Baixe o seu santo!
Não, não se trata de download esotérico. Se lhe perguntarem: “Quem quer viver feliz”?, você provavelmente responderá de pronto: “Todo mundo!”. Bem, nesse sentido, podemos ampliar o conceito para todos os seres. Todos os seres querem viver felizes, e a harmonia da natureza está aí para comprovar.
No entanto, se a pergunta for: “Quem quer viver feliz?”, a resposta terá de ser mais seletiva. Porque querer implica trabalhar. Todos esperam (têm esperança de) viverem felizes, sim, mas quantos trabalham para alcançar essa condição?
Muito tempo atrás, na Índia antiga, havia um rei e uma rainha que eram discípulos de Buda. Eles praticavam a meditação, refletiam sobre o próprio caráter e sobre a vida. Eles queriam ser governantes muito bons.
Um dia, subiram à torre do castelo. Lá de cima, o rei, abraçando a rainha, disse:
— Veja, lá estão as montanhas, mais adiante as plantações. Depois, está a cidade, o comércio, e aqui o nosso castelo. Temos sido bons governantes e também somos bons discípulos. Entretanto, eu sinto que, quase sempre, me preocupo comigo, com o meu bem-estar. Eu penso que, “se meu povo estiver bem, é o meu povo”, e me sinto bem porque estou cuidando direito dele. Eu quero ser feliz, quero ter alimentos, quero ter carinho. Acho que não somos bons discípulos de Buda.
Então, virou-se para a esposa e perguntou:
— Você também se sente assim? Pensa no seu bem-estar antes de pensar no dos outros?
— Se eu olhar em profundidade — ela respondeu —, acho que comigo também é assim. Eu acordo pela manhã, sinto apenas meu corpo e penso no que vou comer. Vamos conversar com o mestre?
Assim, contaram ao mestre seus sentimentos e esperavam que ele fosse dar-lhes uma reprimenda. Mas Buda disse:
— Muito bem! Vocês perceberam. Toda a humanidade é assim como vocês. Todos os seres humanos querem ser felizes! Como vocês. Todos procuram o próprio bem-estar e é por isso que nós cuidamos bem uns dos outros, porque “os outros” são muito parecidos conosco.
A felicidade é bem mais do que palavrórios entre ser feliz e estar feliz, e bem menos do que uma busca. Só esperar por ela não resolve, tampouco é útil lançar-se a uma busca cega e desesperada (como quer fazer crer a sociedade do consumo, por exemplo) por uma “entidade” distante e desconhecida, que se ouviu chamar de “felicidade”. Você conhece aquele ditado popular “ouviu o galo cantar, mas não sabe onde”? É a tal busca que não consegue buscar de fato, pois mal se equilibra entre prazeres e frustrações. Um desespero por conseguir, que leva a outro: a ansiedade de não conseguir. A felicidade não é ou está. Ela é-e-está a um só tempo, inerente, que já vive em todos nós, contida em cada um.
Curiosamente, vale alertar para a expressão contida em cada um. Contida, porque trancada, travada na própria mente. Os ruídos que nos impedem de vivermos felizes são criados e se desenvolvem na própria mente. Portanto, se algum esforço deve ser empreendido no anseio por viver feliz, precisa ser o de eliminar tais ruídos na mente. Ao fim deste trabalho (mas, diga-se, trabalho que não tem fim), o que se descortinará, então, será o viver feliz. Trata-se de um trabalho árduo, sem dúvida, quase uma guerra dentro de si mesmo, mas que conta com a disciplina como estratégia para triunfar: em vez de buscar a meta desesperadamente, mitigar as barreiras metodicamente. Desenvolver o autodomínio é a chave para uma disciplina suprema.
No livro O cérebro de Buda: Neurociência prática para a felicidade (ed. Alaúde, 2012), o americano Rick Hanson escreve sobre como a neurociência, a ciência dos neurônios, da mente e do cérebro, é um caminho para a felicidade. Esse livro mostra como é o cérebro de Buda, esse cérebro que pode ser feliz o tempo todo, que encontra o contentamento com a existência. Buda disse que a pessoa que conhece o contentamento é feliz mesmo dormindo no chão. Quem não conhece o contentamento é infeliz mesmo num castelo celestial. Então, você é feliz? Você conhece o contentamento, a alegria de viver? Essa alegria é simples, baseada em coisas elementares, nada complicadas. Há pessoas que gostam de complicar.
O fato é que assim é nossa vida: o que deu certo ontem pode não dar certo hoje. O importante é manter a mente aberta, alerta, capaz de responder com agilidade àquilo que chega até nós. E tudo isso é diferente de ter um programa preestabelecido. A mente Buda é o cérebro hábil em poder responder de forma adequada à necessidade do momento. O primeiro capítulo desse livro se chama “O cérebro que se transforma” e nele lê-se: “As principais atividades do cérebro fazem transformações nele mesmo”. Ou seja, o que nós ativamos em nossa mente transforma a própria mente. O que você anda ativando na sua mente? É um caminho de sabedoria? É um caminho de autoconhecimento, de compreensão de si, dos outros e da realidade? É um caminho de atuação nessa realidade? Porque a ação é importante. Por isso, a meditação é importante, pois conduz a uma compreensão profunda da própria pessoa e do mundo, possibilitando então uma ação adequada. Meditamos para encontrar um estado de equilíbrio e podermos sair para o mundo respondendo de forma adequada, com sabedoria e ternura.
Nossos cérebros abrigam neurônios que fazem conexões entre si, conforme os estímulos que vão recebendo. Por isso, o livro revela que você é capaz de usar a própria mente para melhorar o
cérebro, o que, por sua vez, beneficiará a sua existência assim como a das pessoas com quem se relaciona.
Portanto, você pode desenvolver sua capacidade de ficar feliz com a sua vida, mesmo que tenha dificuldades. E a pessoa que se transforma em pessoa feliz, diz a ciência, fica com a região frontal esquerda do cérebro mais ativa. Não é um ensinamento religioso; é uma comprovação científica. Essa área do cérebro passa a ficar mais ativa e também se desenvolve mais como um músculo. Assim, se estimulamos essa parte da felicidade e do bem-estar, da compreensão, da ternura, nossas mentes ficam mais fortes e o caminho da felicidade mais aberto.
Um enorme empecilho para se viver feliz é o ódio. Um coração que abriga o ódio não encontra a paz. E o ódio está presente, sim, na vida, na sua vida. Veja as redes sociais, lotadas de manifestações preconceituosas, raiva, agressões e ameaças. Ou simplesmente pense no que você mesmo odeia. E então? Só de pensar, você já pode sentir seu coração se apertar, não? Livre-se agora de qualquer ódio, repugnância, rancor ou vingança. Não estar sentindo ódio é liberdade e, portanto, felicidade. “Nós vivemos em verdadeira felicidade, pois, entre os que odeiam, estamos livres do ódio” (Dhammapada).
Exclua-se dos insanos. A insanidade está na desilusão, na mente dividida, no afastamento da Verdade e do Caminho. Mantenha-se são, busque a sanidade. Na verdade, Coen Rôshi recomenda buscar a sua santidade. Sim! A santidade não é bênção ou privilégio de seres “especiais”. Procure o seu lado santo. Passe a perceber como você fala, como mexe mãos e braços, como são seus movimentos, como são seus pensamentos. Você é capaz de compreender a realidade assim como ela é? E você é capaz de atuar de maneira a minimizar dores e sofrimentos no mundo para você e as pessoas que o rodeiam? Pois esse é o caminho da felicidade. “Nós vivemos em verdadeira felicidade, pois, entre os insanos, estamos sãos” (Dhammapada).
Esses dois ruídos, o ódio e a insanidade, são bem mais fáceis de identificar do que a silenciosa e traiçoeira ansiedade. É ela que nos impede de estar absolutamente presentes no agora. No entanto, é no aqui e no agora que está a sua vida. A vida é feita de todo o passado e de todo o futuro – o vir a ser –, mas ela se manifesta neste instante. Sem dúvida, fazemos projetos e lógico que também alimentamos expectativas. Não se trata de abrir mão de planos e sonhos, mas de estar presente onde se está com plenitude.
“Buda é aquele que nenhuma rede de desejos captura, nenhum anseio desencaminha”, diz o Dhammapada. Desejos todos nós temos, mas não podemos ser absorvidos por uma gama de desejos, que são um caminho para as frustrações e os medos. E a ansiedade, querer ter e acumular, também acaba nos afastando do Caminho. Um pensamento de Buda diz:
Os desejos humanos são infindáveis, são como a sede de uma pessoa que bebendo água salgada não se satisfaz e sua sede apenas aumenta, e assim acontece com a pessoa que procura satisfazer seus desejos e apenas consegue o aumento da insatisfação e a multiplicação de suas lições. A satisfação dos desejos nunca é completa, deixa atrás de si a inquietude e a irritação que nunca podem ser atenuadas, e se a satisfação dos desejos for impedida a um ser humano muitas vezes conduz esse ser humano à insanidade. Para satisfazer seus desejos os seres humanos se empenharão, matarão, lutarão uns contra os outros, rei contra rei, vassalo contra vassalo, pai contra filho, irmão contra irmão, amigo contra amigo. As pessoas muitas vezes arruínam suas vidas na tentativa de concretizar os desejos.
Até no local de trabalho isso se manifesta, quando alguém, por exemplo, boicota um colega, esconde documentos, atrapalha a produtividade dele, ou seja, tenta “puxar o tapete”. Quem se propõe a fazer algo assim é uma pessoa presa a desejos e ansiedades, ainda não iluminada. Mas a resposta tem de ser a de criar condições para que aquela pessoa cresça e se ilumine. Não significa ficar calado, ficar inerte e “deixar passar”, mas, sim, reagir, embora sem raiva nem rancor. Compreensão. Compreender que aquela pessoa ainda não está no Caminho. E isso vale para todos: a filha que responde mal aos pais, o marido, a esposa, o sogro, a sogra – e para você mesmo. As dificuldades de relacionamento entre as pessoas surgem por estarem envolvidas em um nível mundano.
Diz o Dhammapada: “Se, renunciando a um pequeno prazer, alcançamos grande felicidade, que a pessoa sábia renuncie à pequena alegria em consideração à grande felicidade”. Assuma para consigo mesmo: que o anseio desencaminha, que sua visão seja pura e mais ampla, como se estivesse no topo de uma montanha e pudesse ver largamente a realidade, a sua realidade, você nessa cena. E veja como você está agindo. Comece a agir como um Buda, um ser iluminado.
Pouco antes de entrar em parinirvana, a grande paz, o nirvana final (que é como o budismo se refere à morte), Buda disse: “Façam do Darma, da Verdade, o seu mestre, e eu vivo para sempre”. O nosso mestre é a Verdade, é o Caminho. Quem pode guiar você senão a Verdade e o Caminho? E o caminho da sabedoria e do viver feliz já permeia você, cada um e todos os seres. A chave está em perceber, para, então, sair do “eu menor” e, finalmente, entrar em contato com o “eu maior”. “Nós vivemos em verdadeira felicidade, pois, entre os ansiosos, estamos livres de ansiedade” (Dhammapada). Monja Coen falou sobre isso em um programa:
— Alô, monja? Que bom estar falando com a senhora… Moro aqui no interior de São Paulo… É… estou passando por um processo em que desejo algo, tenho pensamentos bons que me dão alegria, mas sinto uma dor na alma.
— Você está com medo de perder a coisa boa que você sente?
— Pode ser.
— Abra mão. A gente sente coisas boas e as deixa passar. São como a espuma do mar, que não dá para segurar. Como a fumaça: linda, com formas mil, mas não dá para pegar. Como as nuvens, que desenham figuras lindas no céu, mas que também não conseguimos pegar. Assim como na vida, tudo é transitório. Mas é belíssimo cada instante. Não tema o instante seguinte, porque alguma outra coisa nova vai surgir para você. É abrir mão da ansiedade de que aquilo que é agradável e bom passe. Esse momento passa, mas o momento seguinte chega. Respire, preste atenção no seu respirar, perceba no seu corpo físico a tensão e procure relaxar essa tensão. É assim que controlamos a mente: pela respiração consciente, mandando-lhe oxigênio para
contra vassalo, pai contra filho, irmão contra irmão, amigo contra amigo. As pessoas muitas vezes arruínam suas vidas na tentativa de concretizar os desejos.
— Mas chega um certo momento, monja, em que me sinto meio incomodada e não consigo mais prestar atenção na respiração.
— Sei. Então preste atenção em outro lugar: no espaço entre as sobrancelhas, onde começa o cabelo, lave o rosto, molhe as mãos em água fresca, olhe para o Sol. Não é só se concentrar em uma coisa. Existem inúmeras possibilidades de entrarmos novamente em equilíbrio.
As preocupações mundanas também conseguem roubar a cena em uma vida feliz. Impossível fugir delas, mas é necessário não ser dominado por elas. Se o tênis do seu filho não é o mais caro da sala, o que importa é que ele tem o tênis para ir à escola – mas muitos pais se angustiam por causa disso. A própria Monja Coen precisa enfrentar preocupações mundanas, mas tudo é pouco importante frente a um trabalho maior. As preocupações existem, mas não se sobrepõem à possibilidade de ajudar alguém a encontrar a sua plenitude, seu estado de contentamento, a verdadeira felicidade – e sem pedir nada por isso, a não ser que o outro medite e busque o contato com o seu eu verdadeiro para desabrochar como uma flor maravilhosa e fazer o bem a todos os seres. “Nós vivemos em verdadeira felicidade, pois preocupações mundanas não nos possuem” (Dhammapada).
Nutra-se de contentamento. Sabemos, claro, que o mundo ainda tem muito a crescer e se desenvolver, mas precisamos ser capazes de viver com o coração tranquilo. Um coração que, além de não abrigar ódio nem rancor, contenta-se com a época em que está vivendo, pois vê a realidade como ela é. E esse é um tempo maravilhoso, de transformações, de descobertas científicas, de doenças erradicadas do planeta. E é uma época em que também as doenças espirituais e psíquicas vão sendo compreendidas e transformadas em cura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário