Dá pra ser zen sem ser monge?
Quem se decide pela vida monástica zen-budista enfrenta duras provações, de fato. Enfrenta a si mesmo, primordialmente. Quando Coen quis tornar-se monja, estava praticando no Zen Center de Los Angeles, nos Estados Unidos. Charlotte Joko Beck, sua professora, alertou: “Não há nada de charmoso nisso; é servir, é limpar aquele cantinho que ninguém quer limpar, é como se nós nos tornássemos as grandes faxineiras do mundo. Você acha que está pronta para isso?”. A jovem Cláudia respondeu que sim, mas, na verdade, ainda não entendia em profundidade o que ela queria dizer.
Passaram-se anos – contou Coen –, fui ao mosteiro, fiquei doze anos no Japão, oito anos no internato, em um mosteiro, servindo, limpando, lavando. Meus dedos se romperam, abriram-se por causa do sabão e do frio. Tive vários tipos de desconfortos físicos, mas não houve uma reclamação, um resmungo, porque eu não era a única. Todas as que estavam no mosteiro tinham o propósito de servir melhor a comunidade, o grupo. Como não ter um amigo ou uma amiga em particular, mas como fazer relacionamentos de harmonia.
A cada três meses, mudávamos de aposento e de companheiras de quarto. Éramos seis ou sete monjas dormindo juntas. Nossos colchonetes eram colocados lado a lado, um encostadinho no outro. E tínhamos todo o cuidado, de manhã cedo, de não encostar nossas roupas de cama umas nas outras. Lavávamos o rosto em uma pia comum, cada uma com uma pequena bacia e púnhamos água somente até a metade da bacia, para não desperdiçar. Ao escovarmos os dentes, fazíamos tudo muito calmamente e, ao cuspir na pia, tampávamos a boca para que não se espalhasse e não ofendesse ninguém. O tempo todo, um cuidado para não ser o centro, mas estar em relacionamento com as outras pessoas. E respeitá-las como respeitamos os seres iluminados e sábios. Cada um de nós é a manifestação do sagrado. Por isso, saiba colocar as mãos palma com palma e, do coração, dizer: namastê.
Namastê: o sagrado em mim cumprimenta e reconhece o sagrado em você. Você é capaz de honrar o sagrado em cada ser que encontra? Não se trata daqueles que escolheu, com quem se identifica porque se vestem e falam com afinidade, que são “da sua turma”. Trata-se de perceber que todos são “dos meus”, que não há outros, que somos a espécie humana.
O budismo encerra três ensinamentos fundamentais:
1) todas as coisas são impermanentes;
2) nada tem uma natureza própria, intrínseca, fixa e permanente;
3) tudo pode viver em paz e quietude de nirvana.
Entenda que nada é fixo, nada é permanente. Nenhuma condição é fixa ou determinada. Não é a questão de uma coisa passar por mudanças. Significa que todas as coisas, inclusive você, estão sempre mudando e não têm um centro ou uma essência imóvel e permanente. O zen-budismo se baseia nisso. Inclui você, que está sempre mudando e não tem um centro ou uma essência fixa. Como seres humanos, estamos sempre percebendo através dos sentidos, ou seja, estamos conhecendo, temos consciência das coisas.
E só podemos perceber passado e futuro. Todas as ansiedades, que são o oposto da paz mental, assim como as agitações, surgem do passado ou do futuro. Porque no momento presente você está apenas intersendo. E como é difícil estar apenas no presente! Mas perceba que este presente inclui todo o passado e todo o futuro. E não é pesado, é leve como a mão de uma criança.
O momento presente é uma condição, onde não há separação entre mim e os outros, entre mim e os objetos. Não que exista algo chamado “momento presente”. Na hora em que falo “momento presente”, ele já se foi. Este agora é quando não há separação, quando você se percebe interconectado. No entanto, nós precisamos do alimento do passado e do alimento do futuro. A nossa vida é passado, futuro e presente. Nós não cortamos as nossas inter-relações, não somos seres partidos, mas, sim, um contínuo, assim como o tempo, que é circular. Não brigamos com o tempo, não corremos atrás dele, nem ele corre atrás de nós, porque somos o tempo. Ele é a nossa existência. Aprecie este instante transitório, passageiro – e por isso eterno – da sua vida.
Tudo pode viver em paz e quietude de nirvana. “Nirvana” ou “nibana” significa extinguir, aquietar. Mas não quer dizer “aquietar a mente”. Temos pensamentos! Mas os pensamentos não são a mente – eles vêm e vão. A verdadeira paz mental não se procura fora de si mesmo, não depende de outras pessoas ou situações. Nós podemos ser livres para encontrá-la. Se abrirmos os olhos como se víssemos a realidade pela primeira vez, seremos capazes de ver claramente o que é, como é e quem está em nossa frente. Você conhece o nirvana? Você conhece esse estado de paz e quietude? Ou será que você fica alimentando a sua mente com reclamações, resmungos?
Em uma entrevista em comemoração aos 52 anos da revista Claudia, a entrevistadora perguntou a Coen o que ela tinha a dizer para as pessoas, a fim de que vivessem melhor. Coen ressaltou dois aspectos:
Não reclamar nem resmungar.
As pessoas perdem horas de suas vidas preciosas resmungando e reclamando. Não significa vestir os “óculos-de-ver-tudo-maravilhoso”. As coisas são como são. Precisamos falar com a pessoa certa, na hora certa, de maneira correta para que haja mudança. Mas ficar reclamando e resmungando amargura a boca e o coração.
E o segundo aspecto, que é tão importante quanto esse, é conhecer a si mesmo. Conhecer
E o segundo aspecto, que é tão importante quanto esse, é conhecer a si mesmo. Conhecer com intimidade aquilo que lhe é mais íntimo: seu corpo e sua mente.
Você fez um pouco de atividade física hoje? Que tal um pouco de ioga ou uma corrida? Qualquer atividade física. Até o caminhar rapidamente, prestando atenção, sentindo os passos, o alongamento da coluna vertebral. Esteja presente onde você está. Até no trânsito. Que oportunidade de sentir seu corpo, sua postura. Alinhe a coluna, estique os braços. Perceba que este momento é único em sua vida e que jamais se repetirá. Não desperdice a sua existência. Observe a luz e a sombra, a luz dos carros. Tome cuidado e preste atenção, plena atenção. Não machuque ninguém nem seja machucado. Assim como no trânsito, prestamos atenção, mesmo andando a pé – para não esbarrarmos nas pessoas nem levarmos esbarrões. É a mesma coisa na vida.
Há uma ideia no budismo de que há três períodos para o Darma, para os ensinamentos: um período que é chamado Darma correto, onde existe Buda e os ensinamentos, existe a prática e a realização. Depois de muitos, muitos mil anos, segue-se um período chamado Darma de imitação, no qual as pessoas apresentam apenas a forma, ou seja, se vestem como monges ou como budistas e o ensinamento existe, a prática existe, mas é uma prática formal, preocupada com a posição e se está correta – por exemplo, “olha minha mão como está bonitinha e bem posicionada” –, embora sem profundidade.
Finalmente, depois de outros muitos milhares de anos, cerca de 10 mil depois de Buda, chegará a época do chamado Darma degenerado, no qual existe o ensinamento, mas só o ensinamento. Como se uma pessoa lesse um livro, considerasse-o interessante, mas não o colocasse em prática na sua vida, não procurasse um mestre, um professor. No Japão do século XIII já se dizia: “Nós estamos na época do budismo degenerado”. Contudo, Buda é de 2.600 anos atrás, então, 10 mil anos depois… nós ainda não chegamos lá. Mesmo assim, há quem diga que já estamos nessa época, com pessoas que só olham o ensinamento, mas não o praticam, não o vivenciam e ficam apenas na leitura que fizeram para, em seguida, deixar o livro guardado na estante.
Todas as manhãs, nos templos da tradição de Monja Coen, a Sôtô Shû, são feitas orações, um período de meditação e depois as liturgias da manhã. A primeira liturgia da manhã é um sutra oferecido a Xaquiamuni Buda, o Buda histórico, aos mestres na linhagem – porque sem eles não haveria a transmissão – e também a toda a Terra e todos os seres. O segundo sutra é também um ensinamento de Buda, lido diariamente para não ser esquecido e para elevar uma inspiração naquele dia e na própria meditação. Esse segundo sutra é dedicado ao budismo degenerado, a fim de que volte a ser o budismo correto, que deixe de ser apenas uma forma e um texto para tornar-se uma experiência verdadeira. Ele também é importante para que cada ser possa descobrir Buda, a sua natureza iluminada, e viver de acordo com ela – o que depende de cada um, descobrindo que não é apenas ouvir o ensinamento, mas tornar-se o ensinamento.
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