sábado, 11 de agosto de 2018

Broto de bambu Monja Coen

Broto de bambu

Quando entramos em uma rua sem saída, acabamos por descobrir que ela tem uma saída: o caminho pelo qual entramos. Então, não é que ela não tenha saída – o que é impossível. Tudo é possível. Se as pessoas não estão me compreendendo, eu vou tentar compreendê-las. Um dia elas vão despertar e não excluirão, não serão mais agressivas, não desejarão nem farão mal a nenhuma pessoa e se dedicarão a sempre fazer o bem, que seja o bem para todos, porque perceberão que somos um só corpo com todos os seres. A mente iluminada é aquela que desperta para a humildade. Se existe dualidade? Claro! A dualidade está por trás da palavra “diabo”. Mas por que dar força para o que é dual, que separa e divide, se eu posso dar força ao que une? Que escada é essa maravilhosa que o sagrado está me mostrando para que eu acesse níveis superiores de consciência e compreensão? Mais uma vez, em um dos programas, a mestra teve a oportunidade de falar sobre isso.


— Sensei, eu estou fazendo aquela viagem para dentro do coração e ainda estou em conflito com a parte material, e peço que a senhora me ajude a encontrar o equilíbrio entre as buscas materiais, o trabalho profissional, a atuação no mundo e a caminhada para dentro.

— Essa caminhada espiritual não exclui a vida cotidiana, a profissão. Ao contrário, ela tem que se manifestar em tudo o que fazemos. Dizemos que, quando a pessoa está realmente praticando de forma correta, seus relacionamentos do cotidiano entram em mais harmonia. 

Quando fazemos essa viagem interior, essa procura pelo caminho espiritual, essa procura pelo sagrado, acabamos por perceber que o sagrado está em toda parte e que não há nada errado em querer ter sucesso na carreira, em ter bens materiais, embora não seja o mais importante, porque é o resultado de uma vida digna, de um trabalho de harmonia e de respeito às outras pessoas, seja na área em que você estiver. Às vezes, em determinadas empresas, há quem fique tentando “puxar o tapete” do outro, atitudes que sabemos que acontecem nos meios corporativos, mas deve-se manter a dignidade e o respeito, porque aquele que faz corretamente, que faz o bem e dá o seu melhor, inevitavelmente terá resultados benéficos. Portanto, é usar a sua espiritualidade na sua vida. Não separe. Essa dualidade é um pouquinho do que a gente chama originalmente de “diabo”; diabo é “aquele que divide”, “que separa”, que é dual. A sua vida é una. A sua procura por sucesso profissional e por bens materiais não está separada da sua procura pelo sagrado, pelo eu verdadeiro. Mantenha-se firme e forte na sua prática e não divida nada, pois você é um ser íntegro e tem tanta necessidade do pão quanto do espírito.

O importante é ter um compromisso com a caminhada espiritual, com a descoberta do espírito, porque nós, seres humanos, não somos só corpo: somos corpo e espírito. Esse espírito é em nós, não está separado de nós. Como, então, descobrir essa beleza que é a vida interior? Às vezes, estamos tão preocupados com coisas materiais, com relacionamento, com sexo, com beleza, com poder. Muitas pessoas têm grandes brigas por poder: quem manda no casamento, quem manda no relacionamento, no emprego, quem é o chefe, quem está mandando, e nem sempre é questão de chefia, de hierarquia. 

O compromisso espiritual está muito além disso: é o de criar harmonia e respeito para conosco e com as pessoas à nossa volta. Não significa desligar-se da realidade, sair do dia a dia. Na verdade, é descobrir como nesse dia a dia se pode demonstrar respeito e gratidão a tudo, tudo o que existe. Porque tudo está interligado, interconectado. No conceito budista, desenvolver a espiritualidade é um pouco como a estrutura do bambu.


 O bambu leva cinco anos para dar os brotinhos. É um trabalho interior que vai progredindo e do qual não se vê o resultado imediato. O fundamental é não desistir.


No século XIII, havia um monge chinês chamado Tendo Nyojo Daiosho Zenji (1163-1228). Os mosteiros daquela época reuniam mais de mil pessoas e o monge pediu ao abade para se tornar faxineiro dos banheiros. Era uma tarefa que ninguém queria assumir. Imagine: nas condições da época, o cenário era bem precário, com latrinas abertas – nada de banheiros azulejados como conhecemos hoje, com privadas e descargas.

Quem limpava banheiros tinha de usar uma espécie de concha para coletar fezes e urina e despejá-las em um saco, que era transportado para ser enterrado ou transformado em adubo. Trabalho pesado? Certamente, mas, nos mosteiros, é tradição dar essa função a quem será o chefe dos monges em treinamento! O abade, contudo, respondeu que passaria a função ao monge desde que ele respondesse como se pode purificar aquilo que não se macula.

Como purificar o imaculado?!… O monge entregou-se a uma meditação obstinada e com tal dedicação que chegou a sofrer de escaras nas nádegas, ao longo de um ano inteiro. Então, o abade veio cobrar-lhe a resposta. “Não sei”, admitiu o monge. E, por mais um ano, com o corpo dolorido, mergulhou em meditação.

Passado aquele tempo, novamente questionado pelo abade, respondeu: “Sim, mestre, agora eu sei como se purifica o que não pode ser maculado”. Mas não conseguiu prosseguir na resposta, pois foi interrompido por uma estridente chibatada no corpo desferida pelas mãos do próprio mestre.

O monge queria falar sobre o encontro com o imaculado, mas não há palavras que possam abarcá-lo. Qualquer tentativa de atribuir-lhe palavras é apenas um exercício de compreensão intelectual. E, naquele momento, restou ao monge apenas um corpo trêmulo e o silêncio. Mas foi esse processo que fez dele um mestre zen-budista severo e muito reverenciado tanto por sua 


clareza de compreensão dos ensinamentos budistas quanto pela prática contínua e incessante do zazen. Mestre Dogen, que foi seu aluno e viria a fundar a ordem Sôtô Zen Shû, no Japão, sempre se referiu ao seu professor como um “Buda antigo”. Assim, mestre Tendo definiu o zazen aos seus alunos – o sentar-se em zen, o sentar-se em meditação – como o portal principal. Isso lembra uma ligação que a monja recebeu.
— Alô! Você pratica meditação aí em Barueri?
— Não, não pratico, monja. Mas sempre ouço a Rádio Mundial.
— Por quê?
— Porque sempre ouço uma palavra que me conforta, uma palavra de que estou precisando.
— E você é capaz de passar essa palavra para outra pessoa?
— Sempre passo.
— Ah, que bom!
— Quando faz diferença para a minha vida, eu passo.

— É isto que é importante: aquilo que nós recebemos de bom nós temos que transmitir. Que não termine em nós. Que nós possamos passar o bem para que o maior número de seres se beneficie dele. Isso também é zen e você não precisa ser monja para tanto.

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