a probabilidade de aquele temido evento acontecer? Até que ponto seria grave? Por quanto tempo seus efeitos seriam sentidos? O que pode ser feito para lidar com isso? Quem pode ajudar?
A maioria dos medos é exagerada. Com o passar do tempo, o cérebro desenvolve expectativas baseadas nas experiências pessoais, em especial as negativas. Mesmo quando ocorrem situações nem um pouco parecidas, o cérebro automaticamente aplica tais expectativas a elas; se ele espera sofrimento ou danos, ou apenas sua iminência, emite sinais de medo. Mas, por sua tendência à negatividade, muitas expectativas de dor e prejuízo são exageradas e absolutamente infundadas.
Por exemplo, eu era uma criança tímida e mais nova do que a maioria dos meus colegas de classe, por isso, cresci sentindo-me um intruso, deslocado em diversas situações. Mais tarde, já adulto, quando ingressava num novo grupo (o conselho de um projeto sem fins lucrativos, por exemplo), já me considerava, de antemão, um intruso outra vez e me sentia muito mal com isso – mesmo que as pessoas do grupo fossem totalmente receptivas.
As expectativas que carregamos desde a infância – em geral as mais fortes de todas – são bastante suspeitas. Quando se é jovem, (A) não se tem muita escolha em relação à família, à escola e aos colegas; (B) os pais e muitas outras pessoas têm bem mais poder; e (C) não se tem recursos próprios suficientes. No entanto, na fase adulta, a realidade é que (A) a gama de opções sobre o que fazer na vida é muito maior; (B) as diferenças de poder entre você e os outros são normalmente mínimas ou nulas; e (C) diversos recursos internos e externos estão disponíveis, como capacidade de superação e boa vontade das pessoas em relação a você. Então, quando o medo se manifestar, pergunte-se: quais são as escolhas que estão ao meu alcance? Como exercitar o poder com habilidade para me defender e cuidar de mim? Com que recursos posso contar?
Tentamos enxergar o mundo claramente, sem distorções, confusões ou atenção seletiva. Qual é a realidade? A ciência, os negócios, a medicina, a psicologia e a prática contemplativa são todos fundamentados na verdade das coisas, qualquer que seja ela; no budismo, por exemplo, a ignorância é tida como a principal fonte de sofrimento. Não é de surpreender que, segundo alguns estudos, avaliar mais acuradamente uma situação produz mais emoções positivas e menos negativas (Gross e John 2003). E, se realmente houver algo com que se preocupar (como pagar uma conta, consultar um médico), deve-se lidar com o fato da melhor maneira possível. Fazer algo a respeito e seguir em frente, por si só, não apenas faz com que a pessoa se sinta melhor como também lhe dá uma perspectiva mais otimista da situação que a preocupa (Aspinwall e Taylor 1997).
Cultivar a sensação de segurança nos relacionamentos
Os relacionamentos com os cuidadores na infância – sobretudo os pais – provavelmente exerceram grande influência sobre as expectativas, os comportamentos, as emoções e as ações das pessoas em suas relações mais importantes quando adultas. Dan Siegel (2001, 2007), Allan Schore (2003), Mary Main (Main, Hesse e Kaplan 2005) e outros ajudaram a esclarecer a neurobiologia do vínculo. Resumindo uma extensa pesquisa, as experiências recorrentes que uma criança tem com os pais – que são afetados pelo temperamento dela – criam um de quatro tipos de vínculo: seguro, inseguro-evitante, inseguro-ansioso e desordenado (este último é raro e não será discutido aqui). O tipo de vínculo com um dos pais é, em grande parte, independente do estabelecido com o outro. Vínculos inseguros parecem estar associados a padrões característicos de atividade neural, como a falta de integração entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico (Siegel 2001).
O tipo de vínculo tende a persistir na fase adulta e se torna o padrão subjacente de relacionamentos importantes. Grande parte da população cresceu com vínculo inseguro-evitante ou inseguro-ansioso, mas ainda é possível mudá-lo para aumentar a sensação de segurança nas relações sociais. A seguir estão algumas técnicas para conseguir isso:
- Descobrir como sua formação afetou o relacionamento com seus pais, especialmente na primeira infância, e procurar reconhecer qualquer vínculo de insegurança.
- Manifestar compaixão por você diante de qualquer sentimento de insegurança.
- Conviver, o máximo possível, com pessoas que lhe proporcionem confiança e estímulo, e absorver a sensação de estar com elas. Além disso, fazer o que estiver a seu alcance para ser bem tratado nos relacionamentos já existentes.
- Praticar a consciência de seu estado interno, também pela meditação, dando a si mesmo a atenção e a harmonia que deveria ter realmente recebido quando criança. Esse estado de consciência aciona as regiões medianas do cérebro e aumenta a coordenação entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico; estes são substratos neurais essenciais do vínculo seguro (Siegel 2007).
UM LUGAR PARA SE REFUGIAR
Nesta vida, onde alguém se refugia? Entre os portos seguros conhecidos estão pessoas, lugares, lembranças, ideias e sonhos – qualquer um ou qualquer coisa que proporcione proteção e confiança para que se possa baixar a guarda e acumular força e sabedoria. Na infância, o refúgio pode ter sido o colo da mãe, o ato de ler na cama ou brincar com os amigos. Eu, pessoalmente, passava muito tempo nas montanhas que circundavam minha casa, esvaziando a cabeça e sendo recarregado pela natureza.
Para um adulto, o refúgio talvez seja um lugar específico (como uma igreja ou um templo), uma atividade (por exemplo, um passeio tranquilo com o cachorro, um banho demorado) ou a companhia de colegas, amigos ou mesmo de um professor. Alguns refúgios são inexprimíveis, embora potencialmente mais profundos: a confiança no poder da razão, a sensação de estar conectado com a natureza ou a simples intuição de que está tudo bem.
Considere estes refúgios, adaptados do budismo com alguns significados ampliados:
- Professor, instrutor – a figura histórica em que se concentra uma fé tradicional (como Jesus, Moisés, Sidarta ou Maomé), na qual se confia; as qualidades incorporadas por essa pessoa que também estão presentes em você.
- Verdade – a realidade em si e descrições detalhadas dela (de que maneira o sofrimento surge e termina, por exemplo).
- Boa companhia – tanto daqueles que estão mais adiantados rumo ao despertar como daqueles que seguem com você.
Os refúgios evitam que a pessoa reviva situações e preocupações e a preenchem com influências positivas. Conforme ela fica mais relaxada com essa sensação de proteção, os neurônios vão, discretamente, costurando uma rede de segurança. No caminho para o despertar, é natural passar por momentos de revolta, opressão ou desnorteamento quando antigas crenças se desfazem. Em circunstâncias como essas, os refúgios a apanharão e a conduzirão para fora da tempestade.
Deve-se obter refúgio em uma ou mais coisas todos os dias. Pode ser formal ou informal, verbal ou não – o que funcionar melhor para cada um, experimentando diferentes maneiras de sentir tal proteção, como a sensação de que o refúgio está no lugar de onde veio ou que flui através de você.
Como explorar seus refúgios
Identifique alguns de seus refúgios. Então, realize esta análise com quantos quiser. É possível fazer isso com os olhos abertos ou fechados, devagar ou rápido. No lugar da frase sugerida Encontro refúgio em ___________, pode-se usar:
Eu me refugio em _________.
Procuro refúgio para _____________.
Eu venho de ____________.
Existe ___________ aqui.
____________ passa por mim.
Sou alguém com__________.
Ou o que preferir.
Pense em um refúgio. Evoque a sensação que ele traz ou visualize-o e sinta-o em seu corpo. Sinta como lhe faz bem refugiar-se ali. Receber a influência dele em sua vida. Ligar-se àquele lugar. Obter seu abrigo e sua proteção. Diga a si mesmo de maneira tranquila: Encontro refúgio em __________. Ou, sem recorrer a palavras, sinta que está obtendo abrigo ali.
Perceba como é essa sensação. Deixe que entre por todos os espaços de seu corpo e se torne parte de você.
Quando se sentir pronto, parta para outro refúgio. E, depois, para quantos outros quiser.
Após passar por todos os seus refúgios, perceba qual foi a sensação da experiência. Saiba que você sempre carregará esses refúgios com você.
capítulo 5: PONTOS-CHAVE
- O modo mais eficiente de usar a conexão corpo-mente em prol da saúde física e mental é pelo controle do sistema nervoso autônomo (SNA). Toda vez que o SNA for acalmado por meio da estimulação do sistema nervoso parassimpático (SNP), levará o corpo, o cérebro e a mente cada vez mais em direção ao bem-estar e à paz interior.
- O SNP pode ser ativado de diversas maneiras: relaxamento, grandes exalações, toque dos lábios, consciência em relação ao próprio corpo, imagens, estabilização dos batimentos cardíacos e meditação, por exemplo.
- A meditação aumenta a massa cinzenta nas regiões do cérebro envolvidas com atenção, compaixão e empatia. E ainda ajuda na recuperação de várias doenças, fortalece o sistema imunológico e melhora a área psicológica.
- Criar uma sensação de maior segurança ajuda a controlar a tendência intrínseca de antecipar e reagir exageradamente a ameaças. É possível sentir-se mais seguro relaxando, recorrendo a imagens, relacionando-se com outras pessoas, estando consciente do próprio medo, evocando protetores interiores, sendo realista e aumentando seu senso de vínculo seguro.
- Buscar proteção e conforto no que seja considerado um refúgio deixa a pessoa renovada. Esses refúgios podem ser pessoas, atividades, lugares e coisas intangíveis como a razão, a sensação de seu eu mais profundo ou sua verdade.
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